Cientistas espiam pererecas utilizando tubos de plástico em árvores
Autores
Jovens revisores
Resumo
Você já observou uma perereca? Nem sempre é fácil ver estas criaturas noturnas. Elas nascem como nadadoras sem pernas, logo se transformam em adultas dotadas de pele camuflada e patas pegajosas para caçar nos ramos das árvores. Cientistas querem descobrir como as pererecas conseguem lidar com ameaças e as espionam de uma maneira sutil: penduram pequenos tubos de plástico nas árvores, que imitam as cavidades escuras onde as pererecas adoram descansar. Desde 2011, foram contadas pererecas em milhares de tubos – mas, com tanto mistério, esse trabalho ainda continuará por anos. De tubo em tubo, as pererecas vão comunicando seus segredos sobre as ameaças que mais as prejudicam, ajudando os cientistas a proteger e preservar as belas árvores e águas que servem de lar para elas.
O que são pererecas?
As pererecas são pequenos anfíbios ariscos que moram em florestas e perto de áreas pantanosas. Embora quase nunca consigamos vê-las, o barulho que fazem chiando, tagarelando e coaxando nos lembra de sua presença, às vezes bem na nossa vizinhança. Um observador curioso e paciente poderá enxergar uma dessas rãzinhas agarrada a um galho, com sua cor se confundindo a tal ponto com a casca da árvore que, quando imóvel, o bichinho quase desaparece. De fato, várias espécies de pererecas podem alterar a cor de seu corpo para se confundir com o ambiente.
Graças à habilidade de achatar-se contra as superfícies de madeira e segurar-se a elas com suas patas pegajosas, as pererecas não apenas se ocultam de predadores como são, elas próprias, caçadoras habilidosas e bem-sucedidas de moscas, ácaros, besouros e outros invertebrados. Nos ecossistemas florestais onde vivem, incluindo parques nacionais e áreas preservadas, esses pequenos anfíbios trepadores se beneficiam muito quando os ecossistemas são mantidos em equilíbrio. Conhecer as ameaças e perigos enfrentados pelas pererecas ajuda o National Park Service a cuidar de seu patrimônio de modo a proteger não apenas as pererecas, mas também os lugares onde elas vivem. Como os cientistas elaboram projetos de monitoramento para realizar um trabalho tão difícil?
Projetos de monitoramento de pererecas
Determinar como o número das populações animais varia com o tempo ajuda os pesquisadores a avaliar a saúde dos habitats e de seus moradores. Esse conhecimento é extremamente valioso para se tomarem boas decisões administrativas com relação às terras que o National Park Service controla e protege. Elaborar um projeto a fim de coletar informações populacionais exige um planejamento cuidadoso – e as pererecas, com sua pele sensível e sua dependência de água, são ótimos temas para esse tipo de estudo. Em nosso projeto, as florestas densas nas terras baixas da Barataria Preserve (parte do Jean Lafitte National Historical Park and Preserve, ao sul de Nova Orleans, Luisiana) serviram de foco para o programa de monitoramento anfíbio [1]. A coleta de dados nessa reserva começou em 2011 e prossegue.
De vez em quando, os cientistas precisam ser muito criativos para “pegar” os animais que querem estudar e, para isso, os instrumentos mais simples costumam ser os mais eficientes. Para observar pererecas, os pesquisadores elaboraram um plano sagaz. Eles usaram pequenos tubos de plástico, que penduraram nas árvores mais ou menos à altura do peito. Esses tubos são bons porque lembram cavidades naturais, como buracos e rachaduras nas árvores. As pererecas, em busca de abrigo, entram e saem dos tubos sem se machucar (Figuras 1A, B) e, como o material dos tubos é muito resistente, eles podem ser usados ano após ano [2, 3].
A equipe de pesquisa começou pendurando, em uma pequena área, 52 tubos que foram checados todos os meses a fim de contar as pererecas abrigadas lá dentro (Figura 1C). Os pesquisadores, além de identificar cada espécie, registraram a temperatura e a umidade do ar, de modo a obter um quadro completo das condições ambientais do local. Essa informação podia, então, ser combinada com dados de eventos climáticos recentes como quantidade de chuva, ondas de calor, frentes frias e vendavais para que os cientistas entendessem melhor as mudanças nas populações de pererecas com o passar do tempo.
As pererecas e seus hábitos
Quatro pererecas diferentes costumam ser encontradas nos tubos de plástico instalados na Barataria Preserve (Figuras 2A–D): a Perereca-Cinzenta-de-Cope, a Dryophytes avivoca, a Perereca-Esquilo e a Perereca-Verde. Além de partilhar habitats florestais, essas três espécies possuem inúmeros traços em comum [4, 5]. Sendo noturnas, mostram-se ativas à noite, caçando insetos tanto no alto das árvores quanto nas proximidades do chão. Na primavera e no verão, elas se mudam para pântanos, lagoas e igarapés próximos a fim de encontrar parceiros e botar ovos, que ficam presos à vegetação subaquática. Os ovos se partem e liberam os girinos, que comem algas e outras plantas aquáticas similares; após algumas semanas, esses bichinhos nadadores se transformam em pequenas rãs que vão continuar seu ciclo de vida na terra, como seus pais.
O que os cientistas descobriram
Os cientistas queriam explorar dois objetivos principais. O primeiro era determinar, grosso modo, quantas pererecas de cada espécie habitavam ou visitavam as florestas densas das terras baixas, usando o número de animais contados nos tubos como amostra da quantidade deles que havia no local. O segundo objetivo consistia em descobrir até que ponto as detecções de pererecas mudavam com as estações e de um ano para outro. Combinando esses números com os dados ambientais, os pesquisadores puderam elaborar um quadro dos ciclos de presença de pererecas ao longo de vários anos.
A primeira fase do estudo enfatizou a identificação das pererecas e o número de vezes que elas usaram os tubos em todas as estações. Os 52 tubos originais foram checados mensalmente, entre 2011 e 2017, a fim de produzir, para cada espécie registrada, um número médio de pererecas por checagem (Figura 3A). Dois fatos interessantes puderam ser constatados. Primeiro, algumas espécies foram encontradas com mais frequência que outras nesses primeiros anos, como as Pererecas-Esquilo; enquanto outras, como às Pererecas-Cinzentas-de-Cope, quase nunca apareciam. Segundo, as pererecas procuravam os tubos com menos frequência no verão do que no inverno. Em um dos verões, houve dois meses em que nenhuma foi contada! Isso contrasta com uma checagem única no inverno, quando oitenta pererecas foram vistas em menos de quatro horas, inclusive com três tubos contendo cinco delas cada um!
No início de 2018, os cientistas revisaram seus métodos para melhorá-los e definiram três mudanças principais. Primeira: dobraram o número de tubos, acrescentando um lugar parecido nas imediações. Segunda: reduziram as checagens para apenas uma por mês, de manhã, checando ambos os lugares por dois dias. Terceira: concentraram a pesquisa sobretudo no inverno (novembro, janeiro e março), quando as pererecas eram vistas com mais frequência. A Figura 3B mostra os dados colhidos até agora, em termos de contagens totais de pererecas nos dois lugares, pelos últimos três invernos. Os resultados mostram que, até o momento, em alguns anos apareceram mais pererecas que em outros, e as espécies dominantes mudaram também. Por exemplo, durante os dois primeiros invernos, as Pererecas-Esquilos foram relativamente escassas, mas, durante o terceiro, foram as mais comuns.
O que aprendemos com os estudos de pererecas
Milhares de checagens dos tubos trouxeram informações valiosas para a documentação de mudanças nas populações de pererecas, de estação para estação, e no decorrer dos anos. Quando constataram que elas não usam os tubos com a mesma frequência durante o ano, os pesquisadores concentraram seus esforços no inverno, para empregar de maneira mais eficiente seus recursos científicos. Eles não apenas ficaram satisfeitos por encontrar meios de melhorar seus métodos, como também consideraram as diferenças sazonais uma descoberta interessante.
A seu ver, a explicação mais provável é que as pererecas, assim como outros anfíbios, dependem das temperaturas externas para manter seu calor interno e, portanto, o ambiente em que se encontram deve permanecer relativamente quente. Assim, quando a temperatura abaixa, elas buscam refúgio em cavidades naturais ou artificiais que retenham calor. Quando o tempo está mais quente, quase sempre, elas ficam em galhos ou folhas, onde o ar fresco ajuda a regular a temperatura, e podem fazer isso com certa segurança devido à sua camuflagem.
Além da descoberta da sazonalidade no uso das cavidades, muitas outras descobertas vieram à tona quando os pesquisadores examinaram seus achados. Eles descobriram muitas coisas surpreendentes e que levantaram novas questões. Por exemplo, qual é, exatamente, a intensidade de frio necessária para as pererecas procurarem a proteção das cavidades e qual a probabilidade de cada espécie dividir o espaço? Além disso: quais são as consequências de ondas de frio, calor e estiagens fora de época?
Para melhor entender essas situações, os pesquisadores agora registram a temperatura dentro e fora de cada tubo, além de instalar sensores para medir a profundidade em corpos de água próximos. Essas informações extras têm ajudado a esclarecer por que o uso dos tubos pelas pererecas está relacionado à temperatura e à umidade do ambiente. Os cientistas também estão pensando em maneiras de aumentar a frequência da coleta de amostras no inverno.
Novas e mais abrangentes questões relacionadas às pererecas estão sendo consideradas pelos ecologistas do National Park Service. O que acontece quando furacões ou outras tempestades varrem a reserva, derrubando árvores e abrindo caminho para a irrupção de água salgada? Que novos inimigos podem ameaçar as pererecas? A ameaça maior talvez sejamos nós, já que a ocupação da terra pelos humanos vem aumentando. Mas os humanos também podem ajudar, estudando esses animais e enriquecendo o banco de conhecimentos coletados por cientistas no mundo inteiro. Coletivamente, essa informação poderá levar a melhores decisões sobre como todos, pererecas e humanos, podemos sobreviver juntos. Mesmo pererecas de espécies diferentes dividem a cavidade de um tubo plástico para descansar, abrigar-se e ter segurança. Nós também poderemos aprender a dividir a Terra com elas?
Referências
[1] Carlson, J. E., Woodman, R. L., Finney, W., Granger, W., Bracewell, J., Buhlmann, K. A. et al. 2018. Monitoring amphibians in Gulf Coast Network Parks: Protocol Narrative – Version 2.0. Natural Resource Report. NPS/GULN/NRR-2018/1742. Fort Collins, CO: National Park Service. Disponível online em https://irma.nps.gov/DataStore/Reference/Profile/2256511.
[2] Graeter, G., Buhlmann, K. A., Wilkinson, L. R. e Gibbons, J. W. (orgs.). 2013. Inventory and Monitoring: Recommended Techniques for Reptiles and Amphibians: With Application to the United States and Canada. Birmingham, AL: Partners in Amphibian and Reptile Conservation (PARC) Technical Publication IM-1.
[3] Dodd, C. K. Jr. (org.) 2010. Amphibian Ecology and Conservation, a Handbook of Techniques. Oxford: Oxford University Press.
[4] Dodd, C. K. Jr. 2013. Frogs of the United States and Canada, Volume 1. Baltimore, MD: Johns Hopkins University Press.
[5] Powell, R., Conant, R. e Collins, J. T. 2016. Peterson Field Guide to Reptiles and Amphibians of Eastern and Central North America, 4th Edn. New York, NY: Houghton, Mifflin, Harcourt.
Citação
Carlson, C. e Carlson, J. (2022). “Scientists spy on treefrogs using plastic pipes in trees.” Front Young Minds. 10:718524. DOI: 10.3389/frym.2022.718524.
Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Creative Commons Attribution License (CC BY). O uso, distribuição ou reprodução em outros fóruns é permitido, desde que o(s) autor(es) original(is) e o(s) proprietário(s) dos direitos autorais sejam creditados e que a publicação original nesta revista seja citada, de acordo com a prática acadêmica aceita. Não é permitido nenhum uso, distribuição ou reprodução que não esteja em conformidade com estes termos.
Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br