A “bomba” oceânica e formação de água densa na Antártica
Autores
Kay I. Ohshima, Sienna Blanckensee
Jovens revisores
Benjamin 3, Caleb, Helena, Yash
Resumo
Assim como um bolo, o oceano é formado por várias camadas. A camada de água mais pesada (maior densidade) no fundo do oceano é chamada de Água de Fundo Antártica (AFA). A AFA se forma ao redor da costa da Antártica, em áreas onde muito gelo marinho é produzido devido às temperaturas congelantes e ventos fortes. Quando o gelo marinho se forma, a maior parte do sal da água do mar é deixada para trás, de modo que a água debaixo do gelo marinho fica muito salgada e fria, o que a torna pesada e densa. Essa água densa desce até o fundo do oceano para se tornar AFA, que funciona como uma bomba, promovendo a circulação das águas oceânicas em todo o mundo. Devido às mudanças climáticas, o aumento das temperaturas e o derretimento das camadas de gelo acelerarão a formação de AFA, o que poderá afetar a circulação oceânica global, o clima, as plantas e os animais que vivem tanto nos oceanos quanto na terra.
Podemos pensar no oceano como um bolo com várias camadas. Imagine um bolo com geleia por cima (água de superfície), bolo de cenoura no meio (água intermediária) e bolo de chocolate por baixo (água de fundo). Cada camada do oceano tem uma densidade diferente (peso da água), com a mais pesada no fundo. A densidade da água varia com a temperatura e o sal. A água quente é menos densa que a água fria e a água salgada é mais densa que a água doce. Por exemplo, se você colocar molho de soja na água, ele irá afundar porque tem maior concentração de sal e é, portanto, mais denso. No oceano, quando camadas de água densa e menos densa estão em contato umas com as outras, a água densa vai para baixo da água menos densa (Figura 1, canto inferior esquerdo). A água densa no fundo do oceano é muito fria e/ou salgada. Mas, para começar, como essas camadas foram criadas?
A formação da Água de Fundo Antártica
A Água de Fundo Antártica (AFA) é aquela que se forma ao redor desse continente e fica logo acima do leito oceânico. Se você avaliasse a massa global do oceano, a AFA responderia por 30% a 40% do volume total [1].
Então, por que a água do fundo do mar mais densa é encontrada na Antártica? Bem, devido ao ar muito frio que há ali, as águas na superfície do oceano passam por um resfriamento severo e congelam, formando uma grande quantidade de gelo marinho. Na água doce, o gelo se forma a 0°C (como acontece no seu freezer), mas o oceano contém sal e por isso a água precisa descer a -1,9°C para congelar. À medida que a água do mar congela, de 70% a 90% do sal são deixados para trás (rejeitados) pelo gelo e afundam no oceano. Isso torna a água abaixo do gelo marinho muito salgada e densa.
As fábricas de gelo marinho perto da costa antártica
O gelo marinho se forma em toda a Antártica, mas é preciso que haja uma grande quantidade dele para que a água salgada produza a AFA. Normalmente, quando o gelo marinho se torna mais espesso e cobre a superfície do oceano, ele atua como um cobertor, protegendo do ar frio a água que está por baixo dele e evitando que sua camada fique ainda mais espessa. Isso lembra o modo como as penas mantêm um pinguim aquecido. No entanto, há áreas ao redor da Antártica onde o gelo marinho se forma constantemente – as polínias costeiras.
A polínia é uma área do oceano cercada por gelo do mar (Figura 2). Os fortes ventos marinhos que sopram da Antártica afastam o gelo marinho da costa e criam uma área de mar aberto. A água recém-exposta logo se congela. Mas, mesmo enquanto o novo gelo está sendo formado, correntes oceânicas ou ventos fortes afastam-no da costa, expondo mais águas superficiais e mantendo a polínia. Devido às grandes quantidades de gelo marinho que as polínias criam, elas são frequentemente chamadas de fábricas de gelo marinho [2].
Com a formação de uma enorme quantidade de gelo marinho, a água que fica abaixo das polínias fica muito salgada devido à rejeição do sal, além de muito fria – o que a deixa extremamente pesada e densa. Então, ela desce até o fundo do oceano e se torna a AFA!
Observação por satélite
Há muitas polínias ao redor da Antártica, mas nem todas produzem gelo marinho suficiente para gerar a AFA. As áreas costeiras dessa região são um dos lugares de mais difícil acesso do mundo, especialmente no inverno. Não é nada fácil atravessar o espesso gelo marinho do inverno até as polínias para fazer medições do oceano e da formação de gelo marinho. Felizmente, temos uma ferramenta valiosa que nos ajuda a avaliar a produção de gelo marinho… sem sair de nossas casas: a observação por satélite!
Satélites são lançados ao espaço e medem a superfície da Terra de longe, por meio de câmeras e outros sensores. Um satélite pode observar o oceano Antártico durante o ano inteiro, ajudando-nos a localizar polínias e a calcular a quantidade de calor que elas perdem (Figura 2). Depois, com a ajuda de computadores e da matemática, podemos descobrir quanto gelo marinho cada polínia produz (mais perda de calor = mais gelo marinho).
A Figura 3 mostra um mapa da produção anual de gelo marinho em todo o oceano Antártico, criado a partir de dados de satélite. Áreas de alta produção de gelo marinho são encontradas ao redor da costa, mas existem apenas quatro locais que produzem o suficiente para gerar a AFA. Dos anos 1940 até os anos 1990, cientistas descobriram que o mar de Ross, o mar de Weddell e as polínias da Costa Adélie criam AFA. Isso foi descoberto durante viagens de pesquisa à Antártica que fizeram medições diretas do oceano profundo. No entanto, somente após o desenvolvimento da tecnologia de satélite, na década de 2000, é que se encontrou um quarto local – o cabo Darnley – que também produzia a AFA [3, 4]. Isso foi depois confirmado por dados coletados de um navio de pesquisa [3].
A circulação no oceano global
Olhe de novo a Figura 1, que mostra a circulação oceânica global, às vezes chamada de correia transportadora oceânica. O movimento da água é impulsionado pelas diferentes densidades das massas de água do oceano. O afundamento da AFA na Antártica atua como uma bomba, conduzindo águas profundas e frias para o equador e água quente do equador para os polos. Essa circulação distribui o calor de forma mais uniforme, mantendo um clima ameno e estável em todo o mundo. Embora a AFA seja formada na Antártica, ela pode ser encontrada no fundo do oceano perto do equador. À medida que é transportada para o fundo de todos os oceanos, essa AFA fria vai subindo gradualmente em outras áreas do mundo. Em média, a correia transportadora oceânica leva cerca de mil a dois mil anos para completar o trajeto da água [6].
O futuro
Nos últimos cem anos, a temperatura da atmosfera tem aumentado devido à atividade humana, fenômeno conhecido como aquecimento global. O oceano absorveu 90% desse calor, e a camada inferior do oceano também está aquecendo [7].
Os cientistas revelaram que o aquecimento da camada inferior é causado por uma redução na formação de AFA [7]. O derretimento da camada de gelo da Antártica, a maior massa de gelo da Terra, também está fazendo com que os oceanos em torno daquele continente se refresquem, reduzindo a quantidade de sal e a densidade da água. Se o aquecimento global continuar, prevê-se que a produção de AFA diminuirá ainda mais, o que poderá enfraquecer e retardar a correia transportadora oceânica global. Se a circulação oceânica global diminuísse ou parasse, o clima da Terra mudaria e os ecossistemas oceânicos e terrestres seriam afetados.
Não sabemos exatamente o que aconteceria à circulação oceânica, ao clima e aos ecossistemas se a AFA parasse de se formar; por isso, os cientistas estão utilizando modelos computacionais do oceano e do clima para tentar prever mudanças futuras. Nossa compreensão dessa massa de água ainda não é completa e talvez você também possa um dia ajudar-nos a pesquisar e a explorar as incógnitas do fundo do mar.
Glossário
Densidade: Peso de alguma coisa em comparação com seu tamanho. Em termos de água, temperaturas mais frias e maior teor de sal tornam a água mais densa.
Água de Fundo da Antártica (AFA): Camada de água do oceano muito fria e salgada, o que a torna muito pesada/densa e a faz descer para o fundo do mar.
Gelo marinho: Gelo formado pela água do mar.
Polínia: Área de água aberta ou gelo fino cercada por gelo marinho e terra; produz grande quantidade de gelo marinho, que é empurrado para longe da costa e mantém a área aberta.
Observação por satélite: Coleta de imagens e outros dados sobre a Terra a partir de satélites lançados ao espaço e em órbita ao redor do planeta.
Circulação Oceânica Global: Movimento das massas de água do oceano ao redor do globo devido às diferenças na densidade dessas massas.
Referências
[1] Johnson, G. C. 2008. “Quantifying Antarctic bottom water and north Atlantic deep water volumes.” J. Geophys. Res. 113:C05027. DOI: 10.1029/2007JC004477.
[2] Morales Maqueda, M. A., Willmott, A. J. e Biggs, N. R. T. 2004. “Polynya dynamics: a review of observations and modeling.” Rev. Geophys. 42:RG1004. DOI: 10.1029/2002RG000116.
[3] Ohshima, K. I., Fukamachi, Y., Williams, G. D., Nihashi, S., Roquet, F., Kitade, Y. et al. 2013. “Antarctic Bottom Water production by intense sea-ice formation in the Cape Darnley polynya”. Nat. Geosci. 6:235–40. DOI: 10.1038/NGEO1738.
[4] Ohshima, K. I., Fukamachi, Y., Ito, M. K. Nakata, M., Simizu, D., Ono, K. et al. 2022. “Dominant frazil ice production in the Cape Darnley polynya leading to Antarctic Bottom Water formation.” Sci. Adv. 8:eadc9174. DOI: 10.1126/sciadv.adc9174.
[5] Nihashi, S. e Ohshima, K. I .2015. “Circumpolar mapping of Antarctic coastal polynyas and landfast sea ice: relationship and variability.” J. Climate. 28:3650 –70. DOI: 10.1175/JCLI-D-14-00369.
[6] Matsumoto, K. 2007. “Radiocarbon-based circulation age of the world oceans.” J. Geophys. Res. 112:C09004. DOI: 10.1029/2007JC004095.
[7] Rhein, M., Rintoul, S. R., Aoki, S., Campos, E., Chambers, D., Feely, R. A. et al. 2013. “Observations: ocean”, em Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, Stocker, T. F., Qin, D., Plattner, G.-K., Tignor, M., Allen, S. K., Boschung, J. et al. (orgs.). Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido e Nova York, NY, EUA, 1535.
Citação
Ohshima, K. I. e Blanckensee, S. (2023). “Driving the ocean ‘pump’ – formation of dense water in the Antarctic.” Front. Young Minds. 11:1057990. DOI: 10.3389/frym.2023.1057990.
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