Economia Matemática 11 de dezembro de 2024, 10:55 11/12/2024

A teoria dos jogos – que não é apenas sobre jogos

Autores

Jovens revisores

Ilustração de Robert Aumann, ganhador do Prêmio Nobel, explicando conceitos em um quadro. O quadro contém desenhos de pessoas, ônibus, relógios e aperto de mãos conectados por linhas, representando relações ou interações ligadas à teoria dos jogos.

Resumo

A teoria dos jogos não é sobre jogos. É um campo científico que usa a lógica para entender como as decisões devem ser tomadas levando-se em conta as escolhas dos outros. Apesar de seu nome, ela aborda situações sérias da vida real como negócios, política e até guerra. Este artigo explica o que é a teoria dos jogos e como ela pode ser usada em muitos cenários do mundo real. Explicarei como a teoria dos jogos desvenda as raízes da cooperação e por que seu estudo é importante para reduzir a hostilidade. Concluiremos com um método elegante de teoria dos jogos que você poderá aplicar à sua vida cotidiana.

O professor Robert Aumann ganhou o prêmio Nobel de Economia em 2005, juntamente com o professor Thomas Schelling, por ter ampliado nossa compreensão sobre conflito e cooperação por meio da análise da teoria dos jogos. 

Pegar o ônibus mais tarde ou mais cedo?

Eu estudo o campo da ciência chamado de “teoria dos jogos” – que, na verdade, não é sobre jogos. Para explicar o que a teoria de jogos é, vamos começar com alguns exemplos. 

Suponha que seu hobby seja colecionar autógrafos de celebridades. Um dia, você recebe a seguinte mensagem de Chris, um lendário colecionador de autógrafos de uma cidade vizinha: “Aos 85 anos, decidi encerrar meu hobby de colecionar autógrafos. Darei minha coleção inteira para quem chegar primeiro em minha casa, a partir da meia-noite de hoje. Se várias pessoas chegarem ao mesmo tempo, dividirei a coleção igualmente entre todas elas”. 

Você sabe que ninguém na cidade de Chris está interessado em autógrafos, mas há uma colecionadora, Beth, que mora em sua cidade. Dois ônibus partem da sua cidade para a de Chris, um às 5 h da manhã e o outro às 9 h da manhã. Qual ônibus você deve pegar? 

Se pensar bem, deverá pegar o das 5 h, é claro. O raciocínio é o seguinte. 

* Se Beth pegar o ônibus das 9 h, então você deverá pegar o das 5 h, ganhando assim a coleção inteira. 

* Se, por outro lado, Beth decidir pegar o das 5 h, então você deverá fazer o mesmo, para obter pelo menos metade da coleção (se pegar o das 9 h, não ganhará nada). 

Assim, não importa o que Beth faça, você deverá pegar o ônibus das 5 h da manhã. 

Mas o mesmo raciocínio também é verdadeiro para Beth. Então, vocês dois se encontram, com os olhos inchados, no ônibus das 5 h da manhã a caminho da divisão da coleção. É evidente que seria melhor para ambos se pegassem o ônibus das 9 h – vocês dormiriam mais e ganhariam o mesmo número de autógrafos. Mas esse resultado desejável não é possível! Se cada um de vocês se comportar racionalmente – ou seja, fizer o que é melhor para si –, pegar o ônibus das 5 h da manhã e dividir a coleção é a única coisa razoável a fazer. 

Agora, suponha que há mais um ônibus, partindo às 2 h da manhã. Qual ônibus você deveria pegar? Diferentemente do caso anterior, sua melhor escolha depende do que Beth fizer: 

[A] Se Beth pegar o das 9 h, então sua melhor escolha será pegar o das 5 h.

[B] Se Beth pegar o das 5 h ou o das 2 h, então sua melhor escolha será pegar o das 2 h. 

É razoável supor que Beth pegará o ônibus das 9 h da manhã? Bem, sabendo que Beth é uma garota esperta, você espera que ela siga o mesmo raciocínio que o seu. Ela não pegará o ônibus das 9 h da manhã – exatamente como você. Portanto, o caso [b] se impõe e sua melhor escolha é o ônibus das 2 h da manhã. O mesmo vale para Beth. Então, mais uma vez, você e Beth se encontram sonolentos no ônibus das 2 h da manhã, conseguindo exatamente o mesmo número de autógrafos que teriam conseguido se tivessem pegado o ônibus das 9 h! 

No exemplo acima, você percebeu como o raciocínio lógico foi usado para tomar a melhor decisão? Pois esse tipo de raciocínio é que a teoria dos jogos aborda. A teoria dos jogos é a análise lógica da tomada de decisões, especificamente em situações que envolvam múltiplas partes com interesses possivelmente conflitantes. A teoria dos jogos emprega o raciocínio lógico para analisar tais situações. 

Outro exemplo de raciocínio lógico

Aqui está um outro exemplo. Suponha que você e Beth joguem um jogo com as seguintes regras: primeiro, cada um escreve, sem o outro ver, o número 1 ou o número 2 em um pedaço de papel. Depois, ambos revelam suas escolhas. Se Beth escreveu 1, então ela pagará a você a quantidade que você escreveu (em dólares). Se Beth escreveu 2, então você pagará a ela a quantidade que você escreveu. O que você deve fazer? Aqui está uma tabela das possíveis escolhas e resultados (Tabela 1): 

Tabela 1. Regras do jogo de raciocínio lógico. 

Escolher 2 será melhor se Beth escolher 1, enquanto escolher 1 é melhor se Beth escolher 2. Então, para determinar sua melhor jogada, você deve tentar descobrir o que Beth fará – mas isso é fácil. Para Beth, escolher 2 é claramente a melhor escolha, independentemente do que você fizer. Se Beth for inteligente, ela sempre jogará 2, o que significa que você deverá jogar 1. Assim como no exemplo do ônibus, o raciocínio lógico foi usado para analisar a situação e determinar a melhor jogada. Você e Beth empregaram a “teoria dos jogos” – a análise lógica da tomada de decisões em situações que envolvem múltiplas partes. É importante ressaltar que a teoria dos jogos analisa tais situações a partir de uma perspectiva puramente lógica, sem emoções e psicologia. Ela tenta encontrar a decisão mais lógica

Se não são jogos, então o que são?

O nome “teoria dos jogos” é enganoso. A teoria dos jogos não trata principalmente de jogos (embora também possa ser aplicada a eles). Em vez disso, considera qualquer interação entre múltiplas partes com interesses conflitantes e usa o raciocínio lógico (e a matemática) para analisar tais interações. 

A teoria dos jogos pode ser aplicada a situações muito mais sérias do que obter uma coleção de autógrafos, envolvendo negócios, política e até mesmo guerra. 

Considere dois países vizinhos que são hostis entre si. Poderemos chamá-los de Astão e Beestão. Ambos os países mantêm exércitos ao longo da fronteira comum, posicionados perto um do outro, em lados opostos. Vem a noite, soldados de ambos os exércitos entram em suas barracas, esperando por uma boa noite de sono, exceto alguns que ficam de guarda. Mas eis que o comandante do Astão diz a seu subcomandante: “Tenho uma ideia. Já que o exército do Beestão vai dormir, esta é nossa chance de atacá-lo. Usando todas as nossas tropas, poderemos facilmente superar seus guardas e atacar os outros de surpresa enquanto dormem. Acorde todos os nossos soldados. Para a fronteira!” 

O subcomandante, querendo dormir, responde: “Senhor, mas se o exército do Beestão não for dormir? Então, não seremos capazes de derrotá-lo”. Ao que o comandante responde: “Sendo esse o caso, certamente precisaremos ir para a fronteira ou então eles nos atacarão!” Com esse argumento totalmente racional, o exército inteiro do Astão segue para a fronteira, pronto para a batalha. 

Mas o mesmo argumento racional também é verdadeiro para a unidade do Beestão. Então ela também segue para a fronteira, onde as duas se encontram para um confronto inevitável e brutal. Que desperdício! 

Infelizmente, a mesma lógica parece se aplicar todas as noites…então as duas unidades estão destinadas a confrontos sem fim, noite após noite? A teoria dos jogos nos diz que lutar sem parar é o único comportamento racional? 

Felizmente, a resposta é não. Na verdade, a análise avançada da teoria dos jogos no diz o oposto: em tais situações, o raciocínio lógico leva ao aumento da cooperação, não ao confronto. 

Como pode ser isso? Há alguma falha na lógica do comandante? Sim e não. A lógica do comandante é de fato irrefutável se cada noite for considerada individualmente. Mas, ao considerar a natureza repetida do conflito, noite após noite, a lógica muda. Como assim? 

Considere novamente a conversa entre o comandante e seu subcomandante. O comandante quer atacar, mas agora o subcomandante diz: “Senhor, ontem eu estava caminhando pela fronteira e avistei o subcomandante do exército do Beestão. Ele gritou por cima da cerca que seus homens planejavam dormir à noite; e me avisou que, se os atacássemos enquanto dormiam, eles retaliariam e nos atacariam todas as noites dali por diante! Gritei de volta que o mesmo era verdadeiro para nós”. 

Atacar hoje à noite ainda é a atitude mais lógica? Provavelmente, não. Ainda que um ataque propicie ao atacante alguma vantagem a curto prazo, essa vantagem será ofuscada pela perda geral criada por batalhas infrutíferas que ocorrerão noite após noite. Isso é verdadeiro para ambos os lados! Assim, ambas as unidades escolhem não atacar e desfrutar de uma boa noite de sono. A mesma coisa acontece na noite seguinte, na outra, na outra… 

Você pode ver que a interação repetida muda completamente a situação! Enquanto o confronto é o movimento lógico em casos únicos, a cooperação é o comportamento lógico quando as interações acontecem repetidamente. A teoria dos jogos nos ensina que a cooperação é frequentemente o comportamento mais lógico em interações repetidas, mesmo entre adversários! Isso significa que, de acordo com a teoria dos jogos, a cooperação é quase sempre a melhor ação possível, ainda que você só se importe consigo mesmo. 

Como tornar o mundo um lugar melhor

Por que estou enfatizando esse ponto? Porque foi graças a ele que ganhei meu prêmio Nobel! 

Nas palavras do comitê do prêmio: 

“Robert Aummann recebeu o prêmio Nobel de Ciências Econômicas por sua teoria de jogos repetidos, que aprimora nossa compreensão dos pré-requisitos para a cooperação”. 

Então, o comitê do Nobel acha essa ideia – de que a cooperação resulta da interação repetida – suficientemente importante para merecer o prêmio! 

Se você pensar bem, a ideia em si é muito simples: se vamos encontrar alguém novamente, talvez seja melhor cooperar. Mas, embora simples, é extremamente importante. Nosso mundo está cheio de hostilidades, guerras e conflitos. Todos queremos que essa situação mude. E como promoveremos tal mudança?

Algumas pessoas trabalham ou são voluntárias em organizações de paz, enquanto outras colaboram com seu poder financeiro ou político. Todos esses são empreendimentos valiosos e importantes; mas, como cientista, acredito que um estudo sistemático e científico do tópico não tenha menos importância. Acredito que entender as causas do conflito e da cooperação seja o primeiro passo para promover a paz.

Não podemos construir um avião sem entender as leis da física nem descobrir a cura do câncer sem saber como as células cancerosas funcionam. Da mesma forma, acredito ser impossível promover a cooperação sem detectar suas verdadeiras fontes; e impossível promover a paz sem encontrar suas verdadeiras raízes – assim como as da guerra. Entender por que as pessoas lutam ou cooperam e o que faz as nações irem à guerra ou viverem em paz é necessário se quisermos mudar o comportamento humano para melhor. A teoria dos jogos nos fornece tal compreensão. Assim, vejo meu estudo sobre a teoria dos jogos como uma pequena contribuição para melhorar o mundo. 

Encerrarei este artigo com uma ideia inteligente e prática da teoria dos jogos que você poderá usar em sua vida cotidiana para reduzir a inveja e o conflito. Suponha que sua mãe comprou para você e seu irmão uma torta saborosa: massa com gostinho de baunilha coberta com chocolate e doces. Infelizmente, ela só conseguiu uma – que vocês precisarão dividir. Qual é a melhor forma de dividir a torta? Uma solução é sua mãe cortá-la ao meio e dar um pedaço para cada um. Mas, como sua mãe deve saber muito bem, isso poderá facilmente fazer com que um de vocês fique insatisfeito e com inveja do outro. 

Não importa o cuidado de sua mãe em dividir a torta exatamente ao meio, um de vocês talvez pense que seu pedaço é menor, tem menos chocolate ou doces, ou tem algum outro defeito. Deixar que você ou seu irmão dividam a torta também não parece uma boa ideia! Então, como dividir a torta? 

A teoria dos jogos tem uma solução elegante. Sugere fazer o seguinte (Figura 1): 

[1] Seu irmão corta a torta em dois pedaços, da maneira que achar melhor.

[2] Você escolhe um dos pedaços.

[3] Seu irmão fica com o outro. 

Figura 1. Um procedimento inteligente para dividir uma guloseima. (A) Suponha que sua mãe compre para você e seu irmão uma tortasaborosa. Como ela a dividirá entre você e seu irmão de modo que ambos fiquem satisfeitos? (B) A teoria dos jogos sugere que, primeiro, seu irmão corte a guloseima em dois pedaços. (C) Depois, você escolhe qual pedaço deseja comer e depois seu irmão pega o outro. 

Eis por que, com esse procedimento, nem você nem seu irmão têm motivos para reclamar ou queixar-se. 

Você, certamente, não pode reclamar, pois vai escolher seu pedaço. Mas, e seu irmão? Já que você vai escolher, ele não ficará com a parte menor? A resposta é não. Lembre-se de que ele pode cortar a torta do modo que quiser. Ao fazer isso, seu raciocínio será o seguinte: “Depois que eu cortar a torta em dois pedaços, meu irmão escolherá o dele. Se os dois pedaços forem desiguais, ele ficará com o maior e eu com o menor. Portanto, é melhor dividir a torta em duas partes exatamente iguais. Isso garantirá que eu receba minha porção justa.” 

Dessa forma, tanto você quanto seu irmão recebem as partes que desejam e nenhum poderá reclamar! Não é uma solução inteligente? Eu a usava sempre com meus filhos. 

Agradecimentos

Este artigo foi escrito com Yonatan Aumann, do Departamento de Ciência da Computação, Universidade Bar IIan, Ramat Gan, Israel. Noa Segev conduziu a entrevista que serviu de base para o primeiro rascunho. Alex Bernstein forneceu a figura. 

Citação

Aumann, R. (2024). “Game Theory – more than just games.” Front. Young Minds. 12: 1215124. DOI: 10.3389/frym.2023.1215124. 

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