As ilhas de calor urbanas e o que elas podem nos ensinar sobre as mudanças climáticas
Autores
Alyssa T. Kullberg, Kenneth J. Feeley
Jovens revisores
Resumo
As áreas urbanas, em geral, ficam muito mais quentes do que as áreas rurais ou as naturais. As temperaturas mais altas observadas nas cidades são causadas pela presença de muitos prédios e ruas, que esquentam com o sol porque são feitos de materiais que não retêm muita água. Nas áreas urbanas quentes, chamadas ilhas de calor urbanas, as pessoas e os animais mantêm-se frescos suando, ofegando e permanecendo em locais sombreados. Até as árvores urbanas podem permanecer frescas transpirando, que é a mesma coisa que suar. Na verdade, as árvores transpiram tanto que resfriam o ar e reduzem o efeito do calor urbano, como se fossem um aparelho de ar-condicionado natural. O efeito do calor urbano é normalmente visto como um problema e por isso os cientistas estudam as plantas e os animais que vivem em ilhas de calor urbanas para compreender o efeito que o aumento das temperaturas, causado pelas alterações climáticas, terá sobre as espécies em seus habitats naturais.
Você já percebeu que as calçadas e ruas esquentam muito em um dia de verão ensolarado? Às vezes, o pavimento fica tão quente que você poderá queimar seus pés se tentar andar descalço! Pavimentos de asfalto e concreto são superfícies impermeáveis, isto é, não conseguem reter muita água. Sem água para ajudar a refrescá-lo, o pavimento tende a absorver uma grande quantidade de radiação solar (luz solar) e fica muito mais quente que a grama ou outras plantas. Então, quanto menos plantas – e mais calçadas – um lugar tiver, mais quente ficará!
Superfícies artificiais nas cidades criam ilhas de calor
As cidades são cheias de ruas, edifícios e estacionamentos impermeáveis. Todas essas superfícies artificiais absorvem e retêm muito calor, criando ilhas de calor urbanas (Figura 1). As ilhas de calor urbanas são áreas desenvolvidas (cidades ou vilas) significativamente mais quentes do que as áreas rurais circundantes (fazendas e campos), devido à substituição de áreas naturais cobertas de plantas, como florestas e zonas úmidas, por superfícies impermeáveis, como calçadas e edifícios. Por exemplo, no verão, a cidade de Washington, nos Estados Unidos, costuma ficar até 7°C mais quente do que as áreas florestais próximas! A diferença pode não parecer muito grande, mas todo esse calor extra tem um considerável impacto na saúde e no comportamento das pessoas, plantas e animais que vivem nas cidades.
Como manter o corpo fresco nas ilhas de calor urbanas
Para evitar o superaquecimento, os seres vivos precisam de termorregulação, isto é, devem usar recursos e comportamentos especializados para controlar a temperatura corporal. Por exemplo, uma das principais maneiras pelas quais os humanos usam a termorregulação quando ficam com muito calor é o suor. Quando seca e evapora, o suor esfria a pele, retirando o calor do corpo e liberando-o no ar. Quando ficamos expostos a temperaturas muito altas por muito tempo, ou quando não temos água suficiente para beber, não conseguimos suar o suficiente para nos mantermos frescos, e poderemos desenvolver problemas de saúde causados pelo estresse térmico e pela desidratação.
Além das pessoas, muitas espécies vivem nas cidades, e também podem superaquecer quando as temperaturas ficam muito altas. Os cães não suam, então recorrem à termorregulação ofegando e evaporando água pela língua. Os pássaros também ofegam para se refrescar. Os lagartos não suam nem ofegam, e se refrescam ficando na sombra.
Até as plantas podem recorrer à termorregulação para manter suas folhas frescas, mediante um processo chamado transpiração. Quando as plantas transpiram, parte da água que está dentro das folhas se evapora no ar através dos estômatos, que são pequenos orifícios na superfície das folhas. A transpiração é basicamente a forma como as plantas suam e, assim como o suor nos mantém frescos, a transpiração ajuda as plantas a manterem suas folhas frescas.
Um fato surpreendente sobre as plantas é que, ao transpirarem, elas resfriam a si mesmas e ao ar que está ao redor. Isso significa que, ao criarem sombra e transpirarem, as plantas ajudam a manter as cidades frescas. Devido a seus superpoderes de refrigeração, as plantas são muito importantes para enfraquecer o efeito das ilhas de calor urbanas. Assim, muitas áreas urbanas iniciaram programas para plantar mais árvores e criar mais espaços verdes, tais como parques, jardins comunitários e telhados verdes (telhados com vegetação plantada neles). Você pode ajudar a reduzir o calor urbano plantando uma árvore em seu quintal ou cultivando um jardim em sua escola!
As plantas são só uma parte da solução. Há muitas maneiras de reduzir o aquecimento urbano e manter nossas cidades saudáveis. Por exemplo, algumas cidades começaram a utilizar tipos de asfalto, concreto, pedras de pavimentação e outros materiais de construção que conseguem absorver e reter mais água do que suas versões impermeáveis. Esses materiais “úmidos” não esquentam tanto e ajudam a manter as temperaturas mais baixas nas áreas urbanas. Outras cidades começaram a instalar pavimentos e telhados de cores mais claras ou reflexivas, que não absorvem a luz solar e por isso permanecem mais frescos.
O que as ilhas de calor urbanas nos dizem sobre as mudanças climáticas?
Mudança climática é o termo que usamos para designar mudanças nos padrões do clima a longo prazo. As alterações climáticas atuais são causadas pela poluição atmosférica resultante da queima de combustíveis fósseis, que libera gases do efeito estufa como o dióxido de carbono. Os gases do efeito estufa retêm a radiação solar, tornando o mundo mais quente. Para compreender o que as alterações climáticas significarão para a natureza, os cientistas estudam como várias espécies respondem às altas temperaturas. Por exemplo, eles querem saber se as espécies vegetais e animais conseguem se adaptar ao calor a longo prazo ou se aclimatar a curto prazo. Um modo de estudar esses problemas é recorrer às ilhas de calor urbanas, locais muito quentes onde já temos diversas criaturas vivendo.
Estudando as criaturas que vivem nas ilhas de calor urbanas, os cientistas já fizeram algumas descobertas importantes. Por exemplo, descobriram que algumas aranhas das áreas urbanas quentes crescem mais lentamente e morrem mais rápido do que as de áreas mais frescas [1]. Talvez você ache que isso é uma coisa boa – mas lembre-se de que menos aranhas significa mais moscas e mosquitos! Outra equipe de cientistas, trabalhando em cidades, descobriu que as árvores que estão em áreas urbanas mais quentes não são capazes de fazer tão bem a fotossíntese e crescem mais lentamente do que aquelas nas partes mais frescas da cidade [2-4]. Ou seja, as árvores ajudam a manter as cidades mais frescas… Mas elas próprias podem estar começando a ficar mais quentes!
À medida que o mundo se aquece, as árvores começam a experimentar o processo de superaquecimento mesmo fora das cidades. As árvores são extremamente importantes e fazem muitas coisas maravilhosas, que os cientistas chamam de serviços de ecossistema. Por exemplo, mantêm-nos frescos, ajudam a filtrar a água, eliminam a poluição do ar, dão-nos madeira para construir nossas casas e alimento para nossa sobrevivência. Caso tornemos o mundo muito quente a ponto de as árvores se superaquecerem, essa será uma má notícia para todos!
Resumo
As cidades tendem a ser mais quentes do que as áreas naturais ou rurais porque seus muitos edifícios e ruas retêm o calor do sol. Plantas e animais se valem de toda uma variedade de recursos de termorregulação para não ficarem quentes demais. Por exemplo, as plantas transpiram água de suas folhas para o ar e essa transpiração ajuda a refrescar tanto suas folhas quanto as áreas em torno delas! Como as plantas funcionam como um ar-condicionado natural, parques e outros espaços verdes são muito importantes para reduzir o efeito das ilhas de calor.
Os cientistas estudam as plantas e os animais que vivem em cidades quentes para aprender como essas espécies serão afetadas pelo aumento das temperaturas. Assim, a pesquisa em ilhas de calor urbanas pode nos ajudar a descobrir o que as temperaturas mais altas causadas pelas alterações climáticas significarão para várias plantas e animais – nós inclusive!
Glossário
Ilhas de calor urbanas: Áreas desenvolvidas e muito mais quentes que as áreas rurais circundantes devido à substituição de espaços naturais com vegetação por superfícies impermeáveis, como pavimentos e edifícios, que absorvem a radiação solar.
Termorregulação: Manutenção ou regulação da temperatura interna (planta ou animal), mesmo quando as temperaturas circundantes sejam mais quentes ou mais frias.
Transpiração: Evaporação da água do interior das folhas para o ar a fim de regular a temperatura da planta e fornecer água para a fotossíntese.
Estômatos: Pequenos orifícios na superfície das folhas pelos quais a água transpira e o dióxido de carbono penetra na folha para que ocorra a fotossíntese.
Adaptar: Fazer ajustes de longo prazo nas características, geração após geração, para que uma espécie possa sobreviver e ter melhor desempenho em seu habitat.
Aclimatar: Fazer ajustes de curto prazo para que um organismo simples possa melhor sobreviver e atuar em seu habitat.
Fotossíntese: Fenômeno graças ao qual a luz do sol, a água e o dióxido de carbono são capturados para produzir açúcar, que as plantas usam a fim de obter energia.
Serviços de ecossistema: Os muitos benefícios que os humanos recebem do ambiente natural. Por exemplo, locais naturais fornecem madeira, combustível, regulação do clima, alimentos e espaços para exploração e diversão.
Referências
[1] Johnson, J. C., Urcuyo, J., Moen, C. e Stevens, D. R. II. 2019. “Urban heat island conditions experienced by the Western black widow spider (Latrodectus hesperus): extreme heat slows development but results in behavioral accommodations.” PLoS ONE. 14:e0220153. DOI: 10.1371/journal.pone.0220153.
[2] Meineke, E., Youngsteadt, E., Dunn, R. R. e Frank, S. D. 2016. “Urban warming reduces aboveground carbon storage.” Proc. R. Soc. B Biol. Sci. 283:20161574. DOI: 10.1098/rspb.2016.1574.
[3] Moser, A., Uhl, E., Rötzer, T., Biber, P., Dahlhausen, J., Lefer, B. et al. 2017. “Effects of climate and the urban heat island effect on urban tree growth in Houston.” Open J. For. 7:428–45. DOI: 10.4236/ojf.2017.74026.
[4] Zipper, S.C., Schatz, J., Kucharik, C. J. e Loheide, S. P. II. 2017. “Urban heat island-induced increases in evapotranspirative demand.” Geophys. Res. Lett. 44:873–81. DOI: 10.1002/2016GL072190.
Citação
Kullberg, A. T. e Feeley, K. J. (2023). “Urban heat islands and what they can teach us about climate change.” Front. Young Minds. 11:943515. DOI:10.3389/frym.2023.943515.
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