A megafauna do Pleistoceno Tardio: quando animais enormes vagavam pela Terra
Autores
Luciano Varela, Martín Batallés, P. Sebastián Tambusso, Richard A. Fariña
Jovens revisores
Resumo
Não faz muito tempo que enormes mamíferos, pesando mais de 1.000 kg, existiam em praticamente todo o mundo. Chamamos esses gigantes de megafauna do Pleistoceno, porque viveram em um período chamado Pleistoceno e se extinguiram quase completamente há cerca de 11.700 anos. Esses mamíferos estiveram na Terra durante milhões de anos, e foram muito importantes para praticamente todos os ecossistemas terrestres. No entanto, os seres humanos e as mudanças climáticas tropicais diminuíram sua capacidade de sobreviver. Hoje, encontramos fósseis da megafauna do Pleistoceno no mundo inteiro, incluindo ossos, pelos, excrementos e até pegadas, que são escavados pelos cientistas para que conheçam mais sobre esses animais antigos e as causas de sua extinção. Seu estudo também fornece aos cientistas informações importantes, que os ajudam a compreender os riscos que os animais de hoje enfrentam em nosso mundo.
O que é a megafauna?
Você já deve ter aprendido que os dinossauros gigantes viveram entre 233 milhões e 66 milhões de anos atrás, e foram os maiores animais já surgidos na Terra. Mas você sabia que alguns dos mamíferos do passado também eram enormes? Todos esses animais grandes, incluindo os dinossauros e os mamíferos, são chamados de megafauna. Megafauna significa “animais de grande porte”, e, conforme alguns critérios, engloba animais cujo peso adulto mínimo varia, podendo ser a partir de 44 kg, segundo algumas definições, ou até acima de 1.000 kg, em outras.
Entre o maravilhoso conjunto de organismos vivos, a diversidade de mamíferos é fascinante (Figura 1). Desde pequenos roedores que vivem no Saara até as enormes baleias-azuis nos oceanos, hoje os mamíferos estão presentes em todos os continentes e até nos ambientes mais hostis. Em particular, mamíferos gigantes existiram durante períodos muito diferentes da história da Terra.
Alguns já eram bastante grandes há cinquenta milhões de anos, mas os exemplares maiores, comparáveis aos elefantes africanos, só percorreram o planeta no final de uma época conhecida como Eoceno, que ocorreu entre 41,2 milhões e 33, 9 milhões de anos atrás. No Oligoceno, que se deu entre cerca de 33,9 milhões e 23 milhões de anos atrás, grandes mamíferos podiam ser encontrados no mundo inteiro, incluindo o maior que já viveu na terra, um rinoceronte sem chifres de vinte toneladas. No entanto, foi durante o período Pleistoceno, entre 2,58 millhões e 11.700 anos atrás, que a era dos mamíferos gigantes esteve no auge, com muitas espécies vivendo em todos os continentes [1].
Os animais podem se tornar maiores durante sua evolução por muitas razões, e os cientistas propuseram diversas hipóteses para explicar. Uma sustenta que as linhagens evolucionárias aumentam o tamanho do corpo durante o período em que evoluem. Outros propuseram que, nas ilhas, as espécies menores tendem a ficar maiores, enquanto as maiores tendem a ficar menores. Outra hipótese sugere que as populações e espécies encontradas em regiões mais frias têm tamanhos corporais maiores.
Os cientistas também descobriram alguns motivos pelos quais é vantajoso para um animal ser grande. Eles observaram que animais maiores geralmente apresentam mais adaptaçãodurante períodos de estabilidade: por exemplo, quando o clima permanece relativamente inalterado durante longos períodos de tempo. Animais grandes podem percorrer distâncias maiores em busca de comida e têm menos probabilidade de se tornar alimento de predadores. Animais grandes também são menos afetados pelas mudanças de temperatura, uma vez que seus corpos volumosos conseguem manter com mais eficiência o nível de calor interno.
Onde e como viviam os mamíferos da megafauna?
Durante a maior parte dos últimos trinta milhões de anos, os grandes mamíferos foram partes vitais de quase todos os ecossistemas terrestres. Fósseis de espécies gigantes relacionadas a muitos mamíferos existentes são encontrados em todo o mundo. Por exemplo, váriosmarsupiais gigantes aparentados com vombates e coalas eram comuns em toda a Austrália. Na Europa e na Ásia, um cervo gigante percorria o continente ao lado de mamutes, leões-das-cavernas, ursos-das-cavernas e hienas-das- cavernas.
Na América do Sul, uma mistura de grandes mamíferos nativos, como xenartros e notoungulados (veja as imagens da preguiça-terrestre, do gliptodonte e do toxodonte na Figura 2), coexistiu com espécies norte-americanas recém-chegadas. Essa mistura ocorreu após o fechamento do istmo do Panamá, que seu entre cerca de 10 milhões e 5 milhões de anos atrás, formando uma das mais surpreendentes variedades de mamíferos gigantes do mundo – com mais de vinte espécies que pesavam mais de 500 kg [3]. Esses mamíferos gigantes tiveram papéis importantes no funcionamento saudável do ecossistema, como a redistribuição de nutrientes por meio de suas fezes e a dispersão de sementes.
No entanto, ser grande traz sérios desafios. Por exemplo, mamíferos gigantes precisavam de muita comida para sobreviver. Eles não conseguiam produzir muitos descendentes porque só depois de vários anos se tornavam adultos e capazes de se reproduzir, e o período de gestação era bastante longo. Devido a essas dificuldades, os grandes mamíferos ficavam mais vulneráveis às mudanças em seus habitats; além disso, suas populações decrescentes necessitavam de muito tempo e muitos recursos para manter ou recuperar seu número.
Quando e por que a maioria dos grandes mamíferos se extinguiu?
Embora os mamíferos gigantes fossem bem-sucedidos durante milhões de anos, agora praticamente não existem mais, exceto na África e regiões do sul da Ásia. Mas como isso aconteceu? Um grande evento de extinção que assinalou o fim da maior parte da megafauna ocorreu no final do Pleistoceno, era geológica anterior à nossa (chamada Holoceno), há cerca de 11.700 anos. Antes dessa época, muitas espécies gigantes eram comuns na Europa, Ásia, Austrália, América do Norte e América do Sul. O motivo de sua rápida extinção permanece um tema de pesquisa.
Entre 23 milhões e 5 milhões de anos, durante a última parte do Mioceno, o clima se tornou cada vez mais frio, com períodos de congelamento (períodos glaciais) intercalados com períodos mais quentes (períodos interglaciais). Assim, uma hipótese propõe que, quando os períodos mais quentes se tornaram mais comuns e estáveis em todo o mundo, as espécies da megafauna estavam bem adaptadas a ambientes frios e foram afetadas negativamente pelas novas condições de temperatura e pelas mudanças na flora que essas condições provocaram.
Desse modo, um clima mais quente talvez haja tornado a megafauna mais susceptível à extinção, uma vez que as populações devem ter tido dificuldades para encontrar alimentos suficientes ou habitats adequados. Outra hipótese propõe que a extinção da maioria da megafauna coincidiu com a chegada dos primeiros humanos modernos a cada continente, pois os humanos caçavam esses animais.
Pesquisas recentes mostraram que as causas da extinção da megafauna são complexas. A combinação de mudança climática natural e atividades humanas teve impactos diferentes em diferentes partes do mundo, mas ambas, provavelmente, desempenharam um papel importante na extinção desses animais gigantes [4]. Na África, onde os grandes mamíferos evoluíram junto com os humanos, muitas espécies da megafauna de mamíferos não foram afetadas pela extinção no final do Pleistoceno. No entanto, várias espécies foram extintas ou ameaçadas de extinção durante os últimos séculos por causa dos humanos modernos.
Como estudamos a megafauna mamífera extinta?
Os cientistas usam várias técnicas para estudar a megafauna mamífera extinta. A maior parte do tempo, estudam os fósseis. Em alguns casos, os humanos que viram esses enormes animais nos deixaram seus desenhos, em paredes de cavernas ou em outros lugares. Os humanos antigos também usavam ossos desses animais para fabricar ferramentas. A partir dos fósseis, os cientistas podem levantar hipóteses de como uma espécie se parecia e se movia, quanto os animais pesavam, o que comiam, se viviam em rebanhos e muitas outras coisas.
Em geral, os fósseis da megafauna do Pleistoceno estão bem preservados porque foram extintos muito “recentemente” em comparação com os dinossauros, que desapareceram há 66 milhões de anos. Assim, a maioria dos ossos está em boas condições, preservando pequenos detalhes e até traços de DNA e outras moléculas [5]. Os cientistas conhecem os esqueletos completos de praticamente toda a megafauna extinta do Pleistoceno e, em alguns casos, outras partes dos animais foram preservadas. Em lugares gelados, como a Sibéria no norte da Rússia, mastodontes mumificados com pele, pelos e até órgãos internos foram encontrados. Em cavernas no sul do Chile, descobriram-se restos de pelos, garras e fezes de uma preguiça gigante. As pegadas deixadas por esses animais também estavam fossilizadas, como as de uma preguiça-terrestre gigante encontrada em uma praia da Argentina.
Quando os cientistas procuram fósseis da megafauna, registram todo o processo, anotando tudo o que encontram, onde acharam os fósseis e quais são as condições locais. Eles tiram fotos, medem os fósseis e as profundidades a que foram encontrados, fazem desenhos e anotam tudo. Esses registros são cruciais para sabermos quantos anos têm os fósseis, como os animais morreram, se os ossos se deterioraram ou foram movidos do lugar. Depois que os fósseis são retirados do solo e levados para o laboratório, devem ser tratados com muito cuidado e preservados para que possam ser estudados por outros cientistas no futuro ou exibidos em museus. Pode ser necessário remover a terra e a areia dos fósseis, secá-los se estiverem muito úmidos ou reconstruí-los se apresentarem rachaduras ou fraturas (Figura 3).
Esse processo, chamado de preparação, é uma tarefa que exige ferramentas especiais e produtos como pinças pequenas, agulhas, escovas e colas – e, acima de tudo, muita paciência e observação. Depois, os fósseis devem ser catalogados, isto é, recebem um número que os identifique para serem encontrados entre os outros fósseis na coleção, junto com todas as informações coletadas sobre eles. Além disso, os especialistas devem tentar manter os fósseis nas melhores condições possíveis, com o menor número de mudanças de temperatura e umidade. O mesmo se aplica a todas as anotações, fotografias e desenhos.
Conservar os fósseis e as anotações é tão essencial quanto escavar, pois só guardando-os conseguiremos responder às perguntas sobre esses animais – mesmo as que ainda nem foram cogitadas. Os cientistas também fazem modelos 3D de fósseis, conforme você pode ver aqui.
Por que é importante estudar a megafauna extinta?
Estudar a megafauna extinta é excitante porque podemos descobrir coisas maravilhosas sobre os animais estranhos que viveram no nosso planeta há milhares de anos. O estudo também nos dá informações importantes sobre como os animais foram extintos e isso pode nos ajudar a entender os riscos que a fauna está correndo atualmente. Se esses gigantes do passado desapareceram devido a uma mudança climática ou aos nossos antepassados humanos, sua extinção deve ser mais um motivo para questionarmos nosso papel como a espécie dominante no planeta.
Ao contrário de nossos antepassados, certamente temos informações e ferramentas para tomar decisões mais sábias.
Glossário
Mamíferos: Grupo de animais caracterizados por terem glândulas mamárias produtoras de leite para alimentar seus filhotes, pelagem e três ossos do ouvido médio.
Megafauna: Significa “animais grandes” e se refere aos animais que têm um peso adulto acima de 44 kg ou 1.000 kg (dependendo do critério adotado).
Linhagens evolucionárias: Uma linhagem evolucionária é a sequência de espécies ou populações conectadas por uma linha contínua de descendentes.
População: Grupo de indivíduos da mesma espécie que vivem em um mesmo lugar ao mesmo tempo.
Adaptação: Capacidade de um determinado grupo de indivíduos (população) de gerar descendência.
Marsupiais: Mamíferos, encontrados principalmente na Austrália, que têm um tipo especial de bolsa onde carregam e criam seus filhotes. Alguns marsupiais bem conhecidos são os cangurus, coalas e gambás.
Período de gestação: Tempo de desenvolvimento de um embrião dentro dos animais que dão à luz filhotes “vivos” (como os mamíferos).
Era geológica: Maneira de dividir a história em partes com base em quando certas coisas aconteceram, como as extinções. Isso nos ajuda a entender como as coisas mudaram durante um período bastante longo.
Referências
[1] Fariña, R. A., Vizcaino, S. F. e De Iuliis, G. 2013. Megafauna: Giant Beasts of Pleistocene South America. Bloomington, IN: Indiana University Press.
[2] Darwin, C. 1933. Charles Darwin’s Diary of the Voyage of H. M. S. “Beagle”. Nova York, NY: Macmillan.
[3] Croft, D. A. e Simeonovski, V. 2016. Horned Armadillos and Rafting Monkeys. Bloomington, IN: Indiana University Press.
[4] Koch, P. L. e Barnosky, A. D. 2006. “Late quaternary extinctions: state of the debate.” Annu. Rev. Ecol. Evol. Syst. 37:215–50.
[5] Baleka, S., Varela, L., Tambusso, P. S., Paijmans, J. L., Mothé, D., Stafford, T. W. et al. 2022. “Revisiting proboscidean phylogeny and evolution through total evidence and palaeogenetic analyses including Notiomastodon ancient DNA.” iScience 25:103559. DOI: 10.1016/j.isci.2021.103559.
Citação
Valera, L., Batallés, M., Tambusso, P. S. e Fariña, R. A. (2024). “The late Pleistocene megafauna: huge animals that used to roam the Earth.” Front. Young Minds. 12:1225865. DOI: 10.3389/frym.2024.1225865.
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