A Terra e seus Recursos 14 de abril de 2022, 07:00 14/04/2022

Como ocorre a fotossíntese nos oceanos?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma alga sorridente sob o oceano, utilizando óculos de sol e olhando para ele ano céu

Resumo

O alimento que comemos provém, direta ou indiretamente, das plantas. A importância das plantas como cozinha global nunca pode ser subestimada. As plantas “comem” luz solar e dióxido de carbono a fim de produzir alimento para si próprias e para milhões de outros organismos dependentes delas. Uma molécula, a clorofila (Chl), é crucial para esse processo, uma vez que absorve luz solar. No entanto, as plantas da terra e as plantas do mar produzem seu alimento de maneira muito diferente. Como é difícil para a luz descer fundo na água dos oceanos, a produção de alimento, cientificamente chamada de fotossíntese, torna-se muito lenta. As ficobiliproteínas são proteínas que fazem esse trabalho de maneira mais fácil, absorvendo a luz disponível e passando-a para a Chl. Essas ficobiliproteínas são encontradas em organismos minúsculos, invisíveis, chamados cianobactérias. Suas reações “produtoras de alimentos” são decisivas para a sobrevivência de inúmeros organismos vivos como os peixes, as aves e outras espécies marinhas. É, pois, importantíssimo para todos entender como as cianobactérias elaboram seu alimento e o papel de destaque que as ficobiliproteínas desempenham no processo.

De que modo os seres vivos obtêm seu alimento?

Quando você pensa em comida, geralmente vêm à sua cabeça imagens de seu petisco favorito? Trata-se de um processo natural, já que o alimento é importante para todos os seres vivos. Para atender a essa necessidade básica, os organismos elaboram seu próprio alimento ou o obtêm de outra fonte. O ser humano pode comer tanto plantas quanto animais. Alguns animais consomem outros animais, e outros usam as plantas como nutrição. Vê-se então que, em nosso planeta, todos dependem das plantas para sua sobrevivência.

Mas o que as plantas comem? Na verdade, sua alimentação tem por base a luz solar e um gás chamado dióxido de carbono, ambos facilmente disponíveis em terra. O processo pelo qual as plantas terrestres produzem seu próprio alimento usando a luz solar e o dióxido de carbono se chama fotossíntese (Figura 1). Enquanto o dióxido de carbono é absorvido pelas folhas, a luz solar é capturada por uma molécula química da planta, a clorofila (Chl). Todos os organismos fotossintéticos contêm clorofila.

Figura 1. Imagem simplificada de como as plantas produzem alimento para nós. As folhas das plantas verdes contêm clorofila, que absorve a luz solar a fim de produzir alimento. Este é usado tanto pelas próprias plantas quanto por animais, inclusive os humanos.

Contudo, o modo como as plantas terrestres realizam a fotossíntese não atende aos organismos que vivem nos oceanos (estes cobrem perto de 70% da superfície do globo). No oceano as plantas enfrentam problemas com a disponibilidade de luz. As porções azul e verde da luz penetram na água bem mais fundo que as porções amarela e vermelha (Figura 2). Para conseguirem produzir alimento a partir dessa quantidade limitada de luz e dióxido de carbono, as plantas felizmente recebem ajuda de micróbios minúsculos chamados cianobactérias (também conhecidas como algas verde-azuladas).

Esses micróbios se adaptaram ao ambiente de luz fraca e realizam a fotossíntese tanto para si mesmos quanto em benefício de outros seres vivos. As cianobactérias são micróbios antigos que vivem em nosso planeta há bilhões de anos. Aparentemente, são responsáveis pela criação da atmosfera composta de oxigênio na qual vivemos [1]. A fim de realizar a fotossíntese em condições de luz fraca, as cianobactérias contam com o auxílio de proteínas chamadas ficobiliproteínas, que permanecem dentro das membranas celulares (a cobertura externa) das cianobactérias.

Figura 2. Penetração da luz nos oceanos. A luz solar se compõe de diferentes cores: V, violeta; A, azul; Ve, verde; Am, amarelo; L, laranja e Ver, vermelho. As cores azul e verde chegam a 200 m dentro da água, enquanto as outras, incluindo o violeta, mal alcançam os primeiros 100 m. As setas representam a profundidade que as diferentes cores atingem no oceano.

Que são ficobiliproteínas?

As ficobiliproteínas desempenham o papel de auxiliares da clorofila nos ambientes aquáticos. Uma vez que a luz penetra com dificuldade nos oceanos, as ficobiliproteínas facilitam esse trabalho absorvendo toda luz disponível: absorvem a porção verde da luz e transformam-na em vermelha, que é a cor da luz exigida pela clorofila [2]. No entanto, mudar a cor da luz não é tão fácil quanto parece. A luz verde tem de passar através de diferentes moléculas de ficobiliproteínas, que absorvem luz de uma cor e devolvem luz de outra. A cor devolvida é então apanhada por uma segunda ficobiliproteína, que a transforma numa terceira cor. O processo continua até a luz emitida ficar vermelha e ser por fim capturada pela clorofila.

Para que todo esse processo ocorra, temos três diferentes tipos de moléculas de ficobiliproteínas, dispostas como um chapéu sobre a molécula de clorofila, como se vê na Figura 3. Esses três tipos de ficobiliproteínas são:

  1.   C-ficoeritrina (CFE), de cor vermelho-rosa e responsável por absorver a porção verde da luz solar.
  2. C-ficocianina (CFC), de cor azul-escura e responsável por absorver a porção vermelho-alaranjada da luz solar.
  3. Aloficocianina (AFC), de cor azul-clara e responsável por absorver a porção vermelha da luz solar. 
Figura 3. Arranjo em forma de chapéu das ficobiliproteínas e da clorofila (Chl) nas cianobactérias. A luz verde é primeiro absorvida pela C-ficoeritrina, que a transfere para a C-ficocianina (CFC). Esta, em seguida, passa a energia da luz para a aloficocianina (AFC), que a entrega à Chl para a fotossíntese, usando a luz vermelha.

A razão pela qual as ficobiliproteínas absorvem luz de diferentes cores é que contêm moléculas químicas chamadas bilinas, as quais lhe dão suas cores brilhantes. Essas bilinas são responsáveis por absorver luz de uma cor e emitir luz de outra cor, provocando assim uma mudança na cor da luz. Instrumentos avançados nos permitem analisar a disposição dessas moléculas e proteínas nas cianobactérias. Sabemos que as ficobiliproteínas parecem discos [3], que se empilham para formar a estrutura de chapéu. Uma das extremidades da pilha é feita de CFE e a outra, de CFC. Ambas se juntam no núcleo, feito de AFC. Essa estrutura toda se liga à clorofila, que aceita a luz vermelha emitida pela AFC. O arranjo da estrutura em forma de chapéu é mostrado na Figura 3.

Como a transferência de energia luminosa ocorre nas ficobiliproteínas?

A mudança, na cor da luz, de verde para vermelho ocorre graças a um processo chamado fluorescência. Vejamos o que é isso. Imagine um recipiente cheio de um líquido cor de rosa que, quando iluminado com uma lanterna, brilha como se fosse laranja! É exatamente o que a CFE faz (Figura 4). Toda ficobiliproteína possui essa propriedade excitante de emitir luz visível de uma cor diferente da cor da luz que incide sobre ela.

Depois que a CFE muda a luz verde em amarelo-alaranjada, a CFC apanha essa luz e transforma-a em luz vermelho-clara. A AFC captura essa luz vermelho-clara e transforma-a em vermelho-escura para a clorofila. Temos agora a luz verde transformada em vermelha, que a natureza destina para a clorofila absorver. O processo todo é como uma corrida de revezamento, onde cada participante começa de onde o anterior parou (Figura 5). As ficobiliproteínas são uma parte importante dos organismos microscópicos chamados cianobactérias, que realizam a fotossíntese praticamente da mesma maneira que as plantas terrestres. A única diferença é que usam outros tipos de moléculas químicas: as cianobactérias usam as fitobiliproteínas, enquanto as plantas terrestres usam a clorofila.

Figura 4. Propriedade de fluorescência da C-ficoeritrina (CFE). A cor branca da luz, produzida pela lanterna, é transformada em amarelo-alaranjada clara pela CFE e capturada pela C-ficocianina.
Figura 5. Ficobiliproteínas alteram a cor da luz verde para vermelha, para assim poder ser utilizada para a fotossíntese.
A luz verde é apanhada pela C-ficoeritrina (CFE), que a transforma em amarelo-alaranjada. A luz laranja é apanhada pela C-ficocianina (CFC), que por sua vez a transforma em luz vermelha. A cor vermelho-clara é absorvida pela aloficocianina (AFC), que a transforma em vermelha. Esta é finalmente absorvida pela clorofila a fim de produzir alimento graças à fotossíntese.

O que aprendemos?

Agora sabemos que a fotossíntese é o processo pelo qual as plantas produzem alimentos usando a clorofila. Sabemos também que a pouca quantidade de luz disponível nos oceanos retarda o processo fotossintético. Mas a natureza desenvolveu algumas moléculas químicas auxiliares, conhecidas como ficobiliproteínas, que absorvem as cores de luz disponíveis nos oceanos e transformam essa luz em uma cor que a clorofila possa usar.

As ficobiliproteínas são encontradas nas cianobactérias, invisíveis a olho nu, cuja fotossíntese é responsável pelo fornecimento de comida aos organismos vivos dos oceanos e, também, pela elaboração do oxigênio de nossa atmosfera, que respiramos a cada segundo. Não é impressionante que organismos minúsculos possam fazer tamanha diferença para a vida marinha? No futuro, esperamos conhecer melhor as funções das ficobiliproteínas e os papéis que elas desempenham em benefício da humanidade.

Glossário

Fotossíntese: Processo pelo qual as plantas produzem alimentos para si mesmas e para outros organismos, usando a luz do sol e o gás dióxido de carbono.

Clorofila: Molécula química presente nas plantas que absorve a luz do sol para a fotossíntese.

Ficobiliproteínas: Pigmentos coloridos encontrados nas cianobactérias e alguns outros organismos; eles facilitam a fotossíntese ao absorver certas cores de luz que a clorofila não consegue absorver.

Fluorescência: Propriedade de certos compostos de absorver uma cor de luz e emitir outra. As ficobiliproteínas usam essa propriedade para mudar a cor da luz que absorvem para que ela seja usada no processo de fotossíntese.

Referências

[1] Sidler, W. A. 1994. “Phycobilisome and phycobiliprotein structure.” Em: Bryant, D. A., org. “The Molecular Biology of Cyanobacteria.” Dordrecht: Springer. P. 139–216.

[2] Ghosh, T., Paliwal, C., Maurya, R. e Mishra, S. 2015. “Microalgal rainbow colours for nutraceutical and pharmaceutical applications.” Em: Bahadur, B., Venkat Rajam, M., Sahijram, L. e Krishnamurthy, K. V., orgs. “Plant Biology and Biotechnology: Volume I: Plant Diversity, Organization, Function and Improvement”. Nova Délhi: Springer, p. 777-91.

[3] Satyanarayana, L., Suresh, C. G., Patel, A., Mishra, S. e Ghosh, P. K. 2005. “X-Ray crystallographic studies on C-phicocyanins from cyanobacteria from diferent habitats: marine and freshwater.” Acta Crystallogr. Sect. F 61(9):844-7. DOI: 10.1107/S1744309105025649.

Citação

Ghosh, T. e Mishra, S. (2017) “How Does Photosynthesis Take Place in Our Oceans?” Front. Young Minds. 5:34. DOI: 10.3389/frym.2017.00034.

Agradecemos a Nicole Malinconico, do Instituto Oceanográfico da USP, pela leitura atenta.

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