O eclipse solar que validou a teoria da relatividade de Einstein
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Resumo
Este artígo aborda um dos mais importantes capítulos da história da ciência, que contribuiu para a moderna compreensão do universo. Albert Einstein concluiu sua teoria da relatividade geral em 1915. Essa teoria modificou nosso entendimento dos conceitos de espaço, tempo e gravidade estabelecidos por Isaac Newton. Segundo uma das predições da nova teoria, os raios de luz que chegam até nós de estrelas distantes se curvam quando passam perto do Sol, devido à gravidade deste e à natureza do espaço e do tempo. Essa predição foi confirmada por observações astronômicas que mediram o trajeto da luz entre estrelas distantes e a Terra. Quando a imprensa divulgou esse resultado, a comunidade científica e o público em geral experimentaram grande interesse e excitação. Einstein ficou famoso da noite para o dia.
Uma manchete sensacional
A 7 de novembro de 1919, uma notícia apareceu no jornal inglês London Times com este título surpreendente: “Revolução na ciência – nova teoria do universo – ideias de Newton refutadas”. O artigo comunicava os resultados de observações astronômicas feitas por duas expedições realizadas ainda naquele ano, uma na ilha do Príncipe, ao largo da costa africana, e a outra na cidade de Sobral, Brasil.
A partir desses dois lugares foi possível observar um eclipse solar total no mesmo dia. O objetivo das observações era confirmar ou não uma das predições da teoria da relatividade geral de Einstein. Ele sustentava que o trajeto dos raios luminosos provenientes de estrelas distantes se curvaria ao passar perto do Sol em seu caminho para a Terra. Mas de que modo observações sobre raios de luz curvados apoiariam a teoria de Einstein e alterariam a maneira como as pessoas viam o espaço, o tempo e a gravidade? Comecemos com algumas informações prévias.
A teoria da relatividade especial
1905 foi um dos anos mais produtivos na carreira científica do físico judeu-alemão Albert Einstein. Foi então que ele formulou a teoria da relatividade especial, baseada em dois pressupostos:
Primeiro, a teoria se aplica a sistemas que se movem a uma velocidade constante um em relação ao outro. Para simplificar as coisas, imaginemos uma pessoa sentada num vagão de trem. As janelas estão fechadas e nenhum som das rodas sobre os trilhos é ouvido. Se o trem se mover a uma velocidade constante, não haverá como o passageiro determinar a velocidade do trem ou se este está em movimento ou parado em relação à plataforma da estação.
O segundo pressuposto é que a propagação da luz se comporta diferentemente do movimento de outras coisas. A velocidade da luz é sempre constante – não depende da velocidade de sua fonte nem da velocidade do observador. Por exemplo, quando estou dirigindo meu carro e pergunto a que velocidade o carro ao lado está indo, a resposta dependerá de minha velocidade. Se o carro ao lado estiver indo na mesma velocidade que o meu, então parecerá parado em relação a este. Entretanto, se eu for mais devagar, o outro carro parecerá estar se afastando de mim. A descoberta de Einstein foi que a luz se comporta de modo diferente: sua velocidade não depende do estado de movimento de quem a mede ou da velocidade da fonte que a emite. Isso lhe parece estranho? Pois vai ficar mais estranho ainda!
Desses dois pressupostos, segue-se que, se duas pessoas se moverem relativamente uma à outra e medirem o comprimento de um determinado objeto, obterão resultados diferentes! Além disso, se medirem a duração entre dois eventos, não concordarão quanto ao tempo decorrido entre eles. Às vezes, não saberão nem mesmo qual evento aconteceu primeiro! Medidas de distância, tempo e simultaneidade de eventos são relativas, isto é, dependem do estado de movimento de quem mede. Os conceitos de distância e tempo na teoria da relatividade especial de Einstein são muito diferentes da visão de mundo proposta pelo físico e matemático inglês Isaac Newton. Segundo as teorias de Newton, espaço e tempo são entidades separadas e absolutas: os resultados das medidas de tempo e distância no espaço não dependem do movimento de quem as faz.
Uma das famosas conclusões que se pode tirar da teoria de Einstein é que massa e energia se equivalem – conclusão representada pela fórmula mais conhecida da ciência, E = mc2. “E” significa energia, “m” significa massa e “c” é a velocidade da luz. Segundo essa fórmula, uma pequena quantidade de massa pode ser transformada em uma enorme quantidade de energia. Nos reatores que produzem energia nuclear, esses processos ocorrem de maneira controlada; numa bomba atômica, de maneira descontrolada, o que leva a uma explosão desastrosa. No centro do Sol, quatro núcleos de hidrogênio se fundem mediante um processo complexo para se tornarem um núcleo de hélio. A massa do núcleo do hélio é ligeiramente menor que a dos quatro núcleos de hidrogênio: a massa perdida no processo se torna energia e é a fonte da energia do Sol – portanto, da vida na Terra.
A teoria da relatividade geral
A teoria da relatividade especial tem duas limitações principais: em primeiro lugar, contempla apenas sistemas em velocidade constante; não explica o movimento acelerado (movimento cuja velocidade aumenta e diminui ou muda de direção, como um carrossel). A segunda limitação é que essa teoria não leva em consideração a força gravitacional, a força central que mantém a Lua numa órbita fixa em torno da Terra e os planetas em suas órbitas ao redor do Sol.
Após completar a teoria da relatividade especial, Einstein começou a procurar uma teoria que estivesse livre dessas duas limitações. Sua pesquisa de dez anos levou à teoria da relatividade geral. A principal ideia dessa teoria é que a força gravitacional – a força de atração entre dois objetos – não é uma força, como na teoria de Newton, mas uma característica do espaço ou, mais exatamente, do espaço e do tempo. Na nova teoria de Einstein, o espaço e o tempo se combinam em uma só entidade: o espaço-tempo. Na teoria de Newton, o espaço e o tempo são um “palco” onde ocorrem todos os processos físicos. Na de Einstein, o espaço e o tempo tomam parte nesses processos e são influenciados por eles.
Segundo Einstein, no universo, objetos grandes e dotados de massa, como planetas e estrelas, curvam o espaço-tempo em volta deles. Portanto, objetos e raios luminosos que se movem no universo percorrem um espaço-tempo curvo. É difícil explicar esse conceito de maneira compreensível. Mesmo os físicos que estudam tais fenômenos têm dificuldade para imaginar um espaço-tempo curvo. Esses conceitos são descritos de maneira mais clara na linguagem matemática, com o emprego de métodos desenvolvidos por matemáticos no século 19. Valendo-se desses métodos, em 1915 Einstein encontrou as equações que descrevem a influência da massa na estrutura do espaço-tempo, bem como as equações do movimento decorrente dessa influência. Essas equações são a maior realização de Einstein e a base de tudo que conhecemos sobre o universo: como ele começou, como se desenvolveu e qual é a sua estrutura.
Observações de um eclipse solar validam a teoria de Einstein
Quando Einstein começou a elaborar sua teoria da relatividade geral, já sabia que os raios de luz se curvam nas imediações do Sol. Mesmo antes de chegar à teoria final, ele calculou de quanto seria a curvatura dos raios mas, embora na época não o soubesse, obteve um resultado duas vezes menor que o valor correto. Em 1913, enviou uma carta ao astrônomo George Hale, diretor do Observatório do Monte Wilson, o maior dos Estados Unidos. Einstein perguntou a Hale se haveria um meio de observar as estrelas próximas do Sol durante o dia. Hale respondeu que a única maneira de observar essas estrelas seria durante um eclipse solar total.
Você talvez esteja se perguntando por que era necessário um eclipse do Sol para provar a teoria de Einstein. Primeiro, é importante não esquecer que, para ver o efeito da gravidade solar sobre a luz de estrelas distantes, o Sol deve estar entre nós e as estrelas que observamos. Normalmente, é impossível ver estrelas durante o dia porque o Sol é muito brilhante! Contudo, durante um eclipse solar, quando o céu fica escuro, essas estrelas se tornam visíveis. Um eclipse solar ocorre porque o plano da órbita da Lua em volta da Terra se inclina relativamente ao plano da órbita da Terra em volta do Sol.
Às vezes, os caminhos da Terra, da Lua e do Sol se cruzam de tal maneira que formam uma linha reta. Quando isso ocorre, a Lua oculta o Sol e o eclipse solar acontece. Mas a Lua é pequena demais para lançar sombra sobre a Terra inteira e, por isso, há áreas onde um eclipse solar ocorre e outras em que ele é apenas parcial. Einstein raciocinou que, se os astrônomos comparassem uma fotografia das estrelas tirada durante um eclipse solar (quando o Sol estivesse entre a Terra e as estrelas) com uma fotografia das mesmas estrelas tirada durante a noite (quando o Sol não estivesse entre a Terra e as estrelas), as estrelas pareceriam ter mudado de lugar. Se as posições das estrelas diferissem entre as duas fotografias, isso seria a prova de que o campo gravitacional do Sol estava curvando o trajeto da luz vinda daquelas estrelas (Figura 1).
Uma expedição astronômica alemã planejou fazer observações durante um eclipse solar total em 21 de agosto de 1914, na Crimeia (Rússia). Porém, teve início a Primeira Guerra Mundial, os membros da expedição foram feitos prisioneiros e as autoridades locais confiscaram seu equipamento.
Os pesquisadores finalmente tiveram outra oportunidade durante um eclipse solar em 29 de maio de 1919 (Figura 2). Por essa época, Einstein já completara a teoria da relatividade geral e, com base nela, previra que a taxa de curvatura seria duas vezes maior do que antes presumira. Como dissemos, essas observações foram feitas em dois locais, Sobral e Príncipe. Após alguns meses analisando as observações, tarefa que não era das mais simples com os recursos disponíveis na época, os diretores das expedições, Arthur Edington e Charles Davidson, juntamente com o astrônomo real sir Frank Dyson, declararam: “Os resultados obtidos pelas expedições em Sobral e Príncipe praticamente não deixam dúvidas quanto ao fato de que a curvatura da luz em volta do Sol de fato ocorre e de que sua taxa corresponde à exigida pela teoria da relatividade de Einstein”.
A circunstância de essa predição da teoria da relatividade geral ter sido confirmada por medidas independentes, tiradas em dois locais distantes, ajudou a convencer a comunidade científica de que a conclusão era realmente verdadeira.
O impacto das teorias de Einstein
Esse resultado foi extremamente importante. Não apenas forneceu a confirmação da teoria da relatividade geral de Einstein como ajudou os cientistas a entender um curioso fenômeno astronômico chamado lente gravitacional, que os auxilia no estudo do universo. A taxa de curvatura das ondas de luz quando passam perto do Sol é muito pequena. Objetos com massas muito maiores, como os buracos negros ou mesmo galáxias inteiras, provocam curvaturas bem mais acentuadas, a ponto de as fontes de luz por trás deles poderem ser vistas com nossos telescópios. Einstein vislumbrou a possibilidade da lente gravitacional já em 1912, mas só publicou suas ideias e os cálculos relacionados 24 anos depois.
O título sensacional do artigo que relatou o sucesso das expedições britânicas deixou a comunidade científica entusiasmada. O público também se entusiasmou, tanto mais que o artigo apareceu apenas alguns anos após a Primeira Guerra Mundial, causadora de milhões de vítimas e de enorme destruição. O artigo relembrou às pessoas o poder da mente humana e mostrou-lhes que podia haver cooperação internacional em ciência. Isso suscitou novas esperanças. O interesse e a admiração do público por Einstein chegaram às alturas, tornando-o um superastro da noite para o dia. Einstein gozou desse prestígio até o fim de sua vida, sendo bastante conhecido e respeitado.
Nota do autor
Hanoch Gutfreund também tem ideias excitantes a respeito da importância de um manuscrito único, leiloado em novembro de 2021. Esse manuscrito revela que Albert Einstein e seu amigo de toda a vida, Michele Besso, trabalharam juntos para avaliar as consequências de uma teoria preliminar publicada por Einstein em 1913. O resultado desse trabalho ajudou Einstein a completar sua teoria da relatividade geral 2, anos mais tarde. Veja mais aqui (em inglês).
Leituras adicionais
No centésimo aniversário do episódio relatado neste artigo, dois livros vieram a público descrevendo seus contextos científico e histórico: Proving Einstein Right – The Daring Expeditions that Changed how We Look at the Universe, S. James Gates, Jr. e Cathie Pelletier, Hachette Book Group, 2019; No Shadow of a Doubt – the 1919 Eclipse that Confirmed Einstein’s Theory of Relativity, Daniel Kennefick, Princeton University Press, 2019.
Glossário
Eclipse solar: Fenômeno que ocorre quando a Lua se acha diretamente entre o Sol e a Terra, lançando sombra em uma área de nosso planeta.
Teoria da relatividade especial: Teoria desenvolvida por Albert Einstein e publicada em 1905 que introduziu a noção de relatividade das medidas de espaço e tempo.
Força gravitacional: Uma das forças fundamentais da natureza. É uma força de atração que atua entre objetos, sendo influenciada por suas massas e pela distância que os separa.
Teoria da relatividade geral: Teoria publicada por Albert Einstein em 1915 como extensão da teoria da relatividade especial. Aborda sistemas que se movem a velocidades variadas e por impulso da gravidade.
Lente gravitacional: Fenômeno pelo qual a força de gravidade de um objeto com grande massa curva os raios de luz oriundos de fontes localizadas atrás dele, tornando esses raios visíveis com nossos telescópios.
Citação
Gutfreund, H. (2022). “The solar eclipse that validated Einstein’s theory of relativity.” Front. Young Minds. 10:747040. DOI: 10.3389/frym.2022.747040.
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