A ciência das emoções no cérebro, e as formas pelas quais podemos controlá-las
Autores
Jennifer A. Silvers, Natalie M. Saragosa-Harris
Jovens revisores
Resumo
Na vida cotidiana, enfrentamos situações que podem gerar em nós raiva, tristeza, frustração ou medo. É normal sentir-se mal de vez em quando, e em geral esses sentimentos desaparecem com o tempo. Também podemos usar várias estratégias para nos sentirmos melhor em situações perturbadoras. Neste artigo, resumimos algumas das estratégias que as pessoas costumam usar quando enfrentam situações difíceis e o modo como os sistemas cerebrais trabalham juntos para nos permitir usar essas estratégias na infância, na adolescência e na idade adulta.
O que é a regulação das emoções?
Imagine que você esteja na festa de aniversário de uma amiga. Ela abriu os presentes e cortou o bolo, e agora todos estão sentados para assistir a um filme. O filme começa e o seu estômago revira quando você percebe que ela escolheu um filme realmente assustador. Alguns de seus amigos adoram filmes de terror, mas você não – eles lhe dão pesadelos por uma semana! As luzes se apagam e uma música sinistra se faz ouvir quando o filme começa. O que você faz?
Em nosso laboratório de pesquisa, estudamos o que acontece no cérebro das crianças, adolescentes e adultos quando sentem raiva, tristeza ou medo. Mais especificamente, estudamos aquilo que os cientistas chamam de regulação emocional, que é a forma como as pessoas lidam com sentimentos perturbadores. Por exemplo, ao ver um filme de terror, você pode querer sentir menos medo – ou apenas parecer menos medroso para seus amigos! Existem muitas estratégias que alguém pode usar para se sentir menos assustado – imagine que são, por exemplo, instrumentos de regulação emocional que estão guardados em sua caixa de ferramentas. Regiões específicas do cérebro trabalham juntas para ajudá-lo a regular suas emoções e, por fim, a se sentir melhor.
Estratégias de regulação emocional
Os cientistas das emoções muitas vezes se concentram em quatro estratégias de regulação emocional que as pessoas podem usar para se sentir melhor (Figura 1): (1) evitar ou abandonar uma situação que faça você se sentir mal; (2) distrair-se para prestar menos atenção ao que está fazendo você se sentir mal; (3) pensar na situação de forma diferente para se sentir melhor; e (4) mudar a forma como demonstra seus sentimentos ruins para os outros sem mudar a forma como se sente [1]. Como cada uma dessas estratégias funcionaria no exemplo do filme de terror?
Usando a primeira estratégia, você pode mudar sua situação deixando de assistir ao filme de terror para ver se há amigos jogando ou se divertindo de outra maneira em outra sala. Às vezes, apenas saber que tem controle sobre uma situação (nesse caso, saber que pode sair da sala e fazer outra coisa) é suficiente para que você se sinta melhor [2]! Com a segunda estratégia, pode ficar e assistir ao filme, mas desviando a atenção, fechando os olhos durante as partes assustadoras ou focando em detalhes do filme que não o deixem amedrontado – por exemplo, os figurinos. Você ficará surpreso ao perceber que sente muito menos medo quando desvia a atenção das partes assustadoras!
Se escolher a terceira estratégia, poderá mudar o que pensa sobre o filme: por exemplo, lembrar que aquelas pessoas são atores num cenário. Poderá até imaginar como seria fazer um filme assim ou visualizar os atores interagindo entre as tomadas. Usando a quarta estratégia, você assiste ao filme normalmente, mas optando por rir quando sentir medo, para não mostrar a todos que está apavorado.
Essas são as estratégias que deverá usar para enfrentar uma situação difícil. Às vezes, pais e amigos podem ajudá-lo a usar uma delas, distraindo-o com uma brincadeira ou conversando com você sobre seus problemas [3]. Em outros casos, a simples presença de uma pessoa que o apoia pode resolver tudo [3]. Ambos os tipos de apoio – a mera presença de outra pessoa e tipos específicos de ajuda – costumam nos fazer sentir melhor em situações difíceis [3].
Como o cérebro nos ajuda a controlar emoções negativas
Em nosso laboratório de pesquisa, estudamos o que acontece em nossos cérebros quando controlamos as emoções. Na maioria desses estudos, focamos na terceira estratégia da seção anterior. Perguntamos então como o cérebro se comporta quando a pessoa muda seu modo de encarar uma situação para se sentir melhor.
Primeiro, vamos explicar como respondemos a essa pergunta. Usamos uma tecnologia chamada imagem de ressonância magnética funcional (IRMF) para tirar fotos do cérebro das pessoas enquanto elas estão em uma máquina em forma de biscoito chamada scanner de ressonância magnética. Uma pessoa pode permanecer com segurança dentro do scanner enquanto os cientistas medem a atividade de seu cérebro em tempo real.
Em um estudo típico em nosso laboratório, voluntários de todas as idades são convidados a ter seus cérebros fotografados no scanner enquanto observam fotos em uma tela. Algumas das imagens fazem com que os voluntários se sintam tristes ou assustados. Por exemplo, uma imagem que mostre duas pessoas discutindo às vezes deixa os voluntários tristes porque lhes lembra uma ocasião em que brigaram com um amigo. Os cientistas, então, pedem aos voluntários que mudem a forma de pensar sobre a foto. Por exemplo, que finjam ser os diretores de um filme do qual aquela imagem não passa de uma cena.
Quando os voluntários pensam na foto dessa forma, podem imaginar-se atrás de uma câmera, filmando uma cena em que dois atores simulam estar discutindo. Com essa nova maneira de pensar sobre a foto, os voluntários refletem sobre a melhor forma de filmar a cena: observando, por exemplo, se a iluminação dos atores é boa. Isso pode levar os voluntários a se sentir melhor, pois não estão concentrados na tristeza que a foto os faz sentir, mas veem a cena a partir da perspectiva de um diretor de cinema (Figura 2). Enquanto os voluntários mudam sua forma de encarar as imagens, o scanner de ressonância magnética fotografa seus cérebros.
Quando mostramos a um voluntário no scanner de ressonância magnética uma situação emocional, como a imagem de amigos discutindo ou o clipe de um filme de terror, geralmente vemos um aumento de atividade cerebral na amígdala. A amígdala consiste de duas pequenas regiões em formato de amêndoa no interior do cérebro. Quando encaramos pela primeira vez uma situação emocional como um filme de terror, a amígdala envia mensagens para o resto do corpo [1]. É como se fosse um sistema de alarme para nos proteger do mal, informando-nos de que talvez estejamos em perigo. Portanto, a amígdala desempenha uma função essencial para nossa sobrevivência! No exemplo do filme de terror, porém, podemos querer mudar a forma de pensar sobre a situação só para nos sentirmos menos assustados. O que o cérebro faz quando pensamos de forma diferente sobre uma situação negativa?
Tentar mudar a forma de pensar sobre uma situação requer a ativação de uma área do cérebro chamada córtex pré-frontal. O córtex pré-frontal é importante para muitas tarefas que exijam muito esforço mental, incluindo linguagem, planejamento e controle de impulsos ou emoções. Quando mudamos o modo de pensar sobre uma situação negativa, várias regiões dentro do córtex pré-frontal trabalham juntas para diminuir a atividade na amígdala [1]. Esse processo é um pouco parecido com o ato de diminuir o volume de uma música alta; a atividade no córtex pré-frontal “diminui” a atividade na amígdala (Figura 3).
Em nosso exemplo, quando um voluntário vê primeiro a foto de amigos brigando, quase sempre constatamos um aumento na atividade de sua amígdala. A atividade aumentada mostra que, quando o cérebro reage inicialmente à imagem negativa, as células cerebrais dentro da amígdala respondem a essa imagem enviando mensagens a outras partes do cérebro. Contudo, assim que o voluntário começa a pensar na imagem a partir da perspectiva de um diretor de cinema, percebemos um aumento de atividade em seu córtex pré-frontal, seguido por uma diminuição na atividade da amígdala. Isso sugere que o córtex pré-frontal diminui a resposta da amígdala à medida que o voluntário passa a considerar a imagem negativa de outra forma.
O cérebro em desenvolvimento
Enquanto passamos de crianças a adultos, o sistema de regulação emocional que envolve o córtex pré-frontal e a amígdala continua a amadurecer. Várias partes do cérebro se desenvolvem em ritmos diferentes e o córtex pré-frontal é uma das últimas regiões cerebrais a terminar de “crescer” – ele continua amadurecendo até os 24 anos de idade [5]! Como resultado, algumas das habilidades que precisamos para regular com sucesso nossas emoções não estão totalmente maduras na infância e na adolescência [3].
Ainda assim, crianças e adolescentes podem utilizar as estratégias de regulação emocional que descrevemos – precisam apenas praticar um pouco mais suas habilidades, especialmente enquanto o córtex pré-frontal amadurece [3]. O cérebro humano tem a notável capacidade de aprender com a experiência, sobretudo durante a infância e a adolescência. Portanto, praticar várias habilidades de regulação emocional ajudará seu cérebro a aprender como usá-las de maneira eficaz, tornando-o mais proficiente na regulação das emoções [6]. Por essa razão, é importante encontrar as estratégias que funcionem melhor para você e praticá-las com frequência. Graças à prática, seu cérebro se familiarizará com essas estratégias e você se sentirá melhor quando achar necessário.
Glossário
Regulação das emoções: Processo de controle de emoções e sentimentos indesejáveis. São muitas as estratégias que as pessoas podem usar para regular suas emoções.
Imagem de ressonância magnética funcional (IRMF): Técnica usada pelos cientistas na qual um grande ímã é usado para tirar fotos do cérebro.
Scanner de ressonância magnética: Máquina em forma de biscoito em que uma pessoa pode se deitar com segurança enquanto os cientistas medem a atividade de seu cérebro em tempo real.
Amígdala: Região profunda dentro do cérebro que ajuda a detectar ameaças no ambiente e participa da resposta em situações emocionais.
Córtex pré-frontal: Área do cérebro importante para diversas tarefas que exijam uma grande quantidade de esforço mental, incluindo linguagem, planejamento e controle de nossos impulsos e emoções.
Referências
[1] ↑ Ochsner, K. N. e Gross, J. J. 2005. “The cognitive control of emotion.” Trends Cogn. Sci. 9:242–9. DOI: 10.1016/j.tics.2005.03.010.
[2] Hartley, C. A., Gorun, A., Reddan, M. C., Ramirez, F. e Phelps, E. A. 2014. “Stressor controllability modulates fear extinction in humans.” Neurobiol. Learn. Mem. 11:149–56. DOI: 10.1016/j.nlm.2013.12.003.
[3] Méndez Leal, A. S. e Silvers, J. A. 2022. “Neuroscientific approaches to the study of self and social emotion regulation during development”, em Oxford Handbook of Emotional Development, orgs. D. Dukes, A. Samson e E. Walle. Oxford: Oxford University Press.
[4] Hoyos, P., Kim, N. e Kastner, S. 2019. “How is magnetic resonance imaging used to learn about the brain?” Front. Young Minds. 7:86. DOI: 10.3389/frym.2019.00086.
[5] Tamnes, C. K., Herting, M. M., Goddings, A. L., Meuwese, R., Blakemore, S. J., Dahl, R. E. et al. 2017. “Development of the cerebral cortex across adolescence: a multisample study of inter-related longitudinal changes in cortical volume, surface area, and thickness.” J. Neurosci. 37:3402–12. DOI: 10.1523/JNEUROSCI.3302-16.2017.
[6] Denny, B. T. 2020. “Getting better over time: a framework for examining the impact of emotion regulation training.” Emotion. 20:110–4. DOI: 10.1037/emo0000641.
Citação
Saragosa-Harris, N. M. e Silvers, J. A. (2022). “The brain science of emotions and how to control them.” Front. Young Minds. 10:710002. DOI: 10.3389/frym.2022.710002.
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