Neurociências e Psicologia 19 de julho de 2023, 14:38 19/07/2023

As crianças podem distinguir emoções em rostos?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma pessoa agachada chorando enquanto outra, ao seu lado a entrega um lencinho. Ao lado delas um bebê observa curioso.

Resumo

Uma maneira de descobrir como as pessoas estão se sentindo é olhar para seus rostos, o que nos permite reagir da maneira certa em situações sociais. Mas as crianças pequenas conseguem reconhecer expressões faciais que mostrem emoção? E como essa atividade se desenvolve ao longo da infância e da adolescência?

As crianças são capazes de reconhecer certas emoções muito bem quando têm seis anos de idade, mas isso melhora à medida que crescem. Em todas as idades, as meninas parecem ter menos dificuldade do que os meninos para reconhecer emoções. Os hormônios que nosso organismo produz na puberdade influenciam o desenvolvimento não só de nossos corpos, mas também de nossos cérebros, além da maneira como mudamos emocionalmente. Se soubermos mais sobre o desenvolvimento típico do reconhecimento de emoções, poderemos ajudar as crianças que têm dificuldades com essas habilidades.

Introdução

Você já se perguntou por que consegue saber o que outra pessoa está sentindo? Às vezes, os amigos lhe dizem que estão felizes ou tristes, mas, mesmo que não digam, tenho certeza de que você será capaz de adivinhar qual é o humor deles no momento. Pode obter uma pista a partir do tom de voz que usam. Por exemplo, levantarão a voz se estiverem com raiva ou balbuciarão se estiverem com medo. A outra pista principal que você pode usar para saber o que um amigo está sentindo é observar sua expressão facial. Temos inúmeros músculos no rosto, que nos permitem movê-lo em várias posições diferentes.

Isso acontece espontaneamente (sem que tenhamos a intenção de fazê-lo) quando sentimos uma emoção específica. Desvie o olhar deste artigo e tente forçar seu rosto a ficar como ficaria caso você estivesse se sentindo triste. Você fez a boca descair ou baixou a cabeça, olhando para baixo? Não é incrível que a maneira como nos sentimos faça nossos rostos se comportarem de uma maneira particular?  

Os cientistas descobriram que, no mundo inteiro, os humanos tendem a exibir as mesmas expressões em resposta às diferentes emoções. Então, se você olhasse para um esquimó do Canadá, uma criança em idade escolar dos EUA ou um fazendeiro da Índia, suas expressões faciais seriam muito semelhantes se eles estivessem tristes. Existem padrões definidos para o movimento dos músculos faciais e, portanto, para a aparência do rosto, que são os mesmos em diferentes países, culturas e etnias.

Isso foi demonstrado há mais de quarenta anos pelos cientistas Ekman e Friesen [1] e confirmado muitas vezes desde então. Em todo o mundo, as emoções de felicidade, tristeza, raiva, medo, nojo e surpresa são mostradas em nossos rostos de maneiras semelhantes (ver Figura 1). A capacidade de reconhecer como alguma pessoa pode estar se sentindo é muito importante na vida, pois nos capacita a responder apropriadamente em situações sociais com nossa família, amigos, professores e até estranhos. 

Figura 1. Crianças de países, culturas e etnias diferentes usam as mesmas expressões faciais para mostrar emoções. O que estas crianças estão sentindo? Crédito: http://streetsil.com 

Nascemos capazes de reconhecer as expressões faciais ou essa é uma prática que aprendemos enquanto crescemos, do mesmo modo que aprendemos a falar, ler ou escrever? Bem, até certo ponto, a resposta é: um pouco das duas coisas. Cientistas têm feito experiências com bebês até de sete meses de idade para mostrar que, quando eles olham dois rostos com expressões faciais diferentes, conseguem perceber a diferença entre as duas expressões. Alguns de vocês podem estar pensando: “Como os cientistas sabem que os bebês podem perceber a diferença se eles não falam?” Boa pergunta!

Uma das maneiras de fazer isso é medir o tempo que os bebês levam observando diferentes tipos de expressões faciais. Eles se fixam em certas expressões faciais (por exemplo, medo) mais demoradamente que em outras. A maior duração do tempo gasto na fixação nos diz que os bebês podem ver uma diferença entre as expressões faciais. No entanto, a capacidade de dizer corretamente qual emoção alguém está sentindo, com base em sua expressão facial, melhora muito entre a primeira infância e a idade adulta. Embora tenhamos alguma capacidade para fazer isso no início da vida, essa capacidade melhora muito quando ficamos mais velhos. Os pesquisadores Herba e Phillips [2] discutiram o assunto em sua revisão do tópico, em 2004.

Ainda que uma grande quantidade de pesquisas científicas tenha sido realizada sobre a capacidade de reconhecer emoções, não há estudos prévios no gênero com crianças de 6 a 16 anos que apliquem o mesmo teste em todas elas. Alguns estudos usam técnicas que pedem às crianças para combinarem rostos com nomes de emoções. Outros testes simulam emoções complicadas combinando fotos de duas expressões faciais diferentes e avaliam a capacidade da criança de julgar qual das duas emoções é mostrada. Achamos importante submeter uma ampla faixa etária ao mesmo teste em todas as crianças, pois, para entender como uma capacidade se desenvolve, é necessário fazer comparações justas e equilibradas. 

Por que é importante saber até que ponto as crianças conseguem reconhecer expressões faciais? Você pode pensar que esse é um tópico bastante chato de estudar. Há duas razões principais que nos despertam o interesse para o assunto. Primeiro, é crucial entender como e quando essa capacidade se desenvolve na infância, a fim de constatar se as crianças são semelhantes aos adultos na tentativa de descobrir como as pessoas estão se sentindo. Os pais, caso seus filhos não se mostrem muito proficientes em distinguir expressões faciais, devem, juntamente com os professores, dar-lhes algumas pistas a mais. Por exemplo, talvez uma professora deva não apenas olhar zangada para os alunos, mas também explicar-lhes que está com raiva porque eles não param de falar.

Em segundo lugar, nem todas as crianças desenvolvem a capacidade de reconhecer emoções da maneira típica e isso pode ter um grande impacto no modo como se relacionam com as pessoas. Às vezes, percebemos que crianças com problemas de comportamento ou autistas têm dificuldades em reconhecer emoções.

Além disso, Collin e outros [3] relataram que crianças com uma ampla gama de problemas de saúde mental (de déficit de atenção e hiperatividade a distúrbios alimentares) podem ter dificuldades em reconhecer emoções de expressões faciais. Se formos capazes de descobrir quanto as crianças geralmente pontuam nos testes de reconhecimento de emoções, poderemos identificar as que têm dificuldades e fornecer-lhes ajuda extra no desenvolvimento dessa capacidade. De forma semelhante ao que fazemos com crianças que recebem ajuda adicional por terem dificuldade em ler livros, podemos auxiliar as que têm dificuldade em ler rostos.  

Estudo

Para nosso estudo, testamos 478 crianças de escolas primárias (idade 6–11 anos) e secundárias (idade 11–16 anos) no Reino Unido. Seus pais deram permissão para que participassem do estudo. Uma versão computadorizada de um teste de reconhecimento de emoções, projetada por Ekman e Friesen [4], foi desenvolvida para esse estudo, onde as crianças deveriam identificar a emoção que as pessoas estavam sentindo com base em imagens de expressões faciais.

Seis imagens de rostos (dez de cada emoção) eram mostradas, uma de cada vez, na tela do computador (ver Figura 2 com alguns exemplos). Para cada rosto, as crianças clicavam no rótulo da emoção (felicidade, tristeza, raiva, medo, nojo ou surpresa) que melhor descrevia o que elas pensavam que as pessoas da figura estavam sentindo. Cada criança recebeu uma pontuação (de 0 a 100) para reconhecer as emoções mostradas nas expressões faciais. 

Figura 2. Diferentes expressões faciais de emoção do teste criado por Ekman e Friesen (4) e usado em nosso estudo.

Resultados

Ao examinar os resultados dos testes, fizemos algumas descobertas interessantes. Primeiro, que crianças a partir dos 6 anos de idade são capazes de reconhecer corretamente as expressões faciais algumas vezes. No entanto, quando ficam mais velhas, tornam-se consistentemente melhores nessa tarefa (ver Figura 3). Outra descoberta interessante foi que as meninas pareciam achar o teste mais fácil que os meninos e julgavam mais corretamente as emoções. Isso significa que, em geral, as meninas têm mais facilidade em perceber o que as pessoas podem estar sentindo com base em suas expressões faciais. 

Figura 3. Gráfico de linha mostrando a precisão no reconhecimento de emoções para meninos e meninas. A precisão melhora entre a infância e a adolescência, e nisso as meninas se saem melhor que os meninos em todas as idades. 

Você acha que seria igualmente fácil reconhecer se alguém está triste ou com medo? Os resultados desse estudo sugerem que não. Realmente, crianças pequenas são muito boas em reconhecer algumas expressões faciais. As emoções de felicidade, tristeza e raiva foram reconhecidas quase tão bem pelas crianças de 6 anos quanto pelas de 16! Isso nos diz que, mesmo quando criança, você era provavelmente muito bom em dizer quando sua mãe estava zangada com você, apenas olhando para o rosto dela. Tenho certeza de que consegue visualizar aquela expressão mesmo agora! No entanto, outras expressões (como medo, nojo e surpresa) parecem um pouco mais difíceis de visualizar e nossa capacidade de reconhecê-las melhora ao longo da infância e da adolescência (Figura 4). 

Figura 4. Gráfico mostrando que a capacidade de distinguir emoções se desenvolve com a idade. Os símbolos de emoção são mostrados quando as crianças nessa idade podem reconhecer com precisão a emoção sete em cada dez vezes. As emoções examinadas estão listadas na chave. 

Um fator que pode influenciar na melhora do reconhecimento das emoções durante a adolescência são os hormônios produzidos pelo corpo. À medida que você passa de criança a adulto, seu corpo muda de várias maneiras e essas mudanças são causadas por hormônios que ele libera. O processo é chamado puberdade. Os hormônios liberados fazem você crescer e seu corpo vai adquirindo a aparência de adulto; mas você sabia que esses hormônios também afetam o desenvolvimento do cérebro? Os cientistas que estudam o cérebro [5] descobriram que as mudanças na forma como o cérebro se desenvolve durante a puberdade estão relacionadas a mudanças no comportamento.

As células do cérebro reorganizam suas conexões durante esse período e é possível que, durante o processo, nossa capacidade de reconhecer emoções piore um pouco antes de voltar a melhorar (ver Figura 3). Embora as crianças em nosso estudo fossem boas em reconhecer rostos raivosos, elas ficaram ainda melhores durante a adolescência. Pensávamos que a capacidade de reconhecer as expressões faciais de raiva e nojo em crianças e adolescentes estava relacionada a cada etapa de puberdade. As crianças mais adiantadas na puberdade foram significativamente melhores em reconhecer raiva e nojo do que as que estavam na etapa inicial.

Isso sugere que os mesmos hormônios responsáveis pelas mudanças físicas associadas à puberdade também causam mudanças no cérebro que melhoram a capacidade de reconhecer certas emoções. Os hormônios nos tornam adultos não apenas fisicamente, mas também emocionalmente. 

Conclusão

Em nossa pesquisa, queríamos entender o desenvolvimento da capacidade de reconhecimento de emoções faciais durante a infância e a adolescência. Nosso estudo nos mostrou que:

  • Crianças de 6 anos já conseguem reconhecer expressões de felicidade, tristeza e raiva. 
  • Aprimoramos a capacidade de reconhecer outras emoções à medida que crescemos. 
  • Nossa capacidade de reconhecer expressões faciais de emoções melhora ao longo da infância e da adolescência. 
  • As meninas parecem ter menos dificuldades que os meninos em reconhecer as expressões faciais de emoções.
  • Crianças melhoram sua capacidade de reconhecer expressões de raiva e nojo quando entram na puberdade. 

Esses resultados são interessantes porque nos disseram mais do que até então sabíamos sobre a capacidade de reconhecer expressões faciais ao longo da infância e da adolescência. Essa informação é útil para pessoas que trabalham com crianças e adolescentes. Os resultados do estudo podem ser usados para comparar a capacidade de reconhecimento de emoções de qualquer jovem, com idade de 6 a 16 anos, com a de outras crianças da mesma idade. Desse modo, crianças com dificuldades em reconhecer expressões faciais podem ser identificadas do mesmo modo que crianças com dificuldades em ler também podem por meio de testes de leitura. 

A capacidade de reconhecer emoções em outras pessoas tem um grande impacto na qualidade de nossos relacionamentos em situações sociais. Uma dificuldade desse tipo costuma criar problemas para fazer e manter amizades, conviver com outras pessoas e se comportar adequadamente em situações sociais. Crianças diagnosticadas com dificuldades em reconhecer emoções podem contar com uma ajuda extra para desenvolverem essa capacidade e se saírem melhor em situações sociais.

Da próxima vez que você olhar para alguém e achar que sabe o que ele está sentindo apenas por sua expressão facial, pense em como seria problemático se não pudesse usar as informações dos rostos dessa maneira. Assim como ter problemas para ler livros, ter dificuldades para ler rostos costuma tornar a vida bastante complicada às vezes. Quanto mais descobrirmos sobre essa capacidade, mais ajuda poderemos prestar às pessoas que têm problemas com o reconhecimento de emoções. 

Declaração de conflito de interesses

Os autores declaram que a pesquisa foi conduzida sem qualquer relação financeira ou comercial capaz de gerar um conflito de interesses. 

Agradecimentos

Esta pesquisa foi parcialmente financiada por The National Alliance for Autism Research e pela Nancy Lurie Marks Foundation. Somos muito gratos a Paul Ekman por fornecer os rostos para o estudo e às escolas e crianças envolvidas, que colaboraram com grande entusiasmo. Finalmente, um agradecimento aos filhos de Kate, Jack e Luke, por seus brilhantes conselhos e contribuição editorial ao artigo. 

Referência do artigo original

Lawrence, K., Campbell, R. e Skuse, D. 2015. “Age, gender, and puberty influence the development of facial emotion recognition.” Front. Psychol. 6:761. DOI: 10.3389/fpsyg.2015.00761.

Referências

[1] Ekman, P. e Friesen, W. V. 1971. “Constants across cultures in the face and emotion.”  J. Pers. Soc. Psychol. 17(2):124–9. DOI: 10.1037/h003077.

[2] Herba, C. e Phillips, M. 2004. “Annotation: development of facial expression recognition from childhood to adolescence: behavioural and neurological perspectives.” J. Child Psychol. Psychiatry 45(7): 1185–98. DOI: 10.1111/j.1469-7610.2004.00316.x.

[3] Collin, L., Bindra, J., Raju, M., Gillberg, C. e Minnis, H. 2013. “Facial emotion recognition in child psychiatry: a systematic review.” Res. Dev. Disabil. 34(5):1505–20. DOI: 10.1016/j.ridd.2013.01.008.

[4] Ekman, P. e Friesen, W. V. 1976. “Pictures of facial affect.” Palo Alto, CA: Consulting Psychologists Press. 

[5] Mills, K., Goddings, A. e Blakemore, S. 2014. “Drama in the teenage brain.” Front. Young Minds 2:16. DOI: 10.3389/frym.2014.00016.

Citação

Lawrence, K., Campbell, R. e Skuse, D. (2016). “Can children see emotions in faces?” Front. Young Minds. 4:15. DOI: 10.3389/frym.2016.00015. 

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