Ideias fundamentais Química e materiais 11 de junho de 2025, 15:22 11/06/2025

A “receita” para a cor perfeita

Autores

Jovens revisores

Resumo

A natureza é a fonte de muitas cores fascinantes, que têm sido objeto de extensas pesquisas por biólogos, químicos, físicos e outros cientistas. Sob o microscópio, os cientistas descobriram algo interessante: algumas cores surgem de produtos químicos, enquanto outras resultam da interação da luz com estruturas minúsculas. O segundo tipo possui propriedades incríveis, principalmente a capacidade de permanecerem iguais, para que suas cores não desbotem com o tempo. Para os cientistas, é crucial que se entenda como esse processo ocorre para que possam replicar essas cores em seus laboratórios. Ao formularem esse conhecimento, eles podem utilizá-lo para criar novos materiais que tenham qualquer cor do arco-íris, apenas brincando com suas estruturas.

Você já tentou jogar Twister[1]  em frente a uma fogueira ou em uma sala escura? Se sim, você deve ter notado que é difícil descobrir qual círculo é azul e qual é verde… enquanto fica de cabeça para baixo com o pé esquerdo e a mão direita, tentando decidir onde colocar a mão esquerda em seguida! O que faz com que nossos olhos não vejam mais as cores quando há pouca luz? Para responder a essa pergunta – e saber como vencer durante uma noite de jogos à luz do fogo – devemos primeiro entender o que dá às coisas uma determinada cor.

Qual é a “receita” da cor?

Todos sabemos que podemos misturar tinta amarela e azul para obter verde, amarelo e vermelho para obter laranja, ou vermelho e azul para obter roxo. Misturar todas as cores cria uma cor marrom feia. Como funciona essa mistura de cores? As tintas da sua caixa de tinta são uma mistura concentrada de pigmentos, moléculas que apresentam uma cor específica. Quando misturamos essas tintas, combinamos suas moléculas, resultando em uma cor que é a soma dos matizes individuais. Mas há um problema: para ver a cor, precisamos de luz. A luz é, portanto, um ingrediente crucial da cor.

A luz solar contém todas as cores (Figura 1A). Podemos testemunhar isso quando olhamos para um arco-íris após uma chuva – as gotas de água dividem os raios de luz solar que as atingem em todas as cores diferentes da luz. Qual é a diferença entre luz vermelha e luz azul? Quando a luz se move, não o faz em linha reta. Ele se move para cima e para baixo, formando uma onda, e a distância entre o pico de cada onda permanece constante. Esse comprimento é chamado de comprimento de onda: o comprimento do topo (ou base) de uma onda até o topo (ou base) da próxima. Cada comprimento de onda de luz corresponde a uma cor do arco-íris, e cada cor de luz tem um comprimento de onda distinto e específico (Figura 1A).

Figura 1 – (A) Uma gota de água decompõe a luz solar nFigura 1 – (A) Uma gota de água decompõe a luz solar nas diferentes cores que ela contém, cada uma com seus comprimentos de onda específicos.

(B) Os pigmentos interagem com a luz para criar suas cores. O branco reflete todas as cores e não absorve nenhuma; o preto não reflete nenhuma cor e absorve tudo; o vermelho absorve o verde e reflete todos os outros, que se somam para formar o vermelho. (C) Interferência em uma bolha de sabão. Quando duas ondas “combinam” e se somam, vemos uma cor mais intensa (interferência construtiva). Quando duas ondas se cancelam, não podemos ver a cor correspondente (interferência destrutiva).as diferentes cores que ela contém, cada uma com seus comprimentos de onda específicos.

Os pigmentos interagem com a luz e sua interação é percebida como cor pelos nossos olhos. Dependendo da composição do pigmento, ele absorve certos comprimentos de onda de luz e reflete outros. O resultado? Como, na luz refletida, faltam as cores que foram absorvidas, o material irá se mostrar com a cor complementar àquela que é mais fortemente absorvida (Figura 1B). Por exemplo, os materiais que vemos como vermelhos na verdade absorvem a cor verde e refletem todas as outras, que juntas dão origem à aparência vermelha. Existem dois extremos. Os pigmentos brancos não absorvem nenhuma cor e, em vez disso, refletem todos os comprimentos de onda. Os pigmentos pretos absorvem todas as cores, não deixando nenhuma para desfrutarmos.

O especial fora do cardápio

Nem todas as cores da natureza se devem à presença de pigmentos. As cores observadas nas asas brilhantes das borboletas azuis, nas belas caudas dos pavões e nos beija-flores provêm de um fenômeno diferente. Em suas asas e penas, essas criaturas possuem pequenas estruturas que interagem com a luz solar para criar suas cores.

Isto pode parecer muito complexo, mas não é. É o mesmo fenômeno que você observa numa bolha de sabão. Para fazer uma bolha de sabão, você começa com uma solução de sabão transparente e obtém um material muito colorido e iridescente que muda de cor dependendo da direção de onde olhamos. (Figura 1C).

Curiosamente, se observar atentamente uma bolha de sabão, verá que as cores predominantes mudam de amarelo/avermelhado para azulado ao longo do tempo. Pouco antes de estourar, ela torna-se quase transparente. Quando sopramos uma bolha, criamos uma camada muito fina de água com sabão cheia de ar. Quando um material é tão fino quanto a casca de uma bolha de sabão, ele pode refletir cor, dependendo da sua espessura. E adivinhe: a espessura muda com o tempo e, junto com ela, a cor da bolha também muda. Quando a camada fica muito fina, nenhuma cor é observada. Como uma simples camada de sabão pode fazer isso? Ela aproveita o comportamento ondulatório da luz.

As ondas de luz se comportam de maneira muito semelhante às ondas que aparecem quando você joga uma pedra em um lago calmo. As ondas podem se anular ou se somar, dependendo de como elas se encontram e de quais são seus comprimentos de onda. Se somadas, ficam mais fortes e aumentam a intensidade de uma cor específica. Se elas se cancelarem, a cor desaparece. Este fenômeno é denominado interferência de ondas (Figura 1C). Quando as ondas se somam, isso é chamado de interferência construtiva – quando o topo de duas ondas se sobrepõem e a onda fica mais forte; e quando as ondas se cancelam, isso é chamado de interferência destrutiva – quando o topo de uma onda se sobrepõe ao fundo de outra e a onda fica mais fraca.

O que isso significa para nossa bolha de sabão? A delicada película de água com sabão que compõe a bolha tem duas superfícies – a do lado de fora da bolha e a do lado de dentro. As ondas de luz são refletidas em ambas as superfícies (Figura 1C). Qualquer onda com um comprimento de onda que simplesmente “encaixe” na película sai em sintonia com uma onda que é refletida do lado de fora da bolha. Diz-se que essas ondas estão em fase. Tais ondas se sobrepõem e produzem interferência construtiva, o que realça fortemente suas cores.

Com o passar do tempo, a espessura da película de sabão que cria a bolha fica gradualmente mais fina. Isso significa que outros comprimentos de onda de luz vão “encaixar” perfeitamente na película fina e, portanto, outras cores serão realçadas. Se você observar atentamente, verá que a bolha de sabão eventualmente se torna transparente – agora é tão fina que mesmo o menor comprimento de onda de uma cor visível não cabe na película fina, então nenhuma cor é mais realçada.

A natureza usa o mesmo princípio para criar as cores iridescentes especiais encontradas em borboletas, pavões e outros animais. Se olharmos para a asa de uma borboleta Morpho azul ao microscópio, veremos muitas escamas minúsculas (Figura 2). Cada escala parece ter cristas no topo. Se ampliarmos ainda mais, podemos ver que cada cume tem o formato de uma pequena árvore de Natal, cuja distância dos galhos é semelhante ao comprimento de onda da luz azul. Quando a luz interage com um desses ramos, ela é refletida de maneira semelhante ao que acontece dentro de uma bolha de sabão. Como a distância entre os ramos é constante, apenas o comprimento de onda correspondente à cor azul terá interferência construtiva. É assim que a borboleta fica azul sem usar nenhum pigmento!

Figura 2 – (A) Asa de borboleta Morpho vista em duas ampliações diferentes.

Você pode ver as múltiplas escalas que compõem a asa e a estrutura no topo de cada uma das escalas. (B) A luz interage com a estrutura da asa da borboleta dando origem à sua cor azul. Como a distância entre os ramos é específica e constante, o comprimento de onda correspondente à luz azul torna-se mais forte (interferência construtiva) e os demais se cancelam (interferência destrutiva).

A estratégia utilizada pela borboleta oferece uma vantagem significativa sobre os pigmentos. Você já percebeu como as fotos antigas de família desaparecem? Suas cores são feitas de pigmentos, e os pigmentos se decompõem quando ficam muito tempo expostos ao sol. Nas fotos, isso é chamado de branqueamento de pigmento e faz com que a imagem desapareça. Porém, a borboleta mantém sua cor vibrante enquanto sua estrutura não for danificada. O que é ainda mais notável é que existem animais fossilizados com milhões de anos que ainda têm uma aparência brilhante e colorida [1].

Fácil como fazer um sanduíche

O truque fascinante usado pela borboleta chamou a atenção dos cientistas – eles estão sempre à procura de estratégias novas e inteligentes para produzir novos materiais nos seus laboratórios. O uso de estratégias encontradas na natureza para desenvolver novos materiais e tecnologias é chamado de design bioinspirado, que é a arte de escolher uma propriedade do mundo natural, analisar cuidadosamente sua maneira de funcionar e recriá-la em laboratório para fazer um material que imite a propriedade desejada. Mas como produzir a mesma estrutura da asa da borboleta, com um material diferente no laboratório?

Os cientistas podem criar materiais colocando uma camada sobre a outra e, desde que consigam controlar a espessura e a composição da camada, podem criar estruturas coloridas sem usar pigmentos. Isto é um pouco como fazer um sanduíche de pasta de amendoim e geleia (Figura 3A). Para fazer o sanduíche, comece com uma fatia de pão e espalhe com cuidado uma camada de pasta de amendoim e depois uma camada de geleia, certificando-se de que fique o mais uniforme possível, para obter a proporção perfeita em cada mordida. No laboratório, os cientistas podem criar os materiais estruturais coloridos mais simples com apenas algumas camadas de materiais incolores, desde que os materiais tenham uma espessura semelhante ao comprimento de onda da luz colorida. Ao fazer isso, eles criam um material colorido que não branqueia (Figura 3B).

Figura 3 – (A) Desenho de um sanduíche.

(B) Uma imagem microscópica de um material em camadas. (C) Uma imagem microscópica de um material à base de partículas. Ambos os materiais consistem em camadas, como um sanduíche, com espessura semelhante ao comprimento de onda da luz colorida – por isso se tornam coloridos. As inserções no canto superior esquerdo de cada imagem mostram um esquema da estrutura, e fotografias dos materiais, mostrando suas cores, podem ser vistas no canto superior direito.

Os cientistas podem então desenvolver estes princípios para criar materiais para aplicações interessantes. Os pesquisadores aprenderam com os camaleões a fazer materiais que mudam de cor quando esticados [2]. Para isso, eles tornaram elásticas as camadas do sanduíche. Quando puxam o material, as camadas ficam mais finas. Como você já aprendeu com a bolha de sabão, a cor agora muda. Essa técnica pode ser usada para criar uma camisa que brilha em cores diferentes quando você alonga os músculos, mas também pode informar aos médicos se um curativo foi aplicado corretamente em um paciente [3].

Estes são apenas alguns exemplos do que pode ser alcançado pela imitação das cores da natureza, mas outras aplicações estão sendo desenvolvidas. Por exemplo, esta tecnologia pode ser utilizada para revelar gases tóxicos no ar ou produtos químicos em líquidos, criando um material que muda de cor quando existe um perigo.

Embora tecnologias semelhantes possam ser alcançadas com pigmentos, eles desbotarão com o uso e não resistirão ao teste do tempo. Portanto, inspirar-se na natureza ajudará os cientistas a melhorar muitos materiais importantes. Na verdade, a natureza é a melhor fonte quando se trata de encontrar novas ideias para criar novos materiais. A natureza é especializada em cores extravagantes e únicas e, se os cientistas conseguirem uma cópia de suas “receitas secretas”, poderão colocá-las em seus “livros de receitas” e usá-las para desenvolver estratégias originais para incluir em seu próprio “cardápio” de materiais.

Glossário

Pigmentos: Moléculas que apresentam uma cor específica.

Comprimento de onda: O comprimento do topo (ou base) de uma onda até o topo (ou base) da próxima. Cada comprimento de onda de luz corresponde a uma cor do arco-íris.

Iridescente: Um material que muda de cor dependendo da direção de onde olhamos.

Interferência Construtiva: Quando o topo de duas ondas se sobrepõem e a onda fica mais forte.

Interferência Destrutiva: Quando o topo de uma onda se sobrepõe ao fundo de outra e a onda fica mais fraca.

Design Bioinspirado: A arte de escolher uma propriedade do mundo natural, analisar cuidadosamente a forma como ela funciona e recriá-la em laboratório para fazer um material que imite a propriedade desejada.

Referências

[1] McNamara, M. E., Briggs, D. E. G., Orr, P. J., Noh, H., Cao, H. 2012. The original colours of fossil beetles. Proc. R. Soc. B 279:1114–1121. doi: 10.1098/rspb.2011.1677

[2] Schäfer, C. G., Winter, T., Heidt, S., Dietz, C., Ding, T., Baumberg, J. J., et al. 2015. Smart polymer inverse-opal photonic crystal films by melt-shear organization for hybrid core–shell architectures. J. Mater. Chem. C 3:2204–2214. doi: 10.1039/C4TC02788D

[3] Sandt, J. D., Moudio, M., Clark, J. K., Hardin, J., Argenti, C., Carty, M., et al. 2018. Stretchable optomechanical fiber sensors for pressure determination in compressive medical textiles. Adv. Healthcare Mater. 7:1800293. doi: 10.1002/adhm.201800293

Citação

Magnabosco G, Barbosa S, Andrade P, Carneiro M e Vogel N (2024) The “Recipe” for the Perfect Color. Front. Young Minds. 12:1432589. doi: 10.3389/frym.2024.1432589

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