Matemática 19 de outubro de 2022, 11:02 19/10/2022

Como a matemática nos ajuda a prever os fluxos de água nas florestas

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher em pé na frente de uma árvore. Setas apontam a direção do fluxo da água que passa pela planta e a evaporação. No balão de pensamento da mulher há um balde com as mesmas setas

Resumo

A água pode fluir de muitas maneiras em meio às florestas, o que dificulta entender e prever onde e quando isso acontecerá. Mas é importante entender esse processo porque ele afeta vários serviços e materiais que as florestas oferecem às pessoas, como a madeira para suas casas e a limpeza do ar.
Os cientistas que se ocupam da água (chamados hidrologistas) dispõem de um recurso para reduzir a complexidade do fluxo de água em uma floresta a algo que podemos explicar com matemática simples: transformam as florestas em baldes! Neste artigo, descrevemos uma floresta do tipo “parque aquático”, onde baldes de folhas e cascas se enchem e se esvaziam uns nos outros ou no chão da floresta. Esses baldes nos ajudam a descrever e prever fluxos de água em florestas mediante o emprego de estatística e matemática simples. Vamos observar o fluxo de chuva que cai da copa das árvores até o chão, contribuindo com água para o crescimento das árvores e enchendo os reservatórios subterrâneos de onde vem a água que bebemos.

Os cientistas da água e seu amor pelos baldes

A água é uma parte importante da natureza, de nossas sociedades e de nossas vidas individuais. Circula o tempo todo – sobe da terra para as nuvens; volta como chuva; enche rios, lagos e mares; recarrega aquíferos subterrâneos; forma correntes de superfície; molha campos e florestas; e rega plantas e árvores. Esse movimento da água recebe o nome de ciclo hídrico e é estudado por cientistas chamados hidrologistas.

Os hidrologistas observam os diversos processo da água na natureza, tentando entendê-los e prevê-los. Alguns fluxos de água são difíceis de seguir – por exemplo, é quase impossível ver a água líquida se transformando em gás invisível devido à evaporação. Isso torna o ciclo hídrico difícil de entender e mais difícil ainda de explicar ou prever.

A fim de ter uma visão desses processos complicados, os hidrologistas supõem que eles atuem como um parque aquático enorme, cheio de baldes interconectados. Alguns baldes são enchidos pela água da chuva, outros pela neve e alguns já estão cheios de água, que começa a fluir. Esse “modelo” mental da natureza pode parecer um tanto maluco, mas na verdade nos ajuda muito a entender e administrar a água. Como?

Bem, vamos começar admitindo um dado óbvio: a natureza é bastante complexa, de modo que não é nada fácil entender e prever seu comportamento. Mesmo quando nos concentramos em uma parte importante do ciclo hídrico – como “de que modo a chuva recarrega o solo numa floresta?” –, muita complicação ainda persiste [1]. Por exemplo: a fim de alcançar o solo, a água da chuva precisa passar através da copa das árvores, cujos galhos e folhas se projetam em todos os ângulos e direções (Figura 1A). A certa altura, durante uma tempestade, a água pode ficar presa, escorrer ou espirrar para todos os lados, através das copas! Como acompanhar essa água – o tempo todo durante a tempestade e em todos os lugares da copa – a fim de calcular a quantidade de chuva que chega ao solo (Figura 1B)?

Só conseguimos fazer isso com muita despesa e dificuldade. Mas os hidrologistas, usando a abordagem do “parque aquático”, investigam esse processo complicado mediante uma técnica científica chamada reducionismo, que é o modo de transformar a complicação em simplicidade. Todos esses galhos e folhas podem ser visualizados como baldes (Figura 1C)! Não importa onde a água da chuva esteja nas copas das árvores: agora ela está simplesmente em um balde. Quando o balde da copa se enche, a água em excesso transborda para o solo embaixo.

Outro benefício dessa redução (a transformação de uma copa em um balde) é que agora podemos usar a matemática para descrever o processo de evaporação (E), chamado interceptação da água da chuva, com uma fórmula simples:

E = R – RT – RS

Figura 1. (A) Copas numa floresta. (B) Na realidade, o fluxo de água de chuva pelas copas até o chão é um processo complicado. As setas azuis indicam a água e as setas vermelhas indicam a evaporação. (C) Usando o reducionismo, os hidrologistas podem criar um simples modelo de balde para tornar mais fácil de entender o fluxo de água numa floresta. Isso nos permite recorrer a uma matemática simples para descrever o processo de interceptação da água da chuva como o enchimento e o esvaziamento de um balde.

Nessa equação, a evaporação a partir da interceptação da água da chuva (E) é realmente difícil de medir (com efeito, os hidrologistas ainda não descobriram uma maneira de medir isso consistentemente [2]), mas cada uma das letras no lado direito da equação representa algo que podemos medir diretamente. Se medirmos a chuva (R) que cai em uma área aberta e próxima das árvores, a água que goteja para o chão sob as árvores como precipitação interna (RT) e a que escorre pelos troncos como escoamento pelo tronco (RS), então obteremos E.

Abrindo buracos nos baldes dos hidrologistas

Os baldes dos hidrologistas têm um grande buraco no alto para que possam ser enchidos pelas tempestades e esvaziados pela evaporação. É o caso do balde de copa: a chuva o enche e um pouco da água está constantemente se evaporando de volta para a atmosfera. Entretanto, para tornar a redução do balde de copa mais útil, devemos fazer nele dois buracos: um para a precipitação interna e o outro para o escoamento pelo tronco. Esses buracos precisam mudar conforme a quantidade de água que entra no balde de copa com o passar do tempo. E os baldes não são os mesmos, pois existem diferentes tipos de árvores.

Digamos que o modelo do balde esteja sendo usado pelos hidrologistas para o entendimento e a previsão do escoamento pelo tronco. A quantidade e o tempo desse escoamento dependem sobretudo de quanta água o balde da árvore pode conter, da facilidade com que a árvore consegue enviar a água para o tronco e do modo como a tempestade libera a chuva. Essas três categorias são descritas pelas chamadas variáveis, que fornecem as características e os valores passíveis de serem medidos ou contados.

Por exemplo, as folhas de algumas árvores são achatadas, outras têm agulhas e as de certas árvores caem no inverno. Certas árvores têm vários troncos e galhos, outras apenas um tronco principal; umas têm cascas lisas, outras têm cascas grossas e ásperas. Essas são variáveis/propriedades de árvores que determinam o tamanho do balde e a facilidade com que a copa dirigirá a água da chuva para o balde (Figura 2). São muitas propriedades, por isso vamos reduzi-las a um único número que ajustará a quantidade de água de chuva segundo a porção capturada pela copa e dirigida para o tronco.

Os hidrologistas chamam a isso coeficiente de drenagem para o tronco(pt), que pode ir de 0 a 100%! Assim, o balde que transborda para produzir o escoamento pelo tronco recebe apenas a água da chuva (R) vezes esse coeficiente menos a evaporação (E). Como a quantidade de água no balde (C) pode às vezes ser menor que a capacidade total do balde (S), precisamos ajustar a taxa de evaporação [3]. Usando a matemática, teremos:

RS = (R x pt) – (E x C/S)

Figura 2. Diferentes tipos de árvores têm diferentes propriedades de copa que afetam o fluxo de água da chuva para o chão. (A) Essa árvore tem um balde de armazenamento de água menor e drena maior quantidade de água da chuva para o tronco, em comparação com a árvore em (B), que tem um balde de armazenamento de água maior e drena menos água para o tronco.

Para calcular a taxa de evaporação, precisamos também de informação sobre o tempo. A água eira escorrer de maneira diferente pelo tronco durante uma chuvarada curta e forte de verão, uma chuva demorada de inverno ou um chuvisco de primavera. É como se diferentes buracos fossem feitos no balde, dependendo da quantidade de chuva caída, de sua duração, da força do vento, do calor ou do frio, do tamanho das gotas, de seu número e dispersão. Qual é, então, a melhor maneira de tratar todas essas condições interconectadas?

Estatística: baldes para todas as árvores e variáveis climáticas

Se não formos cuidadosos, a interação de floresta e variáveis climáticas poderá transformar nosso simples balde de parque aquático numa bagunça. Então, as equações que escrevemos acima parecerão singelas demais para ser úteis. Isso, porém, não acontece porque os hidrologistas complementam essas reduções com outros métodos matemáticos, chamados estatísticos. Trata-se de um campo da matemática que nos ajuda a trabalhar com uma grande quantidade de dados, inclusive coleta, organização e análise.

Por exemplo, os hidrologistas frequentemente procuram descobrir se o escoamento pelo tronco de uma determinada árvore tem relação com uma variável climática (como a quantidade de chuva). Essa relação, chamada correlação, pode nos ajudar a calcular o tamanho do balde, a facilidade com que a copa drena água para o tronco e até a quantidade de evaporação a partir da casca! A Figura 3A fornece um exemplo de árvore que requer 10 mm de água de chuva para encher o balde de copa e deixar a casca suficientemente úmida para iniciar um fluxo de escoamento pelo tronco. Quando o escoamento começa, a copa da árvore consegue drenar para o tronco 1 mm de cada 10 mm adicionais de chuva, sob a forma de escoamento. Agora, portanto, temos o tamanho do balde (10 mm) e o coeficiente de drenagem para o tronco (1/10 = 10%) no caso dessa árvore!

Figura 3. Análise estatística de dados de escoamento pelo tronco em uma árvore dada como exemplo. (A) Uma simples correlação entre chuva e escoamento pelo tronco que mostra como o tamanho de um balde pode ser calculado (o ponto mais baixo no eixo horizontal) e como o coeficiente de drenagem pode ser avaliado (setas azul e vermelha). (B) Simplificação de um método estatístico mais complexo, mostrando o uso de mais variáveis para se determinar o tipo mais apropriado de balde [4]. Utilizando-se mais observações de escoamento pelo tronco com mais tipos de chuva, podemos descobrir quais tipos de baldes serão melhores para condições de vento e calmaria ou para chuvas de diferentes durações (longas ou curtas).

Esse exemplo emprega apenas duas variáveis, mas podemos buscar correlações entre escoamento pelo tronco em todas as árvores e variáveis climáticas ao mesmo tempo, recorrendo a métodos estatísticos mais complexos.

Por exemplo, os hidrologistas podem usar a estatística para representar uma copa de árvore como diferentes tipos de baldes, conforme as diferentes condições climáticas (Figura 3B). Dessa maneira, eles podem continuar usando o conceito de balde mesmo que a copa da árvore responda, em tempestades com ventos fortes, diferentemente do que responderia em tempestades com ventos fracos. Empregando esses métodos, os hidrologistas podem não apenas fazer os buracos certos no balde como também entender por que alguns buracos devem ser mais largos ou posicionados de forma diferente. Esses métodos transformam a realidade confusa da natureza num “parque aquático de baldes” compreensível e ordenado.

A importância dos baldes dos hidrologistas

A água é necessária para todas as formas de vida na Terra e não é de admirar que ela exista no planeta inteiro – inclusive no interior dele, e no nosso! Por isso é difícil saber onde há água, como ela se movimenta e quando está em determinado lugar. Ainda assim, é importante acompanhar, compreender e prever o ciclo hídrico e até que ponto as ações humanas o influenciam. A fim de reduzir esse ciclo complicado a algo que os humanos possam acompanhar, compreender e prever, a abordagem reducionista do balde é muito útil.

Neste artigo, concentramo-nos em um tipo de balde (as copas das árvores) e em um tipo de fluxo de água que ocorre durante tempestades na floresta (escoamento pelo tronco). O balde da floresta e seus fluxos de água são extremamente importantes porque as florestas prestam inúmeros serviços à humanidade – desde fornecer madeira para a construção de casas até resfriar o ar. Muitos desses serviços dependem do modo como a água flui pelo “parque aquático” da floresta. Ao reduzirem a complexidade do ciclo hídrico na floresta, os hidrologistas conseguem descrever esses complicados processos graças ao uso da matemática – que, como você agora sabe, é simples e está ao alcance de jovens do mundo inteiro!

Glossário

Hidrologista: Cientista que estuda a água e seus movimentos pelo planeta.

Evaporação: Processo importante no ciclo da água que acontece quando a água líquida se transforma em gás.

Reducionismo: Análise e descrição de um processo complexo em palavras simples, para que os humanos consigam entendê-lo melhor e fazer previsões.  

Interceptação da água da chuva: Parte da chuva (ou da neve) que não chega ao chão embaixo da árvore porque se evapora ao passar por entre os galhos e as folhas.

Precipitação interna: Água de chuva que desce pelos espaços entre as árvores e pinga das folhas e galhos no chão.

Escoamento pelo tronco: Água de chuva que desce pelo tronco das árvores até o chão da floresta.

Variáveis: Características, número ou quantidade que podem ser medidos ou contados.

Coeficiente de drenagem para o tronco: Porção de chuva capturada pela copa e enviada para o tronco.

Agradecimentos

Este artigo foi preparado como parte de atividades na UNESCO Chair of Water-related Disaster Risk Reduction, Universidade de Ljubljana, Eslovênia.

Referências

[1] Allen, S. T., Aubrey, D. P., Bader, M. Y., Coenders-Gerrits, M., Friesen, J., Gutmann, E. D. et al. 2020. “Key questions on the evaporation and transport of intercepted precipitation”, em Precipitation Partitioning by Vegetation (Cham: Springer), pp. 269–80.

[2] Coenders-Gerrits, M., Schilperoort, B. e Jiménez-Rodríguez, C. 2020. “Evaporative processes on vegetation: an inside look”, em Precipitation Partitioning by Vegetation (Cham: Springer), pp. 35–48.

[3] Rutter, A. J., Kershaw, K. A., Robins, P. C. e Morton, A. J. 1971. “A predictive model of rainfall interception in forests, 1. Derivation of the model from observations in a plantation of Corsican pine.” Agric. Meteorol.9:367–84. DOI: 10.1016/0002-1571(71)90034-3.

[4] Bezak, N., Zabret, K. e Šraj, M. 2018. “Application of copula functions for rainfall interception modelling.” Water. 10:995. DOI: 10.3390/w10080995.

Citação

Zabret, K., Šraj, M. e Van Stan, J. (2022). “How math helps us predict water flows in forests.” Front. Young Minds. 10:762009. DOI: 10.3389/frym.2022.762009.

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