Ideias fundamentais 22 de fevereiro de 2023, 14:11 22/02/2023

A incrível história da neurociência

Autores

Jovens revisores

Ilustração de um homem de pé no deserto com um cérebro na frente dele

Resumo

Embora os estudos sobre o cérebro remontem ao antigo Egito, durante séculos a humanidade não tinha certeza de qual era a parte do corpo associada à vida mental. Com o desenvolvimento da ciência moderna foi possível estabelecer os fundamentos da neurociência, permitindo que os estudiosos começassem a encontrar respostas básicas sobre o funcionamento desse órgão fascinante.

Tudo o que você sabe está em seu cérebro. Quanto às coisas que você não conhece, é possível perguntar à internet. No entanto, como é fácil imaginar, no passado não havia computadores nem internet. Pense nas pessoas que viveram há 3.500 anos, em lugares onde, em lugar dos edifícios modernos que vemos por aí, pirâmides se projetavam para o céu. A falta de explicações sobre como as coisas funcionavam levou os antigos a fazer descobertas e saciar sua curiosidade. 

Mas não pense que eles eram ignorantes: na verdade, ainda nos perguntamos como os egípcios conseguiram construir pirâmides usando sua própria tecnologia, bastante primitiva. Eles registraram o que sabiam em livros (chamados rolos de papiro) para que as futuras gerações se beneficiassem de seus conhecimentos adquiridos (Figura 1). 

Figura 1. Humor dos antigos egípcios [1]. 

Viver com mais segurança e saúde era uma prioridade para os antigos: quando machucavam a cabeça em batalha, costumavam curar suas feridas usando os remédios que haviam descoberto por conta própria. Alguns desses remédios foram registrados em um papiro agora conhecido como Edwin Smyth Papyrus [2]. Curiosamente, esta é a evidência mais antiga da palavra “cérebro” que temos na Terra e remonta a 3.500 anos (veja Figura 2). Use os hieróglifos para escrever a palavra CÉREBRO no espaço em branco! 

Figura 2. No alto, a palavra “cérebro” é escrita em hieróglifos. Embaixo, há um espaço em branco onde você pode tentar escrever a palavra CÉREBRO como os antigos egípcios faziam (disponível na internet!). 

No entanto, escrever a palavra “cérebro” em um papiro não solucionou todas as curiosidades e dúvidas que cercavam esse órgão. Há cerca de 2.500 anos, por exemplo, os antigos gregos se perguntavam se a mente e a alma estão no cérebro ou no coração. De acordo com os egípcios, o coração era o órgão mais importante do corpo, o único a ser mantido nos defuntos durante o processo de mumificação, enquanto o cérebro era usualmente removido pelo nariz. 

Dois mil anos atrás, isto é, quinhentos anos após o debate ter começado, o médico romano Galeno de Pérgamo estava certo de ter resolvido o problema: era o cérebro, não o coração, o centro da vida mental. No entanto, Galeno tinha de convencer as pessoas à sua volta de que sua descoberta era verdadeira. Isso não seria fácil, principalmente porque as pessoas estavam ainda aferradas às suas convicções e não eram de mente aberta. Cada neurocientista, exatamente como Galeno fez, precisa observar cuidadosamente a realidade, concentrar-se num ponto realmente interessante, antever seu funcionamento (hipótese), fazer uma predição, realizar experimentos e interpretar os dados recolhidos.

Desse modo, podem obter uma evidência convincente para ser compartilhada com outras pessoas. Essas etapas são os pilares do método científico, que é provavelmente a base da maneira geral de pensar, oficialmente introduzida só quinhentos anos atrás quando René Descartes e Thomas Willis demonstraram enfim que o cérebro tinha vencido o debate contra o coração. Um traço da longa disputa entre o cérebro e o coração está ainda presente na expressão que usamos: de fato, quando queremos nos referir à memorização de alguma coisa, dizemos “aprender de cor” (isto é, pelo coração), embora o mais correto, ao menos do ponto de vista anatômico, seria dizer “aprender pelo cérebro”. 

Após essa descoberta, novas questões de neurociência foram levantadas: o que é o cérebro e como ele é feito? As pesquisas do cérebro podem ser conduzidas por meio de inspiração e trabalho duro, erros e acertos, colaboração e inveja, além dos dados que podemos interpretar de diferentes maneiras. Por exemplo, cerca de cento e trinta anos atrás, o neurocientista italiano Camillo Golgi inventou um novo e surpreendente método para visualizar os neurônios, que são as células das quais o cérebro é feito. 

Esse método, chamado de “técnica de Golgi” em homenagem ao professor Golgi, permitiu aos pesquisadores ver o que aparece na Figura 3. As “manchas” pretas, identificadas pelas letras maiúsculas, representam o corpo dos neurônios, enquanto as linhas em branco são as conexões entre eles. Uma imagem similar foi também vista por seu colega espanhol Santiago Ramón y Cajal, que usou o método de Golgi, mas chegou a uma conclusão diferente. Com efeito, de acordo com Golgi, o cérebro era uma única rede constituída por neurônios grandes, enquanto Cajal via nele uma conexão de inúmeros neurônios pequenos. Quem você pensa que estava certo? 

Figura 3. – Foi isso que Golgi e Cajal viram. O que é? Uma única rede feita de neurônios grandes ou muitos neurônios pequenos interconectados? 

Na verdade, ambos estavam certos e errados. Golgi aplicou corretamente a técnica e Cajal interpretou corretamente os dados. Embora sentissem um pouco de ciúme um do outro, compartilharam o Prêmio Nobel em 1906. 

Uma vez estabelecida a estrutura básica do cérebro (básica porque muitas perguntas sobre ela ainda não foram respondidas), os neurocientistas passaram a estudar suas funções: como o cérebro funciona? Como nos permite ter sensações, emoções, pensar, falar e lembrar? Convém levar em conta que esse é um órgão complexo: pode haver mais neurônios em seu cérebro do que estrelas no firmamento e os neurônios  são capazes de se comunicar uns com os outros mais rapidamente que um jato. 

Para simplificar essa complexidade, equipes de neurocientistas no século 20 começaram a investigar não só o cérebro humano, mas também organismos mais simples. O estudo da lula gigante ensinou aos neurocientistas como os neurônios “conversam” uns com os outros no cérebro (a “conversa” que eles têm é chamada de sinapse); grandes lesmas marinhas nos ajudaram a descobrir como as memórias podem ser armazenadas e recuperadas; sapos e gatos explicaram como o mundo ao nosso redor pode ser visto; galinhas, camundongos e macacos mostraram como o sistema nervoso se desenvolve à medida que crescemos; águas-vivas e algas verdes nos permitiram visualizar partes do sistema nervoso. Além disso, por ser um organismo vivo, o cérebro envelhece e, infelizmente, adoece. Um dos maiores desafios hoje é a cura de doenças mentais, que atingem uma crescente parcela da população mundial. 

Então, para onde estamos indo hoje em dia? É difícil afirmar. A (neuro)ciência parece mais o jogo de ligar os pontos, sem uma solução dada, do que uma linha reta e bem definida. Na ciência, assim como nos esportes – e mais geralmente na vida –, quando você atinge os limites, tenta ultrapassá-los e alcançar novas fronteiras. Você pode achar que já sabemos tudo, mas eu estou feliz em contar-lhe que isso não é verdade. Sabemos somente uma parte de como o cérebro funciona. 

Não poderíamos dizer precisamente quantas coisas ainda estão por descobrir. O melhor ainda está à nossa espera? Provavelmente, sim. Em qualquer caso, faremos a descoberta juntos, vivendo e estudando. “De cor”, “pelo cérebro” e com paixão. E, acima de tudo, nos divertindo. 

Um glossário curto de neurociência para mentes jovens: 

Experimento: Procedimento a seguir para averiguar se uma hipótese é válida ou não, e, de forma mais geral, para responder a perguntas (científicas).

 Hieróglifos: Sistema de escrita usado pelos antigos egípcios que você pode ver na Figura 2. Curiosamente, suas letras são mais parecidas com imagens do que com as letras que estamos acostumados a ler hoje em dia! 

Hipótese: Uma explicação proposta para explicar algo que aconteceu; deve ser testada experimentalmente. 

Prêmio Nobel: Prêmio internacional concedido anualmente a cientistas de destaque. É considerado o prêmio de maior prestígio disponível no campo científico. 

Papiro: Material espesso, parecido com papel e produzido a partir de uma planta chamada… papiro! 

Sinapse: Um “papo” entre neurônios. Como funcionam as sinapses no cérebro? Nós temos algumas respostas, mas talvez você possa estudá-las e fazer outras descobertas incríveis! 

Agradecimentos

Muito obrigado ao Bruno Borgiani por ter desenhado a Figura 1. A Figura 2 foi tirada de http://faculty.washington.edu/chudler/papy.html e a Figura 3 de http://www.cs.utexas.edu/~novak/cs381k418.html

Referências

[1] Borgiani, B. 2006. “CS 381K Artificial Intelligence: Lecture Notes.” Disponível em: http://www.cs.utexas.edu/~novak/cs381k418.html

[2] Kandel, E. R., Schwartz, J. H. e Jessell, T. M. 2012. “Principles of Neural Science.” New York: McGraw-Hill. 

Citação

Sandrone, S. (2013). “The Amazing History of Neuroscience.” Front. Young Minds. 1:14. DOI:10.3389/frym.2013.00014.

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