Biodiversidade Ideias fundamentais 27 de setembro de 2023, 16:48 27/09/2023

A água controla a biodiversidade da Amazônia

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher na mata amazônica, ela está observando uma cobra em cima de uma arvore com um binoculo, e em outra arvore tem um tucano. 

Resumo

Quase todos os aspectos acerca do rio Amazonas são verdadeiramente gigantescos e surpreendentes. Seu trajeto percorre mais de sete mil quilômetros. A área de onde afluem a água e os materiais para o rio Amazonas, partindo das terras altas e das planícies ribeirinhas, cobre cerca de sete milhões de quilômetros quadrados. Essa área conecta ecossistemas aquáticos e terrestres que contêm 20% da água doce da Terra e a maior diversidade de organismos vivos do planeta. As áreas úmidas, onde os cursos de água afetam diretamente a biodiversidade, cobrem 30% da Amazônia. Sob várias formas, desde os “rios” voadores, que são as nuvens, às chuvas e ao fluxo de água das terras altas para as terras baixas, a água é um fator importante a influenciar a biodiversidade amazônica. Isso pode ser visto por toda a Amazônia, onde de há muito a água controla o ecossistema da região. A Amazônia abriga inúmeras espécies que, juntas, formam uma floresta complexa, tanto em terra quanto debaixo da água.

O maior rio da Terra

A Amazônia é a área drenada pelo rio Amazonas, com cerca de sete milhões de quilômetros quadrados. Essa enorme área abriga uma grande proporção das espécies microbianas, animais e vegetais do mundo que, juntas, formam uma floresta complexa, tanto em terra quanto debaixo da água. Quase tudo que envolve esse poderoso rio é verdadeiramente gigantesco e surpreendente.  O Amazonas atravessa mais de sete mil quilômetros do norte da América do Sul, desde o rio Apurimac, na cordilheira dos Andes, ao sul do Peru, até o oceano Atlântico, no norte do Brasil (Figura 1). 

Figura 1. Norte da América do Sul, conforme mapeado pela Shuttle Radar Topographic Mission (http://dds.cr.usgs.gov/srtm/). A área da qual foi tirada a imagem maior é indicada pela janela no canto superior direito. A imagem maior mostra as diferenças na altitude acima do nível do mar representadas por cores: o verde indica terras baixas, onde estão os grandes rios; o amarelo indica as velhas rochas e solos expostos; e o branco indica as cadeias de montanhas dos Andes.

A água é o principal constituinte das células. Ela é essencial para a vida porque funções biológicas como a respiração, a fotossíntese e a digestão acontecem na água. Rios, riachos, águas subterrâneas e nuvens conectam e sustentam todos os organismos vivos da floresta amazônica. Portanto, a água é a fonte da biodiversidade da Amazônia. 

O rio Amazonas tem cerca de nove milhões de anos. Durante a estação chuvosa, ele pode chegar a cinquenta quilômetros de largura em alguns trechos. Bacia hidrográfica é a área onde a água e materiais como areia, organismos vivos, troncos e folhas fragmentados são conduzidos por córregos e rios, movendo-se das terras mais altas da bacia hidrográfica para suas planícies baixas, por causa da gravidade. Esse fluxo descendente de água conecta os ecossistemas aquáticos e terrestres na bacia hidrográfica do rio Amazonas, que cobre uma área maior que toda a Europa e contém 20% de toda a água doce do mundo. A Amazônia também abriga a maior parte da diversidade de organismos vivos da Terra [1]. 

Na Amazônia podemos encontrar entre quatro mil e quinze mil espécies de plantas (incluindo a castanha e o açaí), mais de quatrocentas espécies de mamíferos (incluindo onças, preguiças e morcegos), mais de mil e trezentas espécies de aves (incluindo tucanos e gaviões-reais), mais de quatrocentas espécies de répteis (incluindo jiboias e jacarés), mais de quatrocentas espécies de anfíbios (incluindo pererecas) e cerca de três mil espécies de peixes de água doce (incluindo piranhas e pirarucus). A diversidade de formas de vida menores é mais difícil de estimar e os cientistas já descreveram cerca de cem mil espécies de invertebrados, como insetos e aranhas. O número de espécies de fungos e algas também é difícil de estimar e muitas espécies novas são descritas a cada mês. Toda essa biodiversidade é dependente da dinâmica hídrica única encontrada na região. 

Rios que podem voar

A Amazônia é uma paisagem tropical coberta principalmente por florestas tropicais. A chuva que cai nos rios e nas florestas amazônicas vem da evaporação do oceano Atlântico e do metabolismo do próprio ecossistema amazônico. A água da chuva pode chegar diretamente aos rios ou ser captada pela floresta, descer pelas copas e troncos das árvores e, finalmente, chegar ao solo. A água subterrânea flui então por encostas até rios menores, carregando terra e outros materiais com ela, e incorpora o escoamento ou se infiltra no solo, formando reservatórios. Esses processos fazem parte do que chamamos de ciclo hidrológico (água) de uma bacia hidrográfica.

O ciclo hidrológico começa com a precipitação (chuva), que é seguida pelo escoamento dessa água para córregos e rios, pela infiltração de água no solo e por um processo chamado evapotranspiração, no qual a água é devolvida à atmosfera por meio da evaporação do solo e das superfícies de água ou das folhas, caules ou flores das plantas. 

A vegetação ao longo das margens de córregos e rios ajuda a diminuir e a retardar o escoamento de água para essas massas de água. Essas zonas são chamadas de zonas ribeirinhas e as plantas aí existentes recebem o nome de vegetação ciliar. A vegetação ciliar tem duas funções principais: primeiro, devolve a água à atmosfera, por meio da evapotranspiração; e segundo, suaviza a queda da água que atinge o chão, auxiliando nos processos de infiltração, que devolvem a água ao solo. Grandes árvores com grandes sistemas de raízes podem acessar a água subterrânea mesmo durante as estações mais secas. Algumas árvores podem liberar até mil litros de água na atmosfera todos os dias! 

Com isso, a Amazônia e seus grandes rios agem como bombas de vapor de água, que ao ser lançado na atmosfera forma camadas de nuvens úmidas. As nuvens fluem com os ventos, formando incríveis rios voadores. Por causa das altas temperaturas da Amazônia e da grande quantidade de chuva que cai ao redor do equador, a Amazônia tem o enorme poder de intercambiar água entre a floresta e a atmosfera. A cordilheira dos Andes no oeste do continente sul-americano, com quatro mil metros de altura, atua como uma barreira contra ventos e nuvens que atravessam o continente vindos do oceano Atlântico. O resultado é uma quantidade imensa de chuvas nas áreas central, leste e sul do Brasil, e nos países vizinhos.

Esse rio de nuvens transporta bilhões de litros de água em forma de vapor a cada ano, o que é quase igual à quantidade de água que flui do próprio rio Amazonas para o oceano a cada ano. Então, esses rios no céu mudam o clima do continente e, por fim, do mundo inteiro. 

Rios que pulsam

A espessa camada de nuvens despeja suas fortes chuvas nas terras baixas, forçando os grandes rios a transbordar e sua água a subir para as terras mais altas, submergindo muitas plantas que vivem ali [2]. Essas florestas ficam inundadas a cada ano, tendo então uma fase terrestre e uma fase aquática todos os anos (Figura 2). As enchentes podem atingir oito metros de altura por até trezentos dias!

A maioria das árvores passa metade do ano fora da água e a outra metade em diferentes níveis de submersão. Essas florestas inundadas contêm mais de mil espécies de árvores. Trata-se de um sistema alternante de água que controla muitos dos processos biológicos das plantas, como o crescimento da floração, o qual, por sua vez, influencia as comunidades de animais terrestres que se alimentam ou vivem dessas florestas. Animais aquáticos, como peixes e golfinhos de água doce, também se alimentam e vivem dessas florestas inundadas quando o nível da água está alto. 

Figura 2. Alternância de cheias dos rios amazônicos, mostrando as fases terrestre e aquática da mata ciliar. A janela superior mostra a precipitação sobre um córrego que deságua no rio Tapajós, com uma vasta floresta alagada em suas margens; a janela inferior mostra um córrego típico de terra firme e sua vegetação ciliar. 

As espécies mudam de riachos de terras altas para rios maiores e suas florestas inundadas, mais ao nível da bacia hidrográfica [3]. Essa sucessão na estrutura ambiental, determinada pela água, é observada tanto na composição das espécies quanto na estrutura da floresta, provavelmente em resultado da adaptação a diferentes níveis de água no solo [4]. Em outras palavras, cada riacho parece ser único no que diz respeito a quais espécies surgem em tais ambientes. 

Fato quase inacreditável, florestas inundadas são às vezes muito diferentes umas das outras. Dependendo da composição do leito do rio, os tipos de espécies presentes nas florestas inundadas podem variar. Os rios da Amazônia têm duas origens principais: os solos jovens da cordilheira dos Andes e os solos antigos das rochas expostas do Brasil e da Guiana. Os rios que correm em solos jovens criam florestas inundadas chamadas várzeas; os rios que correm em solos antigos criam florestas inundadas chamadas igapós. Esses dois tipos de florestas são muito diferentes em espécies de árvores e no tamanho geral. A origem geológica do rio afeta as propriedades químicas da água, o que resulta em diferenças notáveis na cor da água: as várzeas ocorrem ao longo dos rios de águas brancas e os igapós, ao logo dos rios de águas pretas ou claras. 

Rios que correm no subsolo

Plantas e animais que vivem nas margens de rios e córregos respondem à quantidade de água presente no solo. A vazão da água nos habitats ribeirinhos é muito mais aleatória e menos previsível do que nos rios, pois, ali, a maior parte da variação do nível de água vem da chuva que cai diretamente sobre eles. Os compartimentos terrestres e aquáticos na Amazônia de terra firme estão intimamente relacionados e mudanças em um podem ter grandes consequências no outro. Por exemplo, foi demonstrado que a degradação das matas ciliares pode levar à redução do número de espécies aquáticas [5]. 

Nas terras altas da Amazônia não diretamente afetadas pelas cheias dos grandes rios, a água também rege a biodiversidade. Essas áreas úmidas, cobrindo cerca de um milhão de quilômetros quadrados, contêm uma rede densa e conectada de pequenos riachos formados e mantidos por águas subterrâneas. Na verdade, é desses pequenos riachos que vem a maior parte da água dos grandes rios. 

A água controla a biodiversidade amazônica 

Indo desde os rios voadores em forma de nuvens, passando pelas chuvas e pelos riachos que correm das terras altas para as terras baixas, a água é um fator importante que afeta a biodiversidade na Amazônia. As espécies amazônicas desenvolveram muitas formas de viver na água ou de interagir com ela, o que levou a um grande número de espécies em cada área. Além disso, a maioria das populações humanas amazônicas vive perto de seus rios e também está acostumada com seus ritmos variáveis. Em se tratando da contribuição da região para o meio ambiente , as florestas amazônicas são essenciais. No local, essas florestas afetam a qualidade e a distribuição da água e, mais globalmente, podem interferir na estabilidade do clima. A água tem controlado o ecossistema dessa área por muito tempo. Então, como você pode ver, a água cria habitats de várias maneiras, o que resulta na biodiversidade. 

Glossário

Evapotranspiração: Fase do ciclo hidrológico (água) que inclui a evaporação da água do solo e das superfícies úmidas, bem como a dos caules, folhas e flores das plantas. 

Várzea: Áreas alagadas e ricas em material suspenso erodido da cordilheira dos Andes, que tornam as águas esbranquiçadas (por exemplo, os rios Solimões e Madeira). 

Igapós: Áreas alagadas por rios com água ácida, formada nas terras altas da Guiana e nas antigas rochas expostas brasileiras (por exemplo, rios Negro e Tapajós). 

Terra firme: Área acima das planícies de inundação dos principais rios, onde a vegetação local não é inundada sazonalmente. 

Referências

[1] Lewinsohn, T. M. e Prado, P. I. 2005. “How many species are there in Brazil?” Conserv. Biol. 19(3):619. DOI: 10.1111/j.1523–1739.2005.00680.x.

[2] Junk, W.F., Piedade, M. T. F., Schöngart, J., Cohn-Haft, M., Adeney, J. M. e Witmann, F. 2011. “A classification of major naturally-occurring Amazonian lowland wetlands.” Wetlands 31(4):623–40. DOI: 10.1007/s13157-011-0190-7.

[3] Schietti, J., Emilio, T., Rennó, C. D., Drucker, D. P., Costa, F. R. C., Nogueira, A. et al. 2014. “Vertical distance from drainage drives floristic composition changes in an Amazonian rainforest.” Plant Ecol. Divers. 7(1–2):241–53. DOI: 10.1080/17550874.2013.783642.

[4] Wittmann, F., Schöngart, J., Junk, W. J. e Parolin, P. 2010. “Phytogeography, species diversity, community structure and dynamics of Amazonian floodplain forests.” Em Amazonian Floodplain Forests: Ecophysiology, Biodiversity and Sustainable Management (Ecological Studies), org. ed. W. J. Junk, M. T. F. Piedade, F. Wittmann e J. Schöngart. Países Baixos: Springer. p.61–102.

[5] Dias, M. S., Magnusson, W. E. e Zuanon, J. 2010. “Effects of reduced-impact logging on fish assemblages in Central Amazonia.” Conserv. Biol. 24(1):278–86. DOI: 10.1111/j.1523-1739. 2009. 01299.x. 

Citação

Mortati, A. e André, T. (2018). “Water controls Amazonian biodiversity.” Front. Young Minds. 6:47. DOI: 10.3389/frym.2018.00047. 

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