Ideias fundamentais 5 de abril de 2023, 16:56 05/04/2023

Carapaças em apuros – Ecologia de tartarugas, conservação e crise das tartarugas asiáticas

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher olhando com expressão desolada para uma tartaruga na sua frente que segura com a boca uma placa de salvem as tartarugas. 

Resumo

As tartarugas são mais do que meros animais com carapaças. Elas desempenham uma função importante na natureza, quando se alimentam de outros seres vivos, e também servem de alimentos. A Ásia tropical é um hotspot de biodiversidade para tartarugas: mais de um quarto de todas as espécies de tartarugas da Terra vivem lá. Uma notícia triste é que as ações das pessoas estão levando à extinção das tartarugas, que são caçadas e têm seus hábitats destruídos. Essa situação recebeu o nome de Crise das Tartarugas Asiáticas. Muitos profissionais trabalham duro pela conservação das tartarugas, mas o mais importante é que você pode ajudar também. Neste artigo, trazemos a você informações sobre ecologia, esperando inspirá-lo a ajudar na conservação das tartarugas.

 Informações sobre as tartarugas 

Quais são as três primeiras palavras que vêm à sua cabeça para descrever uma tartaruga? A maioria das pessoas pensa “carapaça, lenta e verde”. Carapaça é uma ótima palavra para descrever uma tartaruga porque todas as tartarugas têm carapaças. Até uma tartaruga de desenho animado, como Squirtle, de Pokémon, possui uma carapaça. Nenhum outro animal na Terra tem uma carapaça como a da tartaruga. Para transformar seu corpo em uma carapaça de tartaruga, você teria que enfiar seus ombros e quadris dentro da sua caixa torácica! “Lenta” e “verde” não são palavras tão boas para descrever tartarugas, pois nem todas elas são lentas e verdes. Se você visse uma tartaruga nadando, saberia que elas podem se mover com rapidez. E só algumas espécies são verdes. A maioria apresenta cores opacas, como marrom, cinza e preto, mas muitas possuem padrões brilhantes de vermelho, laranja e amarelo (Figura 1). 

Figura 1. A diversidade das tartarugas. Embora todas tenham carapaças, as várias espécies podem parecer muito diferentes.  A) A tartaruga de casco comum (Terrapene carolina) pode se fechar completamente em sua carapaça para proteção. B) A tartaruga de folha de Oldham (Cyclemys oldhamii) passa tanto tempo na água que as algas podem crescer em sua carapaça. C) A tartaruga alongada (Indotestudo elongata) vive em áreas secas e quentes, e tem pés curtos e grossos como um elefante. D) A tartaruga de cabeça grande (Platysternon megacephalum) tem uma cabeça tão grande que não pode ser puxada para dentro da carapaça. E) A tartaruga de olhos de Beal (Sacalia bealei) tem manchas na parte de trás da cabeça que parecem olhos. F) A tartaruga comedora de caracóis malaia (Malayemys macrocephala) tem listras brancas brilhantes em sua cabeça preta. (Todas as fotos são de Yik-Hei Sung). 

Há 356 espécies de tartarugas vivendo na Terra [1]. Elas exibem todas as formas, tamanhos e cores. Você pode ver exemplos de tartarugas interessantes na Figura 1. Algumas das diferenças entre as tartarugas podem ajudá-las a sobreviver melhor em seus hábitats particulares. Por exemplo, a tartaruga de casco comum (nome científico Terrapene carolina, Figura 1A) pode puxar sua cabeça, braços e pernas e se fechar completamente em sua carapaça para proteção. Diametralmente oposta, a tartaruga de cabeça grande (Platysternon megacephalum, Figura 1D) possui uma cabeça tão grande que não consegue puxá-la para dentro da carapaça. Sua cabeça grande dá a essa tartaruga uma mordida forte, que é útil para a alimentação e a proteção.

As tartarugas podem também exibir cores e padrões interessantes. A tartaruga de olhos de Beal (Sacalia bealei) tem manchas na parte de trás da cabeça que parecem olhos. Os cientistas não sabem ao certo se essas manchas têm uma função. Muitos acreditam que elas podem ser usadas para enganar um predador em potencial, induzindo-o a pensar que está sendo observado, mas isso é apenas uma hipótese. 

Hotspots de biodiversidade para tartarugas 

As espécies não estão distribuídas uniformemente pela Terra. Algumas áreas abrigam mais espécies e nós as chamamos de hotspots de biodiversidade. Um hotspot de biodiversidade pode ser até mais especial caso abrigue um bocado de espécies endêmicas. Uma espécie endêmica é especial porque é encontrada em apenas um local. Por exemplo, o pinguim imperador é endêmico da Antártida – não vive em nenhum outro lugar. Três hotspots de biodiversidade para tartarugas ficam na Ásia tropical e subtropical: as planícies de inundação do Ganges-Bramaputra, o hotspot Indo-Birmânia e o hotspot Sundaland. O hotspot das planícies de inundação do Ganges-Bramaputra inclui Bangladesh, Butão, China, Índia e Nepal. O da Indo-Birmânia inclui Camboja, China, Mianmar, Laos, Tailândia e Vietnã. O do Sundaland inclui Indonésia e Malásia. Mais de um quarto das tartarugas do mundo ficam nesses três hotspots [2]. 

A crise das tartarugas da Ásia 

As ações humanas estão levando as tartarugas à extinção. Há três causas principais. Primeira, os habitats naturais onde as tartarugas vivem estão sendo destruídos. Muitas tartarugas vão e vêm entre a terra seca e a água, portanto, a deterioração desses habitats pode ser ruim para elas. Em segundo lugar, as tartarugas estão sendo caçadas para virar comida. Em muitos países da Ásia, são consumidas como alimento porque existe uma crença cultural de que ingerir sua carne pode curar e proteger o corpo. Não há evidências científicas de que a carne de tartaruga seja diferente de outras carnes e frutos do mar [3], mas muitas pessoas na Ásia ainda valorizam as tartarugas como alimento. O terceiro fator que leva as tartarugas à extinção é que elas são caçadas para serem vendidas como animais de estimação. Quase sempre, as espécies raras e exóticas são as mais populares.

A situação das tartarugas asiáticas é especialmente grave. A essa situação demos o nome de “Crise das Tartarugas Asiáticas” [4]. A destruição de habitats e a enorme demanda por tartarugas como alimento e animais de estimação estão colocando as tartarugas asiáticas em perigo de extinção. 

O ciclo de vida de uma tartaruga também a coloca em alto risco de extinção (Figura 2). Existem quatro etapas principais no ciclo de vida de uma tartaruga – ovo, filhote, jovem e adulto. As tartarugas põem ovos exatamente como os pássaros e muitos outros répteis. De fato, as tartarugas e pássaros estão intimamente ligados, mas essa é uma história que ficará para outro artigo. Como o próprio nome em inglês já diz, um filhote (hatchling) é o bebê que sai (hatches)do ovo. Quando o filhote cresce, torna-se um jovem (como um adolescente no caso dos humanos). Finalmente, o jovem se torna um adulto quando pode reproduzir. Durante as etapas de ovo e nascimento, muitas tartarugas morrem (Figura 2) [5]. Jovens e adultos sobrevivem bem porque suas carapaças são muito boas para a proteção. Passar de jovem para adulto leva muito tempo – frequentemente, mais de dez anos.

Mas, uma vez adulta, uma tartaruga pode viver um longo período e reproduzir muitas vezes durante a vida (Figura 2). As populações de tartarugas sobrevivem porque alguns adultos continuam se reproduzindo. Por que a caça coloca as tartarugas em alto risco de extinção? Porque os caçadores usualmente apanham as adultas e restam menos tartarugas capazes de se reproduzir, de modo que a população começa a desaparecer. 

Figura 2. O ciclo de vida geral de uma tartaruga. Há quatro etapas principais no ciclo de vida de uma tartaruga – ovo, filhote, jovem e adulto. Muitos indivíduos morrem quando ainda são ovos e filhotes. Passar de jovem para adulto leva muito tempo. Uma vez adulta, a tartaruga pode se reproduzir muitas vezes em sua vida. Os caçadores usualmente buscam alvos adultos. É difícil para uma população de tartarugas sobreviver quando os adultos desaparecem porque não há mais quem se reproduza. 

Por que as tartarugas são importantes? 

Os cientistas estão lentamente reunindo evidências do importante papel que as tartarugas desempenham no ecossistema. Uma maneira de calcular a importância de um animal em um ecossistema é medir sua biomassa total. Se você pudesse coletar todos os animais de uma espécie e pesá-los juntos, essa seria a biomassa total da espécie. Esse tipo de medição é impossível, então os cientistas encontraram maneiras de estimar a biomassa total, como multiplicar o tamanho estimado da população pelo peso corporal médio. Estudos concluíram que a biomassa total das tartarugas é uma das mais altas para vertebrados (que incluem mamíferos, anfíbios, répteis, peixes) [6]. Com base nisso, se você acha que os mamíferos são importantes em um ecossistema, então as tartarugas devem ser mais importantes ainda. 

Funções importantes das tartarugas no ecossistema são as de presa e predadora [7]. Os ovos e filhotes das tartarugas são presas de muitos animais, e servem de alimento a peixes, cobras, crocodilos, pássaros, mamíferos e a outras espécies de tartarugas [7]. Uma razão para a baixa sobrevivência dos filhotes e ovos de tartarugas (Figura 2) é o fato de serem alimento para outros animais. Se as tartarugas desaparecerem, muitos animais precisarão encontrar novas fontes de alimento. Como predadoras, muitas espécies de tartarugas comem tanto plantas quanto animais. As que comem frutas podem ajudar a planta a espalhar suas sementes [8]. Se desaparecerem, essas espécies vegetais terão problemas de reprodução e poderão também desaparecer. Tartarugas que comem carne frequentemente procuram animais mortos. Quando os ingerem, mantêm o ecossistema limpo e ajudam no processo de decomposição [7]. 

Você e a conservação das tartarugas

A conservação nunca é fácil, mas acreditamos que haja quatro caminhos principais para proteger e preservar as tartarugas ao redor do mundo e, especialmente, na Ásia. O primeiro é a educação. Antes que você lesse esse texto, já sabia que as tartarugas estão se extinguindo por toda parte? A maioria das pessoas sabe que os ursos pandas e polares estão se extinguindo, mas poucas sabem que o mesmo está acontecendo com as tartarugas. A conscientização pública sobre a possibilidade de extinção das tartarugas pode reduzir a demanda por tartarugas como alimento e animais de estimação. 

A segunda maneira de preservar as tartarugas é proteger o meio ambiente. Para preservar as tartarugas, devemos preservar o hábitat em que elas vivem. Muitas espécies de tartaruga vivem na terra e na água, logo a terra e a água precisam ser protegidas. Passos importantes incluem manter a água limpa e não derrubar florestas. Preservar a terra e a água nos hotspots de biodiversidade de tartarugas [2] é um bom começo. 

A terceira via é a legislação. Além dos governos, ONGs podem ajudar a criar leis para proteger as tartarugas. As ONGs trabalham independentemente de governos, não têm fins lucrativos e, geralmente, se ocupam de questões sociais ou políticas. Duas grandes ONGs que atuam na conservação da biodiversidade são a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e a Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Selvagens (CITES). Governos e ONGs podem trabalhar juntos para criar novas leis ou fortalecer as antigas, para protegê-las. Por exemplo, a IUCN e a CITES têm listas que indicam quando uma espécie está ameaçada de extinção. Quase todos os países são membros da IUCN e da CITES e seguem suas regras. Especialistas da IUCN reavaliaram as ameaças às espécies de tartarugas e apresentaram uma proposta para aumentar a proteção de muitas delas [1]. 

A quarta ação para preservar as tartarugas é a pesquisa. Nós precisamos entender as espécies de tartarugas para protegê-las. Algumas coisas básicas que precisamos saber são onde elas moram, o que comem e como se reproduzem. Podemos usar essa informação para ajudar na conservação.

 Por exemplo, a maior ameaça para muitas espécies de tartarugas em risco de extinção é a caça, então a compreensão sobre os lugares em que as tartarugas vivem pode nos ajudar a decidir onde reprimir a caça ilegal. Algumas espécies de tartarugas se tornaram muito raras na natureza. Portanto, é necessário criar e liberar tartarugas na natureza para restaurar suas populações. A criação, geralmente, é feita pelos zoológicos, mas existem ONGs das quais qualquer pessoa pode participar para ajudar na criação. Estudar os animais para entender o que comem e como se reproduzem é essencial para o sucesso na reprodução e na conservação das tartarugas. 

Há muitas coisas que você pode fazer para ajudar na conservação das tartarugas. Primeiro, pode ensinar os outros sobre elas. Se você possui uma tarefa de projeto em sua aula de ciências, pode estudar e apresentar informações sobre a Crise das Tartarugas da Ásia. Em segundo lugar, se quiser possuir uma tartaruga como animal de estimação, pesquise antes para não escolher uma espécie rara ou ameaçada de extinção. Uma escolha ainda melhor é adotar uma tartaruga. Muitas pessoas compram tartarugas como animais de estimação quando elas são fofas e pequenas, depois as descartam quando ficam muito grandes e exigem muitos cuidados. Se você quiser adotar uma tartaruga, pode ir ao abrigo de animais local ou pesquisar online por organizações locais que resgatam tartarugas abandonadas. Mas certifique-se de estar pronto para a grande responsabilidade de cuidar de uma tartaruga.

A terceira coisa que você pode fazer para ajudar as tartarugas é continuar estudando muito na escola. Assim, talvez se torne um cientista que estuda tartarugas. Talvez se torne um político e ajude a passar leis para proteger as tartarugas. Ou talvez se junte a uma ONG que protege tartarugas. Há muitos empregos nos quais você pode ajudar a protegê-las! 

Glossário

Hotspot de biodiversidade: Região geográfica que abriga um grande número de espécies e está ameaçada pela destruição do habitat. Essas regiões foram identificadas como prioritárias para a conservação. 

Endêmico: O que é nativo de uma determinada área geográfica. Normalmente, o termo é usado para se referir a uma espécie que só é encontrada em uma pequena área. 

Biomassa total: A massa de um grupo de indivíduos de uma área em determinado período. Essa medida é frequentemente usada para entender até que ponto um organismo é importante para o ecossistema. 

Organização Não Governamental: Grupo de cidadãos voluntários, sem fins lucrativos. Esses grupos são independentes do governo e focam em questões específicas, tais como direitos humanos, meio ambiente ou saúde. 

Referências

[1] Turtle Taxonomy Working Group, 2017. “Turtles of the world: annotated checklist and atlas of taxonomy, synonymy, distribution, and conservation status”, em “Conservation Biology of Freshwater Turtles and Tortoises: A Compilation Project of the IUCN/SSC Tortoise and Freshwater Turtle Specialist Group.” Chelonian Res. Monogr., 8ª ed., vol. 7, orgs. A. G. J. Rhodin, J. B. Iverson, P. P. van Dijk, R. A. Saumure, K. A. Buhlmann, P. C. H. Pritchard e R. A. Mittermeier (Lunenburg, MA; New York, NY: Chelonian Research Foundation; Turtle Conservancy), 1–292. 

[2] Mittermeier, R. A., van Dijk, P. P., Rhodin, A. G. J. e Nash, S. D. 2015. “Turtle hotspots: an analysis of the occurrence of tortoises and freshwater turtles in biodiversity hotspots, high-biodiversity wilterness áreas, and turtle priority áreas.” Chelonian Conserv. Biol. 14:2–10. DOI: 10. 2744/ccab-14-01-2-10.1.

[3] Hong, M., Shi, H., Fu, L., Gong, S., Fong, J. J., e Parham, J. F. 2008. “Scientific refutation of traditional Chinese medicine claims about turtles.” Appl. Herpetol. 5:173–87.DOI: 10.1163/15707540878468835.

[4] van Dijk, P. P., Stuart, B. L. e Rhodin, A. G. J. 2000. “Asian turtle trade: proceedings of a workshop on conservation and trade of freshwater turtles and tortoises in Asia–Phnom Penh, Cambodia, 1-4 December 1999”, em “Conservation Biology of Freshwater Turtles and Tortoises: A Compilation Project of the IUCN/SSC Tortoise and Freshwater Turtle Specialist Group.” Chelonian Res. Monogr., vol. 2, orgs. A. G. J. Rhodin, J. B. Iverson, P. P. van Dijk, R. A. Saumure, K. A. Buhlmann, P. C. H. Pritchard e R. A. Mittermeier (Lunenburg, MA: Chelonian Research Foundation), 1–164. 

[5] Gibbs, J. P. e Amato, G. D. 2000. “Genetics and demography in turtle conservation”, em Turtle Conservation, org.. M. W. Klemens (Washington; London: Smithsonian Institution Press). 

[6] Iverson, J. B. 1982. “Biomass in turtle populations: a neglected subject.” Oecologia 55:69–76. DOI: 10.1007/BF00386720.

[7] Moll, E. O. e Moll, D. 2000. “Conservation of river turtles,” em Turtle Conservation, org.  M. W. Klemens (Washington; London: Smithsonian Institution Press). 

[8] Moll, D. e Jansen, K. P. 1995. “Evidence for a role in seed dispersal by two tropical herbivorous turtles.” Biotropica 27: 121–7. DOI: 10.2307/2388909. 

 Citação

            Fong, J. e Sung Y. (2017). “Shells in trouble – turtle ecology, conservation, and the Asian turtle crisis.” Front. Young Minds. 5:68. DOI: 10.3389/frym.201700068.

Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br