A biodiversidade animal pode ser benéfica para o clima?
Autores
Celia Arias-Vaquerizo, José M. V. Fragoso, Kirsten M. Silvius, Mar Sobral
Jovens revisores
Resumo
Este artigo mostra que a quantidade de tipos de mamíferos que vivem na Amazônia, e de interações nas quais eles estão envolvidos, afeta o modo como o carbono, um elemento essencial para a vida, se movimenta entre as plantas, os animais e o ambiente. Já se sabia que a biodiversidade dos vegetais pode afetar o ciclo do carbono, e alguns cientistas sugeriram que essa interação também poderia ocorrer com os animais. Os mamíferos, e as interações das quais eles participam, aumentam a quantidade de carbono estocada em solos e árvores. Quando o carbono é estocado, ele é removido da atmosfera, e a mudança climática se torna mais lenta. Entretanto, as populações de espécies animais estão diminuindo em todo o mundo. Devemos ter em mente que a conservação das populações de mamíferos aumentará o estoque de carbono em solos e árvores, ajudando-nos assim a combater a mudança climática.
O carbono se desloca pelas coisas vivas e não vivas por meio do ciclo do carbono
Todas as coisas vivas possuem um elemento importante chamado carbono. Mas o carbono não está apenas nelas. Ele existe também no ambiente – na água, no solo e na atmosfera terrestre. Esse elemento se movimenta o tempo todo entre as coisas vivas e o ambiente, num processo chamado ciclo do carbono.
As plantas são atores biológicos importantíssimos no ciclo do carbono porque têm a capacidade de capturá-lo da atmosfera. Graças a um processo chamado fotossíntese, as plantas absorvem dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e usam a energia luminosa do Sol para fabricar certas moléculas chamadas carboidratos, que contém carbono, e também o oxigênio que respiramos.
Anualmente, as plantas transformam o CO2 removido da atmosfera em cerca de cem bilhões de toneladas de carboidratos. Em geral, identificamos esses carboidratos em raízes, galhos e folhas. A movimentação do carbono entre a atmosfera da Terra e as plantas é apenas uma parte do ciclo do carbono. Quando as plantas morrem, o carbono que estava em suas raízes, galhos e folhas passa para o solo. Ali, parte desse carbono pode ser modificada por microrganismos presentes na terra e integrar-se a ela, enquanto outra porção volta para a atmosfera. Quanto mais carbono for capturado e transferido para os organismos vivos e para o solo, menor será a quantidade disponível para se incorporar à atmosfera.
Você já deve ter ouvido dizer que o CO2 é um dos gases da atmosfera terrestre que contribuem para a mudança climática e o aquecimento de nosso planeta. Quando o ciclo de carbono se desenrolava no período anterior à Revolução Industrial, apenas dois fatores regulavam a concentração de CO2 na atmosfera: a fotossíntese e fenômenos geológicos como vulcões, etc. Com o advento da Era Industrial, um novo fator, a atividade humana, começou a perturbar o ciclo do carbono. Atividades como a queima de madeira e de combustíveis fósseis acrescentaram mais carbono à atmosfera e modificaram o clima.
A remoção do carbono da atmosfera, e sua incorporação aos seres vivos e ao solo, ajuda a desacelerar a mudança climática.
A biodiversidade é importante
As florestas tropicais possuem a maior biodiversidade vegetal do planeta. A biodiversidade é a variedade de seres vivos que habitam um certo lugar. As árvores das florestas tropicais desempenham um papel decisivo para o ciclo do carbono porque capturam esse elemento e regulam o clima. Entretanto, uma floresta não é feita unicamente de plantas. Muitos outros organismos exercem funções importantes no ciclo do carbono. Por exemplo, a biodiversidade dos mamíferos influencia o ciclo do carbono na Amazônia [1].
A biodiversidade é importante porque cada espécie tem seu papel na natureza. Quando muitas espécies diferentes formam um ecossistema, um número maior de papéis ou funções se desenvolve, o que torna o ecossistema mais saudável. Os ecossistemas que apresentam grande biodiversidade prestam enormes serviços à humanidade. Um desses serviços se relaciona ao acúmulo de carbono. A biodiversidade reduz a concentração desse elemento na atmosfera e contribui para a desaceleração da mudança climática.
Como já explicamos, as plantas capturam o carbono da atmosfera e o depositam, sob a forma de carboidratos, nas folhas, galhos e raízes. Para os cientistas, a medida do depósito de carbono é a massa de carbono que um corpo contém. Sabemos que a biodiversidade vegetal aumenta a quantidade de carbono capturada [2]. E sabemos também que plantas e animais interagem. Com base nessa informação, procuramos descobrir se os mamíferos, em sua relação com as plantas, também desempenhavam um papel no ciclo do carbono [1]. Mamíferos interagem com plantas de várias maneiras. Por exemplo, comem frutas, folhas e flores, além de dispersar sementes.
Nossa hipótese era que a biodiversidade dos mamíferos em um ambiente aumentaria a quantidade de carbono acumulada no solo. A fim de testá-la, observamos a natureza diretamente, recorrendo ao tradicional conhecimento ecológico de diversas tribos indígenas que vivem nas florestas tropicais da Guiana.
O que fizemos
Era uma hipótese difícil de testar pela observação direta dos animais que vivem num sistema real e hostil como a Amazônia. Seria preciso grande quantidade de dados, o que exigiu a participação de 355 indígenas makushi, wapishana e wai-wai que vivem na Guiana. Eles coletaram dados dos animais para o estudo, e seu conhecimento sobre os sistemas naturais locais foi essencial para a quantidade e a qualidade dos dados. Esses povos acumularam um conhecimento especializado das relações entre plantas e animais, ao longo de centenas de anos de contato direto com o ambiente.
Por três anos, e num espaço de quase 48 mil quilômetros quadrados, esses indígenas realizaram mais de dez mil pesquisas. Seu trabalho identificou 218 mil mamíferos pertencentes a 48 espécies. Registraram mais de 43 mil eventos de alimentação e colheram mais de um milhão de amostras de fezes animais. Além disso, foram medidas as concentrações de carbono no solo e os tamanhos das árvores em centenas de locais.
O que descobrimos
Nossos resultados mostraram que tanto a diversidade de mamíferos quanto de árvores afeta o ciclo do carbono na Amazônia (Figura 1). Mais espécies significam mais tipos de interações: animais comem plantas etc., e assim mais carbono se move dos seres vivos para o solo (Figura 2). Como previu nossa hipótese, descobrimos que o número de espécies de mamíferos está relacionado à concentração de carbono no solo da Amazônia (Figura 1). O número de espécies de mamíferos está também relacionado à quantidade de carbono estocada na biomassa vegetal. Encontramos ainda relações entre o número de espécies de árvores, a quantidade de carbono no solo e a biomassa vegetal. Quanto à concentração de carbono no solo, constatamos que a magnitude do efeito da diversidade de espécies de mamíferos era equivalente à magnitude do efeito gerado pela diversidade de espécies vegetais.
Por que essa pesquisa é importante?
Essa pesquisa é importante porque fornece evidências de que cada espécie desempenha um papel na natureza e isso significa que perder espécies pode gerar danos aos processos naturais. Essa ideia já foi aceita para o mundo vegetal [2] e parece lógico que relações entre plantas e animais também sejam decisivas para o ciclo do carbono.
Embora ainda tenhamos muito a aprender sobre as relações entre animais, plantas e o ciclo do carbono, fica claro, a partir de nosso trabalho, que a perda animal provocada pelos humanos constitui um problema climático, ao passo que a conservação da biodiversidade animal constitui sua solução. Nosso estudo se concentrou especificamente em mamíferos e na região da Guiana, mas acreditamos que os dados obtidos sejam verdadeiros também para diferentes criaturas como répteis, anfíbios, aves e invertebrados, e em diferentes tipos de florestas. Essas diferenças precisam ser testadas.
Esse estudo é importante por três motivos. Primeiro, ele amplia a compreensão do mundo em que vivemos, e do mundo natural com o qual evoluímos. Segundo, ressalta a importância do conhecimento dos povos indígenas sobre seus sistemas naturais. Seu conhecimento foi crucial para constatarmos que a diversidade de mamíferos pode contribuir para um céu mais limpo. Terceiro, ficou claro que ações para proteger animais e ambiente também são úteis para os humanos. A diversidade de mamíferos deveria ser um dos fatores considerados quando se elaboram políticas para reduzir a quantidade de CO2 na atmosfera.
Glossário
Ciclo de carbono: o movimento do carbono entre atmosfera, solo e biosfera.
Fotossíntese: processo pelo qual as plantas crescem usando a luz do Sol para capturar carbono da atmosfera.
Biodiversidade: número de espécies presentes em um lugar.
Fonte original do artigo
Sobral, M., Silvius, K. M., Overman, H., Oliveira, L. F. B., Raab, T. K. e Fragoso, J. M. V. 2017. “Mammal diversity influences the carbon cycle through trophic interactions in the Amazon.”. Nat. Ecol. Evol. 1:1670–6. DOI: 10.1038/s41559-017-0334-0.
Referências
[1] Sobral, M., Silvius, K. M., Overman, H., Oliveira, L. F. B., Raab, T. K. e Fragoso, J. M. V. 2017. “Mammal diversity influences the carbon cycle through trophic interactions in the Amazon.” Nat. Ecol. Evol. 1:1670–6. DOI: 10.1038/s41559-017-0334-0.
[2] Poorter, L., Van Der Sande, M. T., Thompson, J., Arets, E. J. M. M., Alarcón, A., Álvarez-Sánchez, J. et. al. 2015. “Diversity enhances carbon storage in tropical forests.” Glob. Ecol. Biogeogr. 24:1314–28. DOI: 10.1111/geb.12364.
Citação
Sobral, M., Arias-Vaquerizo, C., Silvius, K. e Fragoso, J. (2020). “Can Animal Biodiversity Help the Climate?” Front. Young Minds. 8:536333. DOI: 10.3389/frym. 2020.536333.
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