As máquinas que “leem” pensamentos
Autores
Grace M. Jeanpierre, Hung-Yun Lu, Jaz Mitchell, Samantha R. Santacruz
Jovens revisores
Escola Verdi de Ensino Fundamental, Turma da Sra. Meier, Escola Verdi de Ensino Fundamental, turma da Sra. Nall

Resumo
Como conhecemos o funcionamento do cérebro? Os médicos não podem abrir um crânio como se fosse um pote de doce e depois fechar a tampa… ou podem? Na verdade, a colocação de fios elétricos no cérebro humano tem sido realizada com segurança há muitos anos. Esses dispositivos, denominados interfaces cérebro-máquina, podem ajudar médicos e cientistas a registrar sinais elétricos do cérebro, para lhes dizer como o cérebro interage com o mundo. Os pesquisadores estão usando essa técnica para melhorar a qualidade de vida de pacientes paralisados e para construir protótipos de jogos controlados pelo cérebro. Embora poderosas, as interfaces cérebro-máquina ainda enfrentam muitos desafios. Isso soa como um campo que você gostaria de acompanhar? Continue lendo para saber mais!
Uma máquina pode “ler” sua mente?
Os neurônios são células especiais do corpo, que transportam mensagens entre o corpo e o cérebro. Por exemplo, quando você move a perna, os neurônios levam a mensagem do cérebro para a perna. Sem neurônios, você seria incapaz de saborear, tocar, ouvir, cheirar, pensar ou mover seus membros. Os neurônios só se comunicam quando estão conectados. No entanto, os neurônios podem ficar desconectados devido a lesões ou doenças. Imagine se você acordasse um dia e não conseguisse mexer as pernas ou os braços! Mesmo que você ainda pudesse pensar em movê-los, movê-los não seria uma opção se seus neurônios não estivessem se comunicando. Você nem conseguiria usar uma cadeira de rodas se seus braços não estivessem funcionando. Mas e se houvesse uma maneira de usar os pensamentos para controlar uma cadeira de rodas? Boa notícia!
Uma interface cérebro-máquina (ICM) – um dispositivo, como uma touca de EEG, que conecta o cérebro e o computador, é um dispositivo que pode “ler” a atividade elétrica no cérebro. Uma IMC pode detectar sinais no cérebro e, por se conectar a um computador e outro dispositivo como uma cadeira de rodas elétrica, pode realizar as ações que o usuário desejar. Com a ajuda da IMC, pessoas com paralisia ou amputações podem realizar tarefas diárias e recuperar um pouco da sua independência.
Como funciona uma ICM?
Como a IMC sabe em que direção você deseja mover sua cadeira de rodas elétrica? Seu cérebro está pensando “seguir em frente”, mas como a ICM lê sua mente?
Os neurônios do seu cérebro conversam entre si quando você pensa em mover a cadeira de rodas para frente, então o primeiro passo é registrar esses sinais cerebrais. Podemos registrar sinais cerebrais usando eletrodos, que são minúsculos pedaços de metal que podem conduzir eletricidade – neste caso, a atividade elétrica dos neurônios do cérebro. Os eletrodos, então, coletam os sinais elétricos.
Por exemplo, a pessoa na Figura 1 está usando um tipo especial de touca com eletrodos conectados, conhecido como eletroencefalografia (EEG), um método usado para medir a atividade cerebral. Outro tipo de eletrodo, denominado eletrocorticografia (ECoG), é uma forma de medir a atividade cerebral por meio de eletrodos colocados diretamente na superfície do cérebro, em estruturas chamadas grades. Um cirurgião precisa remover o crânio para colocar a grade ECoG, mas ela não penetra no cérebro, ficando somente na superfície. Em contraste, eletrodos intracorticais (ou seja, dentro do cérebro), que parecem agulhas muito pequenas, são colocados profundamente no tecido cerebral, também por meio de cirurgia. Eles podem registrar atividades neurais muito detalhadas. A Figura 2 mostra esses três tipos de eletrodos [1].

Os sinais elétricos dos neurônios do cérebro são registrados usando eletrodos (aqui, uma touca de EEG) enquanto o usuário pensa em mover a cadeira de rodas em uma direção específica. O computador traduz os sinais em comandos que a cadeira de rodas executa.

A ICM traduz os sinais registrados de EEG, ECoG ou eletrodos intracorticais (Crédito da imagem: NeuroNexus), que podem ser usados tanto para aplicações de assistência (para ajudar as pessoas a manter uma qualidade de vida básica) quanto para aplicações recreativas (para diversão).
Depois de registrar os sinais cerebrais com os eletrodos, a ICM traduz esses sinais em instruções para a cadeira de rodas. O computador aprende a forma dos sinais cerebrais relacionados a várias instruções, como se estivesse aprendendo um novo idioma. Porém, aprender esse novo idioma leva tempo, por isso o computador deve estudar os sinais cerebrais a fim de traduzir corretamente. Depois de aprender como traduzir o sinal, a ICM pode decidir em que direção o usuário deseja se mover. As cadeiras de rodas elétricas não são os únicos dispositivos que podem ser controlados com uma ICM. As ICMs podem controlar o cursor do mouse na tela do computador e podem fechar a mão de um braço robótico.
Como testamos se a ICM é segura e eficaz?
Médicos e cientistas são cuidadosos ao aprovar medicamentos e dispositivos médicos para uso humano – é assim que os pacientes podem ter certeza de que os comprimidos que tomam são seguros e eficazes. O mesmo acontece com as ICMs, principalmente aqueles que requerem cirurgias para implante de eletrodos. Os cientistas realizam muitos testes antes de usar a ICM em pacientes, de modo que a segurança é a principal prioridade. Antes de usar a ICM em humanos, os cientistas o utilizam em animais como camundongos, ratos ou macacos. Se a ICM passar nesses testes, então o próximo teste importante é realizado, chamado ensaio clínico.
Depois que os pesquisadores se certificam de que o dispositivo ou medicamento é seguro, eles usam voluntários humanos para testar se é seguro e eficaz. As ICMs são consideradas seguras para uso humano se os dispositivos funcionam conforme projetado. Por exemplo, os cientistas testam se a ICM pode registrar com precisão os sinais cerebrais do usuário. Os cientistas também utilizam ensaios clínicos para descobrir possíveis efeitos secundários – por exemplo, para garantir que os componentes eletrônicos não provocam quaisquer faíscas elétricas no cérebro. Os pacientes também devem ser monitorados para garantir que não surjam infecções após a cirurgia. Se os cientistas detectarem problemas durante o ensaio clínico, eles os corrigirão para garantir que a ICM seja segura e operacional.
No entanto, os ensaios clínicos não são perfeitos – pode haver efeitos a longo prazo que levarão anos para serem detectados. Além disso, os componentes eletrônicos que compõem a ICM podem se desgastar lentamente com o tempo e, às vezes, pode levar anos até que os médicos percebam as mudanças. Você pode ter certeza de que qualquer ICM disponível para compra ou uso passou por um número significativo de testes de segurança completos. Devemos também lembrar que o uso da ICM é uma escolha – os usuários têm a palavra final sobre se desejam usar o dispositivo. Também é importante observar que o usuário pode controlar a ICM – mas a ICM não o controla! Ela não pode roubar os pensamentos de uma pessoa, torná-la mais inteligente ou obrigá-la a fazer algo que não deseja. As ICMs só fazem o que as pessoas lhes dizem para fazer.
Posso dirigir um carro usando uma ICM?
Os cientistas criam ICMs para melhorar a vida das pessoas. As ICMs têm aplicações que vão desde cuidados de saúde até entretenimento. Eles podem controlar cadeiras de rodas, agarrar objetos e até se comunicar com outras pessoas [2]. Os pesquisadores estão trabalhando na combinação de jogos de computador com ICMs, para que as pessoas possam controlar as ações dos jogos apenas com o cérebro. Alguns pesquisadores criaram um jogo virtual de movimento da bola que não requer interação física com o computador – o movimento da bola é controlado apenas pela ICM [3]. Isso significa que podemos ter um controlador cerebral em vez de um joystick ou teclado. Os pesquisadores também estão ansiosos por um futuro em que nossas mãos ou pés não serão necessários para dirigir. A Nissan está trabalhando em um sistema de direção que usa ICM para dirigir um carro. É necessário muito mais trabalho porque dirigir é muito complicado e os cientistas querem garantir que as ICM possam dirigir com a maior segurança possível.
Quais são alguns desafios neste campo?
Esse é um campo novo, e ainda existem muitos desafios. Primeiro, com o tempo, o sinal cerebral será perdido lentamente, porque o tecido cicatricial envolverá o eletrodo. Além disso, algumas ICM funcionam com baterias e, quando as baterias acabam, os médicos devem substituí-las. Isto é inconveniente para os pacientes – imagine se você tivesse que passar por cirurgias a cada vários anos! Os pacientes também podem contrair infecções durante as cirurgias. Para resolver esse problema, os cientistas estão construindo ICMs com capacidade de carregamento sem fio [4]. Alguns celulares também possuem esse novo recurso! Outro grande desafio é que nossos humores mudam a cada dia, e às vezes até mesmo a cada momento. Isso dificulta para que a ICM aprenda o que pensamos em todos os tipos de circunstâncias.
Outro desafio é minimizar a atenção que o usuário precisa dedicar ao uso da ICM. Por exemplo, você pode estar lendo este artigo e bebendo uma xícara de chocolate quente ao mesmo tempo. Você segura o copo com facilidade e quase não pensa nisso. Porém, isso é um desafio para uma pessoa com braço robótico, que precisa se concentrar bastante para pegar o copo sem derramar a bebida. Felizmente, quando os usuários se familiarizam mais com seu ICM, eles prestam menos atenção.
E se eu quiser trabalhar nessa área?
Se você quiser se aprofundar no mundo das ICM, pode começar agora mesmo! Existem muitos recursos gratuitos dedicados a ensinar as crianças sobre o cérebro. A leitura de revistas científicas, como Frontiers for Young Minds, ajudará a mantê-lo atualizado com as novas descobertas científicas na área. O site BrainFacts.org, dedicado ao avanço da pesquisa sobre o cérebro, é outro grande recurso. Este site tem vários artigos fascinantes sobre o cérebro, separados por série para maximizar sua compreensão. Aprender sobre programação e processamento de sinais, também ajudará você a entender a ICM e o que significam os sinais cerebrais. Quando você chegar ao ensino médio, faça aulas de biologia, anatomia, fisiologia e ciência da computação. Essas aulas apresentarão tópicos que ajudarão a prepará-lo para a área das ICM.
Em resumo, as ICMs são uma tecnologia nova e muito poderosa. Eles podem melhorar a qualidade de vida das pessoas. Embora existam muitos desafios neste campo, os pesquisadores fazem o possível para garantir que as ICMs sejam seguras para uso humano. Este campo está crescendo! Se tiver interesse, você pode usar as sugestões acima para ingressar na área de ICM!
Glossário
Neurônios: Células especiais do corpo que transportam mensagens entre o corpo e o cérebro.
Interface cérebro-máquina: Um dispositivo, como uma touca de EEG, que conecta o cérebro e o computador.
Eletrodo: Um pequeno pedaço de metal que pode conduzir eletricidade – neste caso, a atividade elétrica dos neurônios no cérebro.
Eletroencefalografia (EEG): Método para medir a atividade cerebral usando eletrodos em uma touca colocada na cabeça.
Eletrocorticografia (ECoG): Uma forma de medir a atividade cerebral por meio de eletrodos colocados na superfície do cérebro, em estruturas chamadas grades de ECoG.
Intracortical: Dentro do cérebro.
Ensaio clínico: Depois que os pesquisadores se certificam de que o dispositivo ou medicamento é seguro, eles usam voluntários humanos para testar se é seguro e eficaz.
Referências
[1] Daly, J. J., e Wolpaw, J. R. 2008. Brain–computer interfaces in neurological rehabilitation. Lancet Neurol. 7:1032–43. doi: 10.1016/S1474-4422(08)70223-0
[2] Abdulkader, S. N., Atia, A., e Mostafa, M. S. M. 2015. Brain computer interfacing: applications and challenges. Egypt. Inform. J. 16:213–30. doi: 10.1016/j.eij.2015.06.002
[3] Miah, M. O., Hassan, A. M., Mamun, K. A. A., e Dr. Farid, D. 2020. “Brain–machine interface for developing virtual-ball movement controlling game,” in Proceedings of International Joint Conference on Computational Intelligence. (Singapore). p. 607–16.
[4] Won, S. M., Cai, L., Gutruf, P., e Rogers, J. A. 2021. Wireless and battery-free technologies for neuroengineering. Nat. Biomed. Eng. doi: 10.1038/s41551-021-00683-3
Citação
Lu HY, Jeanpierre GM, Mitchell J and Santacruz SR (2022) “Mind-Reading” Machines. Front. Young Minds. 10:771696. doi: 10.3389/frym.2022.771696
Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Creative Commons Attribution License (CC BY). O uso, distribuição ou reprodução em outros fóruns é permitido, desde que o(s) autor(es) original(is) e o(s) proprietário(s) dos direitos autorais sejam creditados e que a publicação original nesta revista seja citada, de acordo com a prática acadêmica aceita. Não é permitido nenhum uso, distribuição ou reprodução que não esteja em conformidade com estes termos.
Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br