Como capturar um átomo: histórias sobre contagem do tempo e aplicações futuras
Autores
Jovens revisores
Resumo
Este artigo é baseado em uma entrevista entre os dois autores.
Partículas como fótons, elétrons, átomos ou átomos carregados (chamados íons) estão em um mundo muito diferente daquele que normalmente percebemos. Enquanto em nossa vida diária as coisas parecem razoavelmente previsíveis, contínuas e bem-definidas, no mundo “quântico” de uma ou várias partículas há surpresas e muitos comportamentos “não clássicos” inesperados. Além de sua complexidade, o mundo das partículas abre algumas possibilidades muito interessantes de aplicação para problemas práticos.
A fim de aproveitar as incríveis propriedades das partículas, cientistas e outros pesquisadores desenvolveram algumas técnicas para reter e isolar fótons, elétrons, átomos e íons, além de manipular seu comportamento. Neste artigo, tentaremos dar a você uma visão sumária da vida fascinante das partículas, falaremos sobre técnicas para trabalhar com elas e mencionaremos novas e interessantes aplicações potenciais que tiram proveito de seus comportamentos únicos.
O prof. David Wineland compartilhou o Prêmio Nobel de Física em 2012 com o prof. Serge Haroche, do Collège de France, Paris, “pelos métodos experimentais inovadores que permitem a medição e a manipulação de sistemas quânticos individuais”.
A vida das partículas
O mundo dos átomos e das partículas subatômicas é extremamente rico e fascinante. Nele, encontramos muitos fenômenos peculiares e descobrimos que nossa intuição diária sobre como as coisas funcionam não se aplica ao mundo atômico e subatômico. Uma característica interessante desse mundo, também chamado de mundo quântico, é ser aparentemente discreto. Ao contrário do nosso mundo cotidiano, o mundo das partículas parece não ser contínuo, como se houvesse saltos repentinos entre diferentes condições. Por exemplo, sabemos que os elétrons nos átomos podem ocupar apenas regiões específicas ao redor do núcleo, chamadas orbitais atômicos. (Na mecânica quântica, aprendemos que os elétrons não agem como partículas pontuais orbitando o núcleo, como os planetas orbitando o Sol; ao contrário, eles são descritos por “funções de onda” e podem ocupar diferentes posições no espaço.).
Em cada um desse orbitais atômicos, os elétrons possuem uma certa quantidade de energia, que é seu nível de energia. Quando um átomo libera energia emitindo uma partícula de luz chamada fóton, a energia de um elétron dentro do átomo parece saltar instantaneamente de um nível para outro com menos energia. Da mesma forma, quando um átomo ganha energia ao absorver um fóton, um elétron parece saltar repentinamente de um orbital inicial para um orbital final, mais energético. Na verdade, os “saltos” não são instantâneos, mas em alguns casos demoram muito pouco tempo – cerca de 1 bilionésimo de segundo!
A teoria da física que melhor explica o maravilhoso mundo dos átomos e das partículas subatômicas é chamada de mecânica quântica. Embora as bases da mecânica quântica tenham sido lançadas há quase um século, ainda existem alguns enigmas que não compreendemos completamente sobre o comportamento fundamental das partículas, que são os “tijolos” do mundo material. No entanto, foram desenvolvidas muitas técnicas que nos ajudam a entender e controlar melhor o comportamento das partículas. A seguir, discorreremos brevemente sobre duas dessas técnicas – uma para capturar partículas (até mesmo uma só) em um local específico e a outra para desacelerar seu movimento ou arrefecê-las.
Captura de muitas partículas
Uma das características das partículas é seu movimento constante. Quando trabalhamos com elas, frequentemente queremos confiná-las a um local específico. Estudamos muito os elétrons e os íons atômicos, que são afetados por campos elétricos. Dispondo eletrodos em um arranjo específico e submetendo-os a uma corrente voltaica, produzimos campos que prendem nossos elétrons ou íons no lugar desejado [1, 2].
Uma analogia é pensar em bolinhas de gude em uma tigela: nossas partículas são as bolinhas de gude e os campos elétricos são a tigela (Figura 1A). O centro da tigela é como o centro da “armadilha” do campo elétrico: se as partículas se afastarem em qualquer direção do fundo da armadilha (ou tigela), elas sofrerão um “empurrão” de volta ao centro. Assim como a gravidade mantém as bolinhas de gude no fundo da tigela, o campo elétrico mantém as partículas confinadas perto do centro da armadilha.
Os professores Wolfgang Paul e Hans Dehmelt compartilharam metade do Prêmio Nobel de Física em 1989 pelo desenvolvimento de armadilhas para íons e elétrons [1, 2].
Captura de uma única partícula
Às vezes, precisamos controlar as partículas com muita precisão. Trabalhar com grupos ou “conjuntos” de partículas às vezes é mais conveniente, pois fica mais fácil capturar muitas de uma vez e medir os sinais maiores (as correntes elétricas induzidas nos eletrodos pelos movimentos das cargas) gerados por todas juntas do que os sinais menores de uma única partícula. Mas quando trabalhamos com muitas partículas, é mais difícil controlá-las com a mesma precisão com que controlamos uma só. Pense nisso como tentar ficar de olho em uma criança da classe, em vez de vigiar muitas ao mesmo tempo – você pode imaginar como o segundo caso é muito mais difícil.
Podemos controlar a velocidade de uma partícula com alta precisão, inclusive fazendo com que ela quase pare completamente. Entretanto, é mais difícil controlar as velocidades de muitas partículas individuais em um grupo com a mesma precisão (quando as partículas em um grupo colidem, a colisão perturba seus níveis de energia interna de forma descontrolada). No entanto, se precisarmos de controle e precisão em nível bem elevado (por exemplo, no caso dos relógios atômicos, como se verá abaixo), às vezes teremos de trabalhar com partículas isoladas para acompanhar acuradamente seu movimento e minimizar os erros que ocorrem quando trabalhamos com muitas [3].
Para capturar uma única partícula carregada, temos primeiro de capturar várias delas, como na Figura 1A. Em seguida, aplicamos um campo elétrico oscilante às partículas, de modo que ocasionalmente uma “escapa” da armadilha. Em nossa analogia com a tigela e as bolinhas de gude, você deve imaginar um aumento do movimento das bolinhas dentro da tigela, até que uma delas “pule” a borda do recipiente (Figura 1B). Cada vez que uma partícula pula fora da tigela, constatamos uma redução repentina e discreta na corrente elétrica oscilante total induzida nos eletrodos (como em [3]).
Repetimos esse processo até que a corrente do sistema fique igual à corrente de uma única partícula, para sabermos que ficamos com apenas uma partícula presa [1]. Então, podemos conhecer suas propriedades e/ou usá-las para aplicações específicas [1, 2]. Ao trabalhar com certos íons atômicos, podemos dispersar a luz de seus lasers; a dispersão total observada é proporcional ao número de íons, o que nos permite saber quando temos um único íon na armadilha.
Arrefecimento de átomos com raios laser
Outra técnica importante para controlar partículas é desacelerá-las ou arrefecê-las a temperaturas muito baixas usando lasers, de modo que elas quase não se movam. Isso é chamado de arrefecimento a laser. Como você aprendeu, os elétrons se movimentam em torno do núcleo apenas em níveis de energia específicos.
Quando se aproxima de um átomo, um fóton só é absorvido por este se tiver exatamente a quantidade certa de energia para transferir elétrons de um nível de energia para outro; caso contrário, a luz simplesmente passa pelo átomo. Como você deve saber, a energia que os fótons carregam está diretamente relacionada a outra propriedade da luz chamada frequência (o número de ciclos que uma onda completa em 1 s), de modo que os fótons com energia mais alta têm frequências mais altas e vice-versa (para aprender mais sobre frequência e energia, veja aqui [em inglês]).
Quando se move em direção contrária à da luz, tal como em um raio de laser, a frequência da luz “sentida” pelo átomo é mais alta e, portanto, “mais carregada de energia” do que quando ele se afasta da fonte de luz (Figura 2). É o chamado efeito Doppler. Então, se sintonizarmos a frequência do laser ligeiramente abaixo da frequência (ou energia) necessária para a transição entre as órbitas de dois elétrons, com o átomo em repouso, quando ele se mover em direção ao laser irá “senti-lo” como portador de uma frequência mais alta e absorverá a luz (átomo vermelho na Figura 2).
A absorção da luz desacelerará o átomo devido ao momentum do fóton transmitido a ele, o que reduz o momentum do átomo e, portanto, sua velocidade. Pense nisso como dois jogadores de rugby correndo um em direção ao outro e diminuindo a velocidade depois de se esbarrarem. Por outro lado, se o átomo se afastar do laser (átomo verde na Figura 2), a frequência do laser “sentida” pelo átomo será deslocada para baixo e a probabilidade de o fóton de laser ser absorvido pelo átomo será reduzida.
Consequentemente, o átomo se manterá aproximadamente na mesma velocidade (para aprender mais sobre arrefecimento a laser, veja este vídeo [em inglês]). Esse efeito diferencial entre os movimentos do átomo se aproximando e se distanciando do laser significa que temos uma maneira de desacelerar a velocidade de um átomo que se move em uma direção específica (em direção ao laser). Combinando vários lasers projetados de diferentes direções, podemos desacelerar os átomos que se movem em todas elas.
Relógios atômicos: contagem das horas com precisão
Os relógios são uma parte tão corriqueira de nossa vida cotidiana que raramente paramos para pensar em questões fundamentais como a forma de medir o tempo e os limites de sua precisão. Mas é exatamente nisso que pensam o dia inteiro os cientistas e engenheiros em laboratórios como a Divisão de Tempo e Frequência do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA (NIST, na sigla inglesa)! Sua missão é continuar melhorando a precisão dos relógios e medir o tempo com cada vez mais precisão.
Do mesmo modo que a maioria dos físicos experimentais, esses cientistas agem como detetives, identificando cuidadosamente todos os fatores importantes e efeitos ambientais que limitam a precisão da contagem do tempo. Depois, tentam reduzir esses efeitos tanto quanto possível para aumentar continuamente a precisão da medição do tempo. Esses cientistas “relojoeiros” têm trabalhado nessa tarefa desde a década de 1950, quando os primeiros relógios atômicos foram demonstrados (para saber mais sobre a história e o funcionamento dos relógios atômicos, consulte este artigo [em inglês]).
Em geral, para medir intervalos de tempo, contamos o número de ciclos de uma fonte de frequência referencial, como as oscilações de um pêndulo mecânico ou de um oscilador piezoelétrico de cristal de quartzo (dispositivo encontrado em telefones celulares, cujas oscilações mecânicas são acionadas pela voltagem elétrica aplicada a ele.).
Se conhecermos a frequência de nossa fonte, saberemos quanto tempo se passou contando quantos ciclos foram concluídos em um determinado intervalo de tempo (ou seja, a duração entre dois pontos no tempo). Por exemplo, se sabemos que a frequência de nossa fonte é de 100 Hz (ciclos por segundo), então sabemos também que a duração de cada ciclo é de 1/100 (ou 0,01) de segundo. Quanto maior a frequência da fonte, mais precisamente podemos definir os intervalos de tempo.
Podemos medir intervalos de tempo com muita precisão usando relógios atômicos como fonte de frequência. Isso significa que, em vez de usar a frequência baixa de um pêndulo mecânico ou de um oscilador de cristal de quartzo, usamos a frequência muito mais alta que corresponde à frequência dos fótons causadores de transições entre níveis discretos de energia dos átomos. Por exemplo, direcionamos um raio de laser sobre os átomos que foram colocados primeiro em seu estado eletrônico de energia mais baixa e observamos a quantidade de absorção do raio de laser.
Quando a absorção é maximizada, sabemos que a frequência do raio de laser corresponde à frequência dos fótons equivalente à diferença de energia entre os dois níveis de energia atômica. Se o raio de laser não for absorvido ao máximo, alteramos um pouco sua frequência até que a absorção seja maximizada e satisfaça essa condição. Então, contando o número de ciclos da oscilação do laser, determinamos com precisão os intervalos de tempo (Figura 3).
Os relógios atômicos são usados em satélites para detectar nossa localização, por meio do GPS presente nos smartphones, por exemplo. Conhecer a velocidade da luz e usar relógios atômicos sincronizados para medir o tempo que a luz leva para viajar do satélite até o smartphone permite ao software calcular com precisão a que distância estamos do satélite. Usando uma rede de satélites com tempo sincronizado, nossa localização tridimensional pode ser determinada. Os relógios atômicos dos satélites devem ser muito precisos, pois erros minúsculos na medição do tempo, mesmo na escala de um milionésimo de segundo, resultam em grandes erros de centenas de metros na determinação da localização por meio do GPS.
Durante muitos anos, os melhores relógios atômicos se basearam em uma transição específica em um determinado elemento (a transição de micro-ondas “hiperfina” em césio atômico neutro, que tem uma frequência de 9,2 GHz ou cerca de 9,2 x 109 Hz.). Mas, nos últimos anos, os padrões de frequência mais precisos se baseiam em transições com frequências próximas às das ondas de luz, correspondentes às cores da luz que vemos a olho nu, em torno de 1015 ciclos por segundo [4] (Para saber mais sobre relógios atômicos ópticos, veja este artigo [em inglês]). As incertezas nessas frequências devidas às perturbações ambientais são de cerca de 1 parte em 1018, isto é, os relógios baseados nessas transições seriam incertos em menos de 1 segundo ao longo da idade do universo (~13,7 bilhões de anos)!
Uma importante aplicação potencial que utiliza a técnica avançada de arrefecimento a laser é chamada de computação quântica. A computação quântica usa as características quânticas de átomos e de íons ou dispositivos mais macroscópicos para realizar certos cálculos complexos com muito mais eficiência do que os computadores digitais clássicos. Para uma breve introdução, consulte o Apêndice.
Recomendações para as mentes jovens
Em nossa opinião, o trabalho que fazemos lembra mais um hobby porque provavelmente estaríamos interessados nas mesmas coisas mesmo se elas não fizessem parte de nossa profissão. É o que desejamos para você também. Acreditamos que você deva achar alguma coisa de que realmente goste, pois, se gostar, estará disposto a trabalhar duro e a passar boa parte do tempo com ela – o que, provavelmente, lhe trará sucesso. Mesmo se você mudar de opinião sobre o que quer e o que acha interessante, tudo bem. Obviamente, você não deve perder tempo com algo muito diferente do que gosta de fazer. Também é importante que mantenha os olhos abertos e corrija o rumo de suas decisões quando necessário.
Aqueles que escolherem uma carreira científica também devem estar cientes de que a paciência e a perseverança serão necessárias. Na ciência, e especificamente na pesquisa científica, os frutos de nossos esforços nem sempre são imediatos. Adquirir o conhecimento e as habilidades imprescindíveis para fazer pesquisas de alta qualidade e formar novas ideias sobre o mundo exige tempo. Você deve ser capaz de suportar alguns reveses e perseverar mesmo quando as coisas não acontecerem como desejava. Se agir assim, acabará por colher os frutos de seus esforços e se deliciará com a maravilha da descoberta.
Queremos enfatizar também que escolher uma carreira ou um caminho só para ganhar dinheiro é um erro. Muito provavelmente, você não ficará muito satisfeito nem será bem-sucedido caso pense apenas em se sustentar financeiramente. Da mesma forma, se desejar apenas recompensas ou prêmios, esse caminho dificilmente o levará ao sucesso. Nosso conselho é que escolha algo a seu gosto e invista em trabalho árduo, necessário para seguir em direção a um objetivo de valor, em vez de se concentrar em um salário que lhe garanta reconhecimento social.
Por fim, temos algumas dicas para quem pretende fazer faculdade. Quando você for para a pós-graduação, irá trabalhar em um projeto específico. Pela nossa experiência, é sempre útil não focar apenas no tópico em que estiver trabalhando, mas diversificar um pouco e ler alguns materiais relacionados mais abrangentes. Foi exatamente assim que David teve a ideia do arrefecimento a laser – lendo artigos adicionais sobre temas não diretamente relacionados ao seu projeto na época. Isso acabou se tornando um marco importante em sua carreira científica.
Apêndice: avanços e aplicações futuras
O desempenho dos relógios atômicos continuará a melhorar. Mudanças de frequência devidas às muitas perturbações ambientais nos átomos, como a dispersão de campos elétricos e magnéticos, devem ser contabilizadas com maior precisão. Dois efeitos adicionais que devem ser incluídos nas comparações de relógios provêm da teoria da relatividade de Einstein e são formas distintas do que é chamado de “dilatação do tempo” – a desaceleração do tempo num referencial em relação a outro.
Primeiro, Einstein nos ensinou que em um referencial que se move em relação a nós (digamos, o referencial ligado a um átomo ou íon em movimento), o tempo corre mais devagar se comparado a nós enquanto observadores estacionários em um laboratório. Essa mudança é proporcional à energia média do movimento dos íons, de modo que um dos benefícios do arrefecimento a laser é que podemos reduzir a mudança por um fator de cerca de um milhão em comparação com íons ou átomos à temperatura ambiente.
O segundo tipo de dilatação do tempo que Einstein nos ensinou é que o tempo corre mais devagar na presença de gravitação [o chamado “desvio para o vermelho do potencial gravitacional” [5 –7]]. Isso não afeta muito nossa experiência cotidiana, como se pode ver pelo exemplo seguinte: suponha que você e seu irmão gêmeo tenham sido separados logo depois do nascimento; você vive no nível do mar; seu irmão gêmeo morou 1,6 km acima do nível do mar (por exemplo, em Boulder, Colorado).
Depois de 80 anos, seu irmão gêmeo só será cerca de 0,001 s mais velho do que você. É claro que esse é um efeito negligenciável em termos de atividades humanas típicas, mas pode ser observado com relógios precisos e tem de ser levado em consideração quando se comparam relógios em locais diferentes, como na navegação via GPS.
Para uma simples demonstração desse efeito, dois relógios separados baseados na mesma transição atômica em um íon foram comparados no Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia em Boulder, Colorado [5]. Inicialmente, os dois relógios ficaram na mesma altura, mas separados lateralmente por alguns metros. A razão de frequência dos dois relógios era de unidade de 1 parte em 1018. Um dos relógios foi então erguido em 33 cm e a razão das frequências dos dois relógios foi medida novamente. A frequência do relógio erguido aumentou cerca de 4 partes em 1017, perto do resultado esperado.
Demonstrações ainda mais surpreendentes do desvio para o vermelho do potencial gravitacional foram recentemente feitas por duas equipes que usaram átomos neutros, com o desvio gravitacional para o vermelho sendo observado em escala milimétrica [6, 7].
Além de relógios melhorados, outra aplicação potencial importante baseada no controle e na manipulação de sistemas quânticos individuais é o processamento de informações quânticas, que inclui a computação quântica (cálculos de computador realizados com o uso de elementos quânticos) e simulação quântica (simulações de computador que usam efeitos quânticos para compreender fenômenos físicos). Embora esse tópico esteja além do objetivo do presente artigo, podemos dar uma ideia desse importante campo e para onde ele está caminhando.
Para tanto, precisamos explicar primeiro outro fenômeno peculiar ao mundo das partículas quânticas, chamado superposição. Superposição é o fato de as partículas poderem representar dois níveis de energia diferentes ao mesmo tempo. Considere o exemplo de um único íon preso como uma bola de gude na tigela. Podemos excitar o movimento do íon com um campo elétrico oscilante e criar uma condição clássica onde a bola de gude role para a frente e para trás, digamos, entre o lado esquerdo e o lado direito da tigela.
No entanto, com nossas ferramentas quânticas, podemos também criar uma situação onde de vez em quando a bola de gude esteja simultaneamente no lado esquerdo e direito da tigela – em um “estado de superposição”. Isso é muito contraintuitivo e não faz sentido no nosso mundo clássico cotidiano, mas é o mundo onde vivem os cientistas quânticos.
Estendendo essa ideia para os níveis de energia de um único átomo, podemos criar um estado de superposição onde o átomo esteja simultaneamente em seu estado de energia mais baixo e mais alto. Na prática, isso é relativamente fácil de fazer. Anteriormente, falamos sobre um único íon atômico absorvendo um único fóton e fazendo uma transição do seu nível de energia mais baixo para um mais alto. Acontece que se nosso raio de laser for composto por muitos fótons espalhados pelo espaço em todas as direções perpendiculares à direção desse raio e o aplicarmos durante certa duração, teremos uma situação em que o átomo está excitado apenas “a meio caminho”.
Ou seja, após o raio de laser ser desligado, o átomo fica em uma superposição de seu nível de energia eletrônico mais baixo com seu nível de energia mais alto. Desse modo, a superposição significa que uma partícula pode existir simultaneamente em múltiplos estados (dois no exemplo acima) em um dado momento.
O campo da computação quântica se baseia em parte na superposição de dois estados de um sistema quântico (íons atômicos no exemplo acima). Como você deve saber, um computador normal é composto de unidades básicas chamadas “bits”, que podem estar em um de dois estados, chamados de “0” e “1”. Esse sistema de dois estados, quando combinado com outros sistemas semelhantes, pode fazer todos os cálculos de um computador convencional. A ideia de computação quântica é que cada unidade básica, chamada de “qubit” (abreviação de bit quântico em inglês), pode estar em uma superposição de estados ou em vários estados ao mesmo tempo.
Para representar o estado de um qubit como uma superposição dos estados quânticos “0” e “1”, frequentemente usamos as notações “|0>” e “|1>”. Escrevemos um estado geral de superposição de um qubit como α|0> + β|1>, onde |α|2 é a probabilidade de o qubit ser medido no estado “0” e |β|2 é a probabilidade de o qubit ser medido no estado “1”. Quando essas probabilidades são iguais (aquilo que chamamos de uma superposição de estados iguais), uma possível superposição de estado de qubit pode ser 1/√2|0> + 1/√2||1> (onde |α|2 = |β|2 =1/2).
Agora vejamos o que acontece em um sistema maior. Se observarmos um sistema clássico com dois bits, cada um se encontrando em um dos dois estados “0” e “1”, podemos representar um total de 22 = 4 números, que são: 00, 10, 01 ou 11. O estado geral de um sistema equivalente de 2 qubits seria α|00> + β|01> + γ|10> + δ|11>, onde a probabilidade de medir os estados |00>, |01>, |10> e |11> é |α|2, |β|2, |γ|2 e |δ|2, respectivamente. Um exemplo de superposição dos quatro estados seria o estado 1/2|00> + 1/2|01> +1/2|10> + 1/2|11> com uma probabilidade de medição de (1/2)2 = 1/4 para cada estado).
Como você pode ver, uma superposição de um sistema de 2 qubits contém ou armazena quatro (22) números de dois bits simultaneamente. Em contraste, um sistema clássico de dois bits só pode armazenar um número de dois bits (um entre 00, 10, 01 ou 11).
Ampliando isso para sistemas ainda maiores, podemos ver que um sistema clássico de n bits pode armazenar um número binário de n bits compostos de “0”s e “1”s. No entanto, uma superposição de n qubits pode armazenar números de 2n n-bits de uma vez (2n vezes mais números em comparação com um sistema clássico do mesmo tamanho). Isso quer dizer então que, quando realizamos uma operação em um dos qubits em nossa superposição de n-qubits, operamos em todos os 2n estados de n-qubits simultaneamente. Ou seja, um computador quântico pode armazenar e processar uma quantidade muito maior de informação do que um computador clássico do mesmo tamanho e é um exemplo de “ampliação exponencial”.
Um exemplo notável é que, se tivermos 300 qubits, podemos armazenar 2300 números de 300 bits simultaneamente. Uma memória clássica desse tamanho exigiria mais partículas do que as existentes no universo! É relativamente fácil criar tal estado com íons presos, mas fazer portões lógicos úteis para um sistema desse tamanho é muito mais difícil (explicar a implementação de portões lógicos quânticos está além do objetivo deste artigo, mas algumas das ideias básicas podem ser encontradas em [8]).
Assim, para certos problemas, os computadores quânticos poderiam, em princípio, ser muito mais eficientes e mais rápidos do que os computadores clássicos e resolveriam problemas que os computadores convencionais atuais são incapazes de resolver. Além da fatoração eficiente de números (conforme proposto por Peter Shor), uma aplicação antecipada dos computadores quânticos seria então a capacidade de simular a dinâmica ou o comportamento de sistemas quânticos complexos, como a ação de moléculas em uma substância química a ser usada em terapia medicamentosa, e estudá-las usando simulações de computador sem ter que sintetizá-las em laboratório. Situações similares também poderiam nos ensinar coisas novas sobre física ou resolver problemas físicos difíceis, fora do alcance dos computadores clássicos.
Muitas pessoas se perguntam quando teremos o primeiro computador quântico. A resposta é que nós já temos computadores quânticos; mas, até agora, os problemas que eles resolvem podem ser resolvidos também por computadores clássicos (talvez não com a mesma eficiência) ou são problemas que não têm interesse prático. Construir e melhorar computadores quânticos será, provavelmente, um processo gradual – os primeiros só conseguirão resolver problemas úteis simples e, à medida que o campo avançar, farão coisas mais complicadas. Talvez nos próximos dez anos possamos fazer algo útil com os computadores quânticos, como descobrir algo que não conhecíamos ou simular um sistema interessante para aplicações práticas. Esse é um objetivo que merece ser buscado.
Materiais adicionais
A transcrição da entrevista entre o prof. David Wineland e Noa Segev pode ser encontrada aqui.
Glossário
Nível de energia: Valor de energia discreto específico que um sistema quântico pode ter, como os dos elétrons em um átomo.
Mecânica quântica: Teoria da física que descreve o comportamento e as propriedades dos átomos e outras partículas, bem como sistemas mais macroscópicos como as vibrações de osciladores mecânicos em miniatura.
Elétrons: Partículas fundamentais dos átomos dotadas de carga negativa.
Eletrodos: Estruturas normalmente de metal que conduzem eletricidade e podem ser usadas para criar campos elétricos.
Arrefecimento a laser: Técnica que usa raios laser para desacelerar e arrefecer átomos e íons.
Fótons: Partículas de luz com uma quantidade discreta e específica de energia proporcional à sua frequência. Essa foi a ideia de Max Planck, seguida subsequentemente por Einstein.
Momentum: Quantidade física definida como o produto da massa de uma partícula e sua velocidade. Quanto maior for o momentum de uma partícula, maior será a força que ela transmitirá a outras partículas.
Agradecimentos
Agradecemos a Sharon Amlani pelas ilustrações deste artigo.
Conflito de interesses
O autor NS declara que trabalhava para o Frontiers quando da apresentação. Isso não afetou em nada o processo de revisão por pares e a decisão final.
Os autores declaram que a pesquisa foi realizada sem nenhuma relação financeira ou comercial capaz de gerar um conflito de interesses.
Referências
[1] Paul, W. 1990. “Electromagnetic traps for charged and neutral particles.” Rev. Modern Phys. 62:531. DOI: 10.1103/RevModPhys.62.531.
[2] Dehmelt, H. 1990. “Experiments with an isolated subatomic particle at rest.” Rev. Modern Phys. 62:525. DOI: 10.1103/RevModPhys.62.525.
[3] Wineland, D., Ekstrom, P. e Dehmelt, H. 1973. “Monoelectron oscillator.” Phys. Rev. Lett. 31:1279. DOI: 10.1103/PhysRevLett. 31.1279.
[4] Diddams, S. A., Bergquist, J. C., Jefferts, S. R. e Oates, C. W. 2004. “Standards of time and frequency at the outset of the 21st century.” Science. 306:1318–24. DOI: 10.1126/science.1102330.
[5] Chou, C. W., Hume, D. B., Rosenband, T. e Wineland, D. J. 2010. “Optical clocks and relativity.” Science. 329:1630–3. DOI: 10.1126/science.1192720.
[6] Bothwell, T., Kennedy, C. J., Aeppli, A., Kedar, D., Robinson, J. M., Oelker, E. et al. 2022. “Resolving the gravitational redshift across a millimetre-scale atomic sample.” Nature. 602:420–4. DOI: 10.1038/s41586-021-04349-7.
[7] Zheng, X, Dolde, J., Lochab, V., Merriman, B. N., Li, H. e Kolkowitz, S. 2022. “Differential clock comparisons with a multiplexed optical lattice clock.” Nature. 602:425–30. DOI: 10.1038/s41586-021-04344-y.
[8] ↑ Monroe, C. R. e Wineland, D. J. 2008. “Quantum computing with ions.” Sci. Am. 299:64–71. Disponível online em: https://www.scientificamerican.com/article/quantum-computing-with-ions/
Citação
Segev, N. e Wineland, D. (2023). “How to catch an atom: tales on time-telling and future applications.” Front Young Minds. 11:857992. DOI: 10.3389/frym.2023.857992.
Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Creative Commons Attribution License (CC BY). O uso, distribuição ou reprodução em outros fóruns é permitido, desde que o(s) autor(es) original(is) e o(s) proprietário(s) dos direitos autorais sejam creditados e que a publicação original nesta revista seja citada, de acordo com a prática acadêmica aceita. Não é permitido nenhum uso, distribuição ou reprodução que não esteja em conformidade com estes termos.
Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br