Biodiversidade 27 de abril de 2022, 15:37 27/04/2022

A biodiversidade animal pode ser benéfica para o clima?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma selva com animais e um sinal escrito biodiversidade. Os animais ilustrados são uma cobra, arara, mico-leão-dourado e uma perereca

Resumo

Este artigo mostra que a quantidade de tipos de mamíferos que vivem na Amazônia, e de interações nas quais eles estão envolvidos, afeta o modo como o carbono, um elemento essencial para a vida, se movimenta entre as plantas, os animais e o ambiente. Já se sabia que a biodiversidade dos vegetais pode afetar o ciclo do carbono, e alguns cientistas sugeriram que essa interação também poderia ocorrer com os animais. Os mamíferos, e as interações das quais eles participam, aumentam a quantidade de carbono estocada em solos e árvores. Quando o carbono é estocado, ele é removido da atmosfera, e a mudança climática se torna mais lenta. Entretanto, as populações de espécies animais estão diminuindo em todo o mundo. Devemos ter em mente que a conservação das populações de mamíferos aumentará o estoque de carbono em solos e árvores, ajudando-nos assim a combater a mudança climática.

O carbono se desloca pelas coisas vivas e não vivas por meio do ciclo do carbono

Todas as coisas vivas possuem um elemento importante chamado carbono. Mas o carbono não está apenas nelas. Ele existe também no ambiente – na água, no solo e na atmosfera terrestre. Esse elemento se movimenta o tempo todo entre as coisas vivas e o ambiente, num processo chamado ciclo do carbono.

As plantas são atores biológicos importantíssimos no ciclo do carbono porque têm a capacidade de capturá-lo da atmosfera. Graças a um processo chamado fotossíntese, as plantas absorvem dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e usam a energia luminosa do Sol para fabricar certas moléculas chamadas carboidratos, que contém carbono, e também o oxigênio que respiramos.

Anualmente, as plantas transformam o CO2 removido da atmosfera em cerca de cem bilhões de toneladas de carboidratos. Em geral, identificamos esses carboidratos em raízes, galhos e folhas. A movimentação do carbono entre a atmosfera da Terra e as plantas é apenas uma parte do ciclo do carbono. Quando as plantas morrem, o carbono que estava em suas raízes, galhos e folhas passa para o solo. Ali, parte desse carbono pode ser modificada por microrganismos presentes na terra e integrar-se a ela, enquanto outra porção volta para a atmosfera. Quanto mais carbono for capturado e transferido para os organismos vivos e para o solo, menor será a quantidade disponível para se incorporar à atmosfera.

Você já deve ter ouvido dizer que o CO2 é um dos gases da atmosfera terrestre que contribuem para a mudança climática e o aquecimento de nosso planeta. Quando o ciclo de carbono se desenrolava no período anterior à Revolução Industrial, apenas dois fatores regulavam a concentração de CO2 na atmosfera: a fotossíntese e fenômenos geológicos como vulcões, etc. Com o advento da Era Industrial, um novo fator, a atividade humana, começou a perturbar o ciclo do carbono. Atividades como a queima de madeira e de combustíveis fósseis acrescentaram mais carbono à atmosfera e modificaram o clima.

A remoção do carbono da atmosfera, e sua incorporação aos seres vivos e ao solo, ajuda a desacelerar a mudança climática.

A biodiversidade é importante

As florestas tropicais possuem a maior biodiversidade vegetal do planeta. A biodiversidade é a variedade de seres vivos que habitam um certo lugar. As árvores das florestas tropicais desempenham um papel decisivo para o ciclo do carbono porque capturam esse elemento e regulam o clima. Entretanto, uma floresta não é feita unicamente de plantas. Muitos outros organismos exercem funções importantes no ciclo do carbono. Por exemplo, a biodiversidade dos mamíferos influencia o ciclo do carbono na Amazônia [1].

            A biodiversidade é importante porque cada espécie tem seu papel na natureza. Quando muitas espécies diferentes formam um ecossistema, um número maior de papéis ou funções se desenvolve, o que torna o ecossistema mais saudável. Os ecossistemas que apresentam grande biodiversidade prestam enormes serviços à humanidade. Um desses serviços se relaciona ao acúmulo de carbono. A biodiversidade reduz a concentração desse elemento na atmosfera e contribui para a desaceleração da mudança climática.

            Como já explicamos, as plantas capturam o carbono da atmosfera e o depositam, sob a forma de carboidratos, nas folhas, galhos e raízes. Para os cientistas, a medida do depósito de carbono é a massa de carbono que um corpo contém. Sabemos que a biodiversidade vegetal aumenta a quantidade de carbono capturada [2]. E sabemos também que plantas e animais interagem. Com base nessa informação, procuramos descobrir se os mamíferos, em sua relação com as plantas, também desempenhavam um papel no ciclo do carbono [1]. Mamíferos interagem com plantas de várias maneiras. Por exemplo, comem frutas, folhas e flores, além de dispersar sementes.

Nossa hipótese era que a biodiversidade dos mamíferos em um ambiente aumentaria a quantidade de carbono acumulada no solo. A fim de testá-la, observamos a natureza diretamente, recorrendo ao tradicional conhecimento ecológico de diversas tribos indígenas que vivem nas florestas tropicais da Guiana.

O que fizemos

Era uma hipótese difícil de testar pela observação direta dos animais que vivem num sistema real e hostil como a Amazônia. Seria preciso grande quantidade de dados, o que exigiu a participação de 355 indígenas makushi, wapishana e wai-wai que vivem na Guiana. Eles coletaram dados dos animais para o estudo, e seu conhecimento sobre os sistemas naturais locais foi essencial para a quantidade e a qualidade dos dados. Esses povos acumularam um conhecimento especializado das relações entre plantas e animais, ao longo de centenas de anos de contato direto com o ambiente.

Por três anos, e num espaço de quase 48 mil quilômetros quadrados, esses indígenas realizaram mais de dez mil pesquisas. Seu trabalho identificou 218 mil mamíferos pertencentes a 48 espécies. Registraram mais de 43 mil eventos de alimentação e colheram mais de um milhão de amostras de fezes animais. Além disso, foram medidas as concentrações de carbono no solo e os tamanhos das árvores em centenas de locais.

O que descobrimos

Nossos resultados mostraram que tanto a diversidade de mamíferos quanto de árvores afeta o ciclo do carbono na Amazônia (Figura 1). Mais espécies significam mais tipos de interações: animais comem plantas etc., e assim mais carbono se move dos seres vivos para o solo (Figura 2). Como previu nossa hipótese, descobrimos que o número de espécies de mamíferos está relacionado à concentração de carbono no solo da Amazônia (Figura 1). O número de espécies de mamíferos está também relacionado à quantidade de carbono estocada na biomassa vegetal. Encontramos ainda relações entre o número de espécies de árvores, a quantidade de carbono no solo e a biomassa vegetal. Quanto à concentração de carbono no solo, constatamos que a magnitude do efeito da diversidade de espécies de mamíferos era equivalente à magnitude do efeito gerado pela diversidade de espécies vegetais.

Figura 1. Relações entre a biodiversidade de mamíferos e a percentagem de carbono nos solos. À medida que o número de espécies diferentes de mamíferos aumentava (da esquerda para a direita no gráfico), crescia também a percentagem de carbono no solo (de baixo para cima no gráfico). Cada ponto representa um transecto na floresta amazônica.
Figura 2. As interações entre os organismos são parte do ciclo do carbono. As setas representam os movimentos do carbono entre a atmosfera, as plantas, os animais e o solo. Parte do carbono oriundo de plantas e animais mortos pode se integrar a solo por meio da ação de microrganismos locais, enquanto outra parte retorna à atmosfera. Graças à fotossíntese, as plantas absorvem carbono da atmosfera e promovem o crescimento de folhas, flores e frutos. Os animais comem plantas ou outros animais, defecam e morrem, de modo que o carbono termina voltando ao solo. O movimento do carbono entre a atmosfera, o solo e a biosfera constitui o ciclo do carbono.

Por que essa pesquisa é importante?

Essa pesquisa é importante porque fornece evidências de que cada espécie desempenha um papel na natureza e isso significa que perder espécies pode gerar danos aos processos naturais. Essa ideia já foi aceita para o mundo vegetal [2] e parece lógico que relações entre plantas e animais também sejam decisivas para o ciclo do carbono.

Embora ainda tenhamos muito a aprender sobre as relações entre animais, plantas e o ciclo do carbono, fica claro, a partir de nosso trabalho, que a perda animal provocada pelos humanos constitui um problema climático, ao passo que a conservação da biodiversidade animal constitui sua solução. Nosso estudo se concentrou especificamente em mamíferos e na região da Guiana, mas acreditamos que os dados obtidos sejam verdadeiros também para diferentes criaturas como répteis, anfíbios, aves e invertebrados, e em diferentes tipos de florestas. Essas diferenças precisam ser testadas.

Esse estudo é importante por três motivos. Primeiro, ele amplia a compreensão do mundo em que vivemos, e do mundo natural com o qual evoluímos. Segundo, ressalta a importância do conhecimento dos povos indígenas sobre seus sistemas naturais. Seu conhecimento foi crucial para constatarmos que a diversidade de mamíferos pode contribuir para um céu mais limpo. Terceiro, ficou claro que ações para proteger animais e ambiente também são úteis para os humanos. A diversidade de mamíferos deveria ser um dos fatores considerados quando se elaboram políticas para reduzir a quantidade de CO2 na atmosfera.

Glossário

Ciclo de carbono: o movimento do carbono entre atmosfera, solo e biosfera.

Fotossíntese: processo pelo qual as plantas crescem usando a luz do Sol para capturar carbono da atmosfera.

Biodiversidade: número de espécies presentes em um lugar.

Fonte original do artigo

Sobral, M., Silvius, K. M., Overman, H., Oliveira, L. F. B., Raab, T. K. e Fragoso, J. M. V. 2017. “Mammal diversity influences the carbon cycle through trophic interactions in the Amazon.”. Nat. Ecol. Evol. 1:1670–6. DOI: 10.1038/s41559-017-0334-0.

Referências

[1] Sobral, M., Silvius, K. M., Overman, H., Oliveira, L. F. B., Raab, T. K. e Fragoso, J. M. V. 2017. “Mammal diversity influences the carbon cycle through trophic interactions in the Amazon.” Nat. Ecol. Evol. 1:1670–6. DOI: 10.1038/s41559-017-0334-0.

[2] Poorter, L., Van Der Sande, M. T., Thompson, J., Arets, E. J. M. M., Alarcón, A., Álvarez-Sánchez, J. et. al. 2015. “Diversity enhances carbon storage in tropical forests.” Glob. Ecol. Biogeogr. 24:1314–28. DOI: 10.1111/geb.12364.

Citação

Sobral, M., Arias-Vaquerizo, C., Silvius, K. e Fragoso, J. (2020). “Can Animal Biodiversity Help the Climate?” Front. Young Minds. 8:536333. DOI: 10.3389/frym. 2020.536333.

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