O que acontece quando as coisas dão errado nos axônios
Autores
Bogdan Beirowski, Elisabetta Babetto, Fabrizio Passalacqua, Kyle Leatt, Nikita Chawla, Ruth-Ann Saddler
Jovens revisores
Brais, Dhanvi, Lexi, Nova 2, Shivasai, Sravya, Yajurvi
Resumo
Os axônios são extensões finas e longas das células neuronais que se desprendem do corpo da célula. Em nosso sistema nervoso, os axônios servem como pontes que atravessam longas distâncias para transportar informações de uma célula nervosa para outra. No entanto, os axônios estão vivos, e precisam de nutrientes e de energia para sobreviver. Se os nutrientes e a energia se esgotarem, os neurônios se degeneram, e isso resulta nos sintomas devastadores associados a muitas patologias chamadas de doenças neurodegenerativas. Os cientistas se esforçam para compreender por que e como os axônios se degeneram, a fim de evitar ou retardar esse processo. Estudos recentes têm identificado um processo de destruição que leva à perda de energia e à morte de axônios lesionados. O caminho de destruição se completa por uma espécie de “equipe de demolição” desonesta, dirigida pela molécula de vigilância SARM1. Essas descobertas podem levar a novas terapias que diminuam os sintomas de muitas pessoas afetadas por doenças neurodegenerativas.
Introdução
Está na hora de jantar e você ouve sua mãe chamar você para a cozinha. Você salta do sofá quando, de repente – AI! – seu pé pousa direto em um dos brinquedos de dinossauro cheios de espinhos de seu irmão mais novo! Você pode não perceber, mas nesse curto espaço de tempo inúmeras mensagens foram enviadas por todo o seu corpo, mandando-o mexer as pernas, afastar o pé e, infelizmente, sentir a dor (Figura 1).
O sistema nervoso, composto por cérebro, medula espinal e um feixe de nervos, é responsável por enviar essas mensagens. O sistema nervoso funciona o tempo todo sem que nós percebamos. Sempre que você pega uma bola, sente o pelo macio de um cachorro ou faz uma prova de matemática, seu sistema nervoso está funcionando! O cérebro nos permite aprender e pensar. A medula espinal e os nervos enviam mensagens do cérebro para o corpo e informações do mundo exterior para o cérebro.
Como nosso sistema nervoso faz todas essas coisas maravilhosas? Células especiais chamadas células nervosas ou neurônios transmitem informações ao resto do sistema nervoso por meio de sinais químicos e elétricos.
Os neurônios têm quatro partes principais: dendritos, corpo celular, axônio e axônio terminal (Figura 1). Os dendritos são pequenos ramos de neurônios que recebem mensagens de outros neurônios aos quais estão conectados. Os sinais então viajam pelo corpo celular do neurônio, que é o centro de controle das atividades da célula, e alcançam a parte maior do neurônio: o axônio. Os axônios se estendem muito além do corpo celular e retransmitem as mensagens para outros neurônios ou alvos, o que ocorre na extremidade do axônio, chamada axônio terminal. Assim como as pontes permitem que os carros cheguem ao outro lado, os axônios são “pontes” importantes do sistema nervoso (Figura 1). Eles permitem que os sinais elétricos e químicos percorram a distância de 1 m! Nenhum outro tipo de célula em seu corpo pode fazer isso!
Os axônios maiores são cobertos por uma bainha de mielina. Isso mantém o sinal elétrico forte e aumenta sua velocidade. As bainhas de mielina são como o isolamento dos cabos elétricos nas paredes de sua casa. Nos nervos, células especiais chamadas células de Schwann ajudam a formar as bainhas de mielina (Figura 1). No cérebro e na medula espinal, as bainhas de mielina são produzidas por células conhecidas como oligodendrócitos. Os axônios agrupados em feixes rodeados por mielina parecem brancos quando examinados ao microscópio. Por isso, damos o nome de “substância branca” a essas estruturas.
Quando os axônios ficam doentes
Às vezes, as coisas dão errado nos neurônios. Devido à sua estrutura alongada, fina e sensível, os axônios são os primeiros a se romper. E também são muito “famintos”: precisam de muita energia para manter o “tráfego” elétrico e químico fluindo sem problemas. Estudos mais recentes descobriram que parte da energia exigida pelos axônios vem das células de Schwann e dos oligodendrócitos circundantes.
Quando não há energia suficiente, o tráfego ao longo dos axônios pode ser afetado. Isso contribui para a morte dos axônios. Conforme explicado anteriormente, os axônios são importantes para a comunicação adequada entre os neurônios. Se muitos axônios diminuírem suas atividades, isso atrapalhará a comunicação entre os neurônios. Imagine se vários jogadores de basquete do mesmo time se machucassem ao mesmo tempo. Seria muito difícil para o resto do time jogar bem! Da mesma forma, a degeneração dos axônios pode perturbar o time de neurônios.
Na verdade, a degeneração dos axônios é um evento precoce e central em muitas doenças neurodegenerativas. Por exemplo, a degeneração de axônios que se conectam aos músculos é uma causa da esclerose lateral amiotrófica (ELA). Isso leva os músculos a se tornarem muito fracos, dificultando a movimentação e a respiração dos pacientes.
Outro exemplo é a doença de Alzheimer, na qual axônios importantes do cérebro e seus terminais degeneram, o que resulta em problemas de memória e raciocínio. No glaucoma, doença ocular, os axônios do nervo óptico atrás do globo ocular morrem. Isso pode levar à cegueira. A esclerose múltipla é outra doença que causa muitos sintomas devastadores. Não sabemos ao certo por que, mas o sistema imunológico do corpo ataca incorretamente os axônios mielinizados nessa condição. Atualmente, os neurocientistas estão estudando a degeneração dos axônios e tentando encontrar um caminho para reduzi-la. Desse modo, esperam ajudar as pessoas que convivem com doenças neurodegenerativas.
A equipe de demolição dos axônios
Voltemos à imagem do axônio como uma ponte comprida. Se um axônio sofrer danos graves, a “ponte” se tornará fraca e o “tráfego” elétrico e químico não poderá mais passar por ela com segurança. Uma equipe de demolição devastadora é então liberada para derrubar a ponte porque, na opinião do corpo, é melhor derrubar uma ponte muito danificada do que tentar mantê-la.
O processo pelo qual o corpo destrói a porção danificada de um axônio é chamado de degeneração walleriana (Figura 2). O cientista britânico Augustus Waller foi quem primeiro descreveu esse processo depois de observar ao microscópio nervos seccionados de um sapo [1]. Você bem pode imaginar como isso deve ter sido difícil com a tecnologia de 170 anos atrás! Mesmo assim, Augustus Waller descobriu que os axônios lesionados nos nervos seccionados do sapo se quebravam em pedaços em um rápido processo de degeneração. Outras células além dos neurônios ajudam a desmontar os axônios.
Em ratos de laboratório, dois ou três dias após o corte encerra-se o processo de destruição de milhares de axônios desconectados no nervo [2]. Esse processo é ainda mais rápido quando observamos apenas axônios isolados. Eles são destruídos em questão de horas [2]. É espantoso! Pense na degeneração walleriana como um projeto de demolição radical – em vez de deixar a ponte desmoronar e deteriorar-se ao longo do tempo, a equipe de demolição utiliza suas ferramentas para derrubá-la rapidamente. Depois, uma equipe de limpeza chega para remover o entulho. Isso ajuda na construção de novos axônios.
A degeneração walleriana é semelhante à degeneração dos axônios que ocorre nas doenças neurodegenerativas? Nas últimas três décadas, neurocientistas descobriram, graças ao uso do microscópio, que a degeneração dos axônios nos nervos de pessoas com essas doenças se parece, sim, com a degeneração walleriana. É por causa disso que eles chamam a morte dos axônios nas doenças neurodegenerativas de “degeneração do tipo walleriano”, embora o corte dos axônios não esteja envolvido. Além disso, descobriram que as mutações genéticas especiais que bloqueiam o projeto de demolição em camundongos suprimem grandemente tanto a degeneração walleriana quanto a degeneração do tipo walleriano [3].
Imagine axônios, separados de seus corpos celulares, que podem sobreviver durante semanas nos nervos cortados de camundongos mutantes. As mesmas mutações retardam a degeneração dos axônios doentes e reduzem os sintomas de enfermidades neurodegenerativas em alguns casos. É também interessante que as mesmas mutações causam os mesmos efeitos em outras espécies, como a mosca-da-fruta. Isso nos diz que a destruição dos axônios em várias espécies é controlada pelo mesmo “projeto de demolição”. Fato importante, esses resultados mostram que podemos usar o nervo cortado como um modelo útil para compreender a degeneração do tipo walleriano em doenças neurodegenerativas.
Como funciona a demolição do axônio?
Embora você prefira comer doces, seus pais recomendam que coma frutas e legumes, pois os nutrientes contidos nesses alimentos nos dão energia e nos ajudam a permanecer fortes. Para que os axônios permaneçam fortes e saudáveis, eles precisam de uma molécula de nutriente especial chamada NAD (acrônimo em inglês para Nicotinamide adenine dinucleotide, “dinucleotídeo de nicotinamida e adenina”).
A NAD desempenha uma função importante na capacidade dos axônios de produzir a energia de que necessitam para sobreviver. A energia é gerada por meio da glicólise e da respiração mitocondrial, que exigem a NAD para funcionar. A NAD é feita a partir da molécula NMN pela enzima NMNAT2. A NMNAT2 é distribuída a todo axônio saudável por um sistema de entrega chamado transporte axonal [4] (Figura 3A). Quando os níveis de NMNAT2 diminuem devido a uma lesão ou doença no axônio, este sofre com a queda resultante de NAD e energia (Figura 3B).
Mas o que acontece se esses problemas saírem de controle? Fortes mudanças de NMN e NAD desencadeiam a ativação da molécula SARM1 [5, 6]. A SARM1 pode ser vista como um “cão de guarda” e chefe da “equipe de demolição” da degeneração walleriana (Figura 3B). Ele monitora constantemente o que está acontecendo no axônio, farejando as quantidades de NAD e NMN. Quando é ativada, a SARM1 destrói todas as NAD restantes e acelera a perda de energia do axônio. Essa é a dica para a equipe de demolição começar a trabalhar. As calpaínas são as ferramentas principais da equipe de demolição na tarefa de despedaçar axônios doentes. Elas são enzimas que, como pequenas britadeiras, cortam em pedaços a estrutura do axônio (Figura 3).
Voltando às similaridades entre a degeneração do tipo walleriano e a degeneração walleriana: muitos neurocientistas agora pensam que a ativação da SARM1 e a equipe de demolição também ocorrem em axônios doentes, do mesmo modo que em axônios cortados. Eles acreditam que, em casos de doenças degenerativas, o bloqueio da SARM1 pode ser usado para recuperar axônios.
Conclusão
Os axônios podem facilmente se romper, como se fossem “pontes em ruínas”. A destruição dos axônios pela degeneração do tipo walleriano costuma levar a sérias dificuldades em muitas doenças neurodegenerativas. Graças ao nosso conhecimento sobre como a “equipe de demolição” e seu chefe podem ser controlados, começamos a acreditar que existem formas de recuperar axônios. Talvez, um dia, leitores como você usem seus próprios sistemas nervosos a fim de descobrir novos caminhos para salvar os axônios, o que ajudará pessoas com numerosas doenças degenerativas!
Glossário
Doenças neurodegenerativas: Grupo vasto de doenças causadas por um colapso progressivo do sistema nervoso.
Degeneração walleriana: Processo biológico pelo qual uma extremidade nervosa desconectada de seus axônios lesionados sofre degeneração.
Mutação: Mudança na estrutura de um gene que é transmitida às gerações subsequentes e pode levar à produção de uma proteína alterada.
NAD: Dinucleotídeo de nicotinamida e adenina: molécula encontrada em todas as células vivas e importante para fornecer energia a elas.
Respiração mitocondrial e glicólise: Caminhos metabólicos centrais que usam moléculas de açúcar (glucose e piruvato) para produzir energia.
Mitocôndrias: Estruturas especializadas, em nossas células, para a produção de energia. Como baterias, elas alimentam várias funções nas células.
NMN: Mononucleotídeo de nicotinamida: molécula usada para gerar a NAD.
Enzima: Classe de proteínas criada por todos os organismos que são responsáveis por acelerar as reações bioquímicas.
NMNAT2: Mononucleotídeo de nicotidamida adeniltransferase 2: enzima, nos axônios, que ajuda a produzir a NAD.
Referências
[1] Waller, A. 1850. “Experiments on the section of glossopharyngeal and hypoglossal nerves of the frog and observations of the alternatives produced thereby in the structure of their primitive fibres.” Philos. Trans. R. Soc. Lond. B. Biol. Sci. 140:423 –9.
[2] Beirowski, B., Adalbert, R., Wagner, D., Grumme, D. S., Addicks, K., Ribchester, R. R. et al. 2005. “The progressive nature of Wallerian degeneration in wildtype and slow Wallerian degeneration (WIds) nerves.” BMC Neurosci. 6:6. DOI: 10.1186/1471-2202-6-6.
[3] Coleman, M. P. e Hoke, A. 2020. “Programmed axon degeneration: from mouse to mechanism to medicine.” Nat. Rev. Neurosci. (2020) 21:183-96. DOI: 10.1038/s41583-020-0269-3.
[4] Sleigh, J. N. 2020. “Axonal transport: the delivery system keeping nerve cells alive.” Front. Young Minds (2020) 8:2. DOI: 10.3389/frym.2020.00012.
[5] Figley, M. D., Gu, W., Nanson, J. D., Shi, Y., Sasaki, Y., Cunnea, K. et al. 2021. “SARM1 is a metabolic sensor activated by an increased NMN/NAD (+) ratio to trigger axon degeneration.” Neuron. (2021) 109:1118–36.e11.DOI: 10.1016/j.neuron.2021.02.009.
[6] Jiang, Y., Liu, T., Lee, C. H., Chang, Q., Yang, J. e Zhang, Z. 2020. “The NAD+-mediated self-inhibition mechanism of pro-neurodegenerative Sarm1.” Nature (2020) 588:658–63. DOI: 10.1038/s41586-020-2862-z.
Citação
Passalacqua, F., Leatt, K., Chawla, N., Saddler, R. A., Babetto, E. e Beirowski, B. (2022). “When things go awry in axons.” Front. Young Minds. 10:682179. DOI: 10.3389/frym.2022.682179.
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