Astronomia e Física 26 de junho de 2024, 10:36 26/06/2024

O misterioso “território” da física quântica

Autores

Jovens revisores

Ilustração de um professor em frente a uma lousa, explicando conceitos de física. Dois balões de pensamento próximos ao professor revelam um homem segurando uma maçã e outro homem com um pergaminho.

Resumo

A física é o esforço humano para descobrir as leis imutáveis do universo. Desde o período em que viveram os pensadores gregos, há 2.000 anos, leis da física que os cientistas chegaram a considerar definitivas frequentemente passaram por mudanças. Netas ocasiões, nós nos deparamos com um novo “território”, no qual fenômenos inesperados desafiam e contradizem as ideias adotadas. Há cerca de 120 anos, uma dessas grandes mudanças revelou um território novo e excitante – um território que ainda hoje exploramos. Neste artigo, descreveremos alguns dos fenômenos estranhos dessa nova terra, chamada física quântica, e como eles nos forçaram a mudar a maneira de pensar sobre o mundo em termos de energia, medições científicas e realidade dos objetos à nossa volta. Uma vez que ninguém – nem mesmo os melhores físicos do mundo – sabe exatamente o que eles significam, caberá a você decidir!

A teoria quântica: o começo

Como agem os físicos criativos quando são surpreendidos por fenômenos que não se enquadram naquilo que já conhecem? Podem tentar “ampliar” uma teoria vigente para que ela se ajuste aos novos fenômenos ou, agindo com coragem, oferecer um ponto de vista completamente novo. Foi o que fez sir Isaac Newton, o físico e matemático inglês do século XVII, quando propôs uma visão do mundo completamente diversa da de Aristóteles, que viveu na Grécia há 2.000 anos, e é considerado o pai da ciência moderna. 

No fim do século XIX, dois físicos, Max Planck e Albert Einstein, propuseram uma maneira nova e surpreendente para descrever vários fenômenos inexplicáveis, um dos quais é chamado de efeito fotoelétrico. Para tanto, Planck e Einstein tiveram uma ideia que marcou o início de uma teoria nova e revolucionária: a teoria quântica. Essa teoria, que cresceu passo a passo, era completamente diversa de tudo o que os físicos já haviam pensado, e foi uma revolução na ciência. 

O que é o efeito fotoelétrico? 

Mas o que, exatamente, é o efeito fotoelétrico? Em poucas palavras, ele diz respeito à forma como a luz pode gerar eletricidade (Figura 1). Se a luz azul incide sobre um metal condutor como o cobre, às vezes esse metal ejeta elétrons, que são partículas minúsculas com carga negativa em órbita ao redor do núcleo atômico, este muito maior e com carga positiva. O movimento dos elétrons cria uma corrente elétrica que pode ser medida e aproveitada. A cor da luz é importante – se a luz vermelha for usada ao invés da luz azul, nenhum elétron será ejetado e nenhuma corrente elétrica será criada. Esse fenômeno era conhecido desde 1887, graças aos experimentos feitos por Heinrich Hertz, um físico alemão. 

Figura 1. O efeito fotoelétrico. Quando a luz azul (setas pretas onduladas) atinge um metal condutor como o cobre, ela arranca alguns elétrons carregados negativamente (bolas vermelhas) dos núcleos carregados positivamente dos átomos desse metal (bolas verdes). Sob condições adequadas, os elétrons saem do metal e criam uma corrente elétrica. Tal efeito só é possível porque a luz consiste de pequenos pacotes de energia sem massa, chamados fótons. Os fótons com outras cores de luz, como a vermelha, não contêm energia suficiente para liberar os elétrons. 

O grande problema do efeito fotoelétrico é que, na época, a luz era considerada uma onda (como as ondas do oceano). De acordo com a teoria ondulatória da luz, se mais e mais ondas de luz vermelha fossem usadas, elas por fim se tornariam grandes o suficiente para ejetar elétrons e criar uma corrente elétrica. Então, por que isso não acontece com a luz vermelha, embora aconteça até mesmo com a luz azul muito fraca?

 Einstein descobriu o porquê em 1905. Em vez de considerar a luz como ondas, Einstein sugeriu que deveríamos encará-la como pequenos “pacotes” de energia, mas sem massa alguma. Os pacotes de luz azul têm muito mais energia que os pacotes de luz vermelha e é por isso que provocam o efeito fotoelétrico. Pense neles como pequenas bolas de bilhar carregadas de energia – se uma bola atingir um elétron com força suficiente, o elétron será ejetado do metal. Essa estranha ideia explicou com sucesso o efeito fotoelétrico e os minúsculos pacotes de luz carregados de energia foram chamados de fótons (photon, em grego, significa “luz”).

As coisas não terminaram com essa nova ideia surpreendente – que, na verdade, foi apenas o começo. Em poucos anos, um grande número de fenômenos nunca vistos e intrigantes foram descobertos. Era um mundo totalmente novo, com leis novas! O mundo ordenado e previsível de Newton, que se assemelhava a uma enorme máquina composta por muitas peças pequenas, acabou substituído por uma terra inexplorada, cheia de surpresas [1]! Os físicos não descartam as leis de Newton; elas ainda podem explicar e prever muitos fenômenos, como o movimento da Lua ao redor da Terra ou o de uma pedra caindo no chão. Porém, abaixo desse mundo, foi descoberto outro, vasto e inexplorado. 

O mistério do salto quântico Como você provavelmente já sabe, toda substância é composta de incontáveis átomos. Os átomos são como pequenos sistemas solares que não podem ser vistos, mesmo com um microscópio muito poderoso. Nesses minúsculos “sistemas solares”, os elétrons são como os “planetas”, orbitando ao redor do núcleo (o “Sol”).

Os físicos descobriram que os elétrons podem passar de uma órbita próxima ao núcleo para outra mais distante dele, e vice-versa, quando ganham ou perdem energia. A maravilha do mundo quântico é que esses minúsculos “planetas” (os elétrons) se movem de uma órbita para outra num único salto. Eles estão sempre em uma órbita específica – perto ou mais longe do núcleo –, mas nunca na metade, a um terço ou a um quarto do espaço intermediário. Por exemplo, um elétron pode estar próximo ao núcleo de um átomo e absorver energia de um fóton de luz; então, no momento seguinte, estará numa órbita mais distante. Esse fenômeno é denominado salto quântico (Figura 2). 

Figura 2. Salto quântico de um elétron em um átomo de hidrogênio. O núcleo do átomo é indicado pelo ponto verde. Dois elétrons (pontos laranja) viajam em torno do núcleo em órbitas chamadas de n = 1 e n = 3.  O que está em n = 1 absorve um fóton de luz e ganha energia para dar um salto quântico – num piscar de olhos – até n = 3, que está mais longe do núcleo. O elétron em n = 3 emite um fóton e cai para uma órbita mais próxima do núcleo. Nenhum elétron, em momento algum, permanece entre as órbitas 1 e 3, mas esse fenômeno ainda não foi explicado pelos cientistas! 

Como o elétron passa de uma órbita a outra? Ainda não há uma boa resposta para isso. Eis um dos grandes mistérios da teoria quântica: o que acontece com o elétron durante o salto de uma órbita a outra? Ele “morre” numa órbita para “renascer” em outra? Move-se tão rápido que nossos dispositivos não conseguem rastreá-lo? Talvez você possa ter uma ideia criativa para resolver esse mistério. 

Telepatia entre os pares de partículas

Você acredita na leitura de pensamentos, também chamada de telepatia mental? Os físicos tendem a ser pessoas muito racionais e lógicas; por isso, a grande maioria deles acha que a telepatia mental entre as pessoas é uma suposição não científica, irracional e ilógica, que provavelmente não acontece. 

Mas na nova terra da teoria quântica, as partículas em um determinado sistema experimental parecem praticar uma espécie de telepatia! Imagine que observamos duas partículas distantes uma da outra – digamos, um quilômetro ou até muito mais – e medimos uma certa propriedade de uma delas, como sua velocidade. Inúmeras experiências mostraram que, para algumas propriedades, o valor da propriedade medida de uma partícula será sempre a “imagem especular” da propriedade da outra.

Se pensarmos nas duas partículas como pessoas, isso significaria que quando uma delas levantasse a mão direita, a outra levantaria a esquerda e vice-versa – mesmo que nenhuma delas conseguisse ver qual mão a outra havia levantado [2]! Muitos experimentos mostraram que uma partícula nesses pares influencia de alguma forma a outra – sem nenhuma coordenação prévia e mesmo a uma grande distância. Esse fenômeno muito estranho e especial é chamado de emaranhado quântico. 

Você pode estar se perguntando se todo par de partículas microscópicas se acha em estado de emaranhamento quântico. A resposta é não – isso só acontece em pares de partículas que estiveram inicialmente em um estado de conexão especial (como gêmeos), chamado estado singleto. Além disso, o emaranhado quântico é muito sensível e frágil; se uma partícula de fora entrar no sistema experimental, o emaranhado será destruído – portanto, o sistema experimental deve ficar completamente isolado do mundo exterior.  Atualmente, está sendo feito um esforço tremendo e caro para construir um computador quântico, que é um tipo de computador baseado no fenômeno do emaranhamento quântico. Ele deve permanecer completamente isolado de quaisquer perturbações externas que possam destruir o emaranhamento quântico.

Questões misteriosas sobre gatos

Outro mistério do mundo quântico foi investigado pelo físico austríaco Erwin Schrödinger. Schrödinger descreveu uma situação quântica muito estranha.

De acordo com a matemática da teoria quântica que ele ajudou a desenvolver, uma partícula quântica é encontrada em todos os seus estados possíveis ao mesmo tempo. Por exemplo, se você tiver um conjunto de dados quânticos e lançar um deles, enquanto ele estiver no ar todos os seus estados serão possíveis – um pouquinho 1, um pouquinho 2, um pouquinho 3, 4, 5, 6! Quando você verificar o resultado, este mostrará apenas uma possibilidade. A condição antes de o dado atingir a mesa é chamada de superposição. De acordo com essa teoria, uma partícula quântica só “escolhe” um estado quando é observada.

 Parece loucura? Mais loucura ainda parecerá se pensarmos nisso em termos do mundo que conhecemos. Schrödinger propôs um experimento mental envolvendo um gato dentro de uma caixa fechada. Na caixa, há um átomo radioativo com 50% de chance de se decompor, acionar um martelo e quebrar um frasco cheio de veneno, que matará o gato. Mas há 50% de chance de o átomo radioativo não se decompor e o gato continuar vivo. De acordo com a teoria quântica, o gato estará vivo e morto ao mesmo tempo – somente quando abrirmos a caixa verificaremos se ele está num estado ou no outro (Figura 3). 

Figura 3. No pensamento experimental de Schrödinger, uma caixa fechada contém um gato, um frasco de veneno e um átomo radioativo com 50% de chance de se decompor durante o experimento. Se o átomo se decompuser, o frasco de veneno será quebrado e o gato morrerá. Se o átomo não se decompuser, o gato permanecerá vivo. De acordo com a matemática da teoria quântica, o gato estará simultaneamente vivo e morto até que alguém abra a caixa para verificar – nesse ponto, um dos estados se torna realidade. 

Como isso é possível? Qual era o estado do gato quando a caixa foi fechada e ninguém a observava? O gato estava morto e vivo ao mesmo tempo? Somos nós que o matamos ou o deixamos viver apenas ao observá-lo? Por enquanto, a teoria quântica ainda não fornece uma explicação satisfatória para esse problema. 

A incerteza do mundo da física

Outro fenômeno quântico espetacular foi formulado por um físico alemão chamado Werner Heisenberg e é conhecido como o princípio da incerteza de Heisenberg. Heisenberg afirmou que existem certos estados quânticos nos quais se soubermos, por exemplo, a velocidade exata de um elétron, perderemos todo o conhecimento de sua localização. De acordo com esse princípio, o oposto também é verdadeiro: se soubermos exatamente onde o elétron está, de modo algum conseguiremos determinar sua velocidade! Entretanto, se determinarmos aproximadamente qual é a velocidade do elétron, poderemos saber aproximadamente qual é sua localização [1]. 

Em geral, a medição no mundo quântico é estranha e completamente diferente da forma como se pensava sobre ela nos termos da física clássica. Na “terra” antiga, poderíamos fotografar uma pedra caindo e a fotografia não afetaria de modo algum a pedra – ela continuaria a cair sem que nada acontecesse. Não é assim nessa nova terra! Ao fotografar um elétron, a fotografia afeta significantemente sua localização ou sua velocidade! Os físicos ainda não conseguem explicar esse efeito fascinante. A medição sempre altera a coisa medida? Se sim, o que era o elétron antes de ser medido? 

Talvez fosse algo completamente diferente e só o fato de medi-lo fez com que ele se “tornasse” um elétron. 

Os físicos gostam de fazer uma pergunta estranha no contexto da teoria quântica: se uma árvore cai na floresta e ninguém ouve, ela produz som? A resposta a essa pergunta pode parecer óbvia, mas quando você pensa sobre a terra quântica, ela não é tão óbvia assim: é outra versão da pergunta do gato: qual era o estado dele antes de abrirmos a caixa [3]? 

O que tudo isso significa?

Eu dei a você apenas uma pequena amostra do mundo dos fenômenos quânticos e deixo-o com uma pergunta: o que significa essa nova terra tão estranha? Segundo parece, não temos nenhum modo de saber o que está acontecendo em um sistema quântico enquanto não o observarmos. Só podemos calcular a probabilidade de que alguma coisa acontecerá (como a de que o gato estará vivo quando abrirmos a caixa ou a de que estará morto). Quando eu estudava física na universidade, há mais de trinta anos, um dos meus professores me disse algo como: a teoria quântica lembra um chefe de cozinha com um micro-ondas – ele sabe como usá-lo, mas não tem ideia de como funciona. 

Alguns físicos acreditam que todos os resultados possíveis de um experimento quântico ocorrem ao mesmo tempo, mas em universos separados e distintos. De acordo com esse conceito, estamos em um desses universos e só temos consciência dele, mas existem cópias nossas em todos os outros universos possíveis! Por exemplo, na experiência mental de Schrödinger, se eu descobrir que o gato está vivo, existe outro universo com o qual não tenho ligação e sobre o qual nada sei – onde descubro que o gato está morto. 

Outros afirmam que é o cérebro humano que cria toda a estranheza quântica. Os defensores dessa ideia pensam que as esquisitices quânticas não existiriam num mundo sem humanos. Lembre-se da pergunta que fiz anteriormente: se uma árvore cai na floresta e ninguém está por perto para ouvi-la cair, ela emite um som? Quem defende essa abordagem dirá “não”, pois acredita que os humanos são o centro do universo físico. Albert Einstein não gostava dessa ideia e certa vez perguntou a um amigo: “Você realmente acredita que a Lua não existe quando não está olhando para ela?”. 

Outros, entre eles eu, pensam que se o mundo quântico descreve uma realidade onde tudo está conectado – e não separado e dividido como geralmente a percebemos –, então os fenômenos quânticos parecem naturais e lógicos. De acordo com essa abordagem, existe um novo tipo de onda no espaço que conecta instantaneamente todas as suas partes e partículas. Por exemplo, ela conecta instantaneamente tanto duas partículas emaranhadas quanto outras “partículas” maiores como a Lua e a Terra. O gato no experimento de Schrödinger teria uma nova onda que existiria em dois estados de superposição, vivo e morto, mas o próprio gato estaria o tempo todo em apenas um estado, morto ou vivo, com 50% de chance para cada estado. O que definiria seu estado final dependeria de seu estado inicial, que não conhecemos exatamente. 

Qual abordagem você escolheria? 

Glossário

Efeito fotoelétrico: Quando um certo tipo de luz atinge átomos, o ar se torna carregado com eletricidade. Em 1905, Einstein explicou isso usando novos princípios que lançaram as bases da teoria quântica. 

Teoria quântica: Uma nova teoria da física que começou a se desenvolver no início do século XX e tenta explicar como partículas minúsculas fazem os átomos funcionar. 

Salto quântico: Os elétrons parecem “saltar” de uma órbita (ou nível de energia) em torno do núcleo para outra, sem existir nada no meio. 

Emaranhamento quântico: Conexões misteriosas entre duas partículas “gêmeas” microscópicas que podem estar longe uma da outra. Partículas emaranhadas se comportam como se tivessem uma conexão telepática mais rápida que a velocidade da luz. 

Superposição: Situação quântica na qual existem duas possibilidades contrárias ao mesmo tempo; mas, quando a observamos, vemos apenas uma dessas duas possibilidades. 

Princípio da incerteza de Heisenberg: Princípio quântico segundo o qual não podemos saber ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula minúscula – sabemos mais sobre uma propriedade e menos sobre a outra. 

Probabilidade: Um caminho para prever as chances de algo acontecer ou não. Por exemplo, quando observamos por uma hora um átomo radioativo, só podemos prever as chances de ele decair em uma hora. 

[1] Bohm, D. 1989. Quantum Theory. Mineola, NY: Dover Publications, Inc.

[2] Sakurai, J. J. 1985. Modern Quantum Mechanics, pp. 223–32. Boston, MA: Addison-Wesley Company, Inc. 

[3] Bell, J. S. 1986. “Six possible worlds of quantum mechanics”, em Proceedings of the Noble Symposium 65: Possible Worlds in Arts and Sciences. Estocolmo. 

Citação

Maliniak, Z. (2023). “The mysterious ‘land’ of quantum physics.”  Front. Young Minds. 11:1195350. DOI: 10.3389/frym.2023.1195350. 

Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br