Ideias fundamentais Neurociências e Psicologia 2 de maio de 2024, 18:02 02/05/2024

Como aprendemos a executar movimentos com habilidade?

Autores

Jovens revisores

Na ilustração, uma menina e um cérebro executam três atividades em uma escala de degraus. No primeiro degrau, a menina está sentada lendo, com o cérebro ao seu lado, sugerindo atividade cognitiva. No segundo degrau, ambos estão pulando corda juntos, denotando atividade associativa. No terceiro degrau, a menina ainda está pulando corda, enquanto o cérebro lhe entrega um troféu, simbolizando autonomia. 

Resumo

Em algum momento de suas vidas, todos os atletas foram aprendizes, até mesmo os ganhadores de medalhas de ouro nas olimpíadas e os campeões mundiais. Por anos, eles treinaram para se tornar competitivos, e treinaram mais ainda para chegar à elite do esporte. Essa transformação de aprendiz em especialista requer aprendizagem motora, que é o processo de aquisição e refinamento de habilidades motoras (movimento). Inspirados pela observação de que as habilidades motoras evoluem da dificuldade para a facilidade, os psicólogos dividiram a aprendizagem motora em três etapas distintas: cognitiva, na qual coletamos informações sobre as ações necessárias para executar uma habilidade; associativa, na qual refinamos nossos movimentos; e autônoma, na qual nossos movimentos se tornam suaves e automáticos. Aqui vamos explorar como uma jovem atleta fictícia, Amy, avança ao longo dessas três etapas, e emprega diferentes partes de seu cérebro para fazer a transição de aprendiz para especialista.

Introdução

Como você atravessa a rua ou pega sua mochila pesada? Como você se levanta da cama ou abre a porta do carro? É surpreendente o modo como conseguimos mover e coordenar muitos músculos diferentes ao mesmo tempo, despendendo pouquíssimo esforço. Mas nem todos os movimentos são parecidos. Existem movimentos amplos, que envolvem músculos maiores, como os dos bíceps, que ajudam você a arremessar, ou os dos quadríceps, que ajudam você a andar. Existem também músculos menores que controlam os dedos, essenciais para movimentos finos e precisos, como os necessários para tocar piano e usar um lápis. 

Como adquirimos novos movimentos e também aprimoramos os antigos? Nós fazemos isso graças ao processo de aprendizagem e refinamento das habilidades motoras. Inspirados pela observação de que as habilidades motoras evoluem, passando da necessidade de imprimir esforço para desempenhá-las e chegando a ausência de esforço, Fitts e Posner propuseram um modelo em que a aprendizagem motora é dividida em três etapas: cognitiva, associativa e autônoma [1].

Na etapa cognitiva, confiamos na cognição, ou processamento de novas informações, a fim de determinar quais passos são necessários para realizar um movimento com precisão. Na etapa associativa, nossos movimentos são refinados pelas informações do ambiente (por exemplo, quanto faltou para um frisbee acertar o alvo) e pelas informações de nossos corpos (por exemplo, se o frisbee foi lançado com técnica e postura adequadas). Na etapa autônoma, nossos movimentos tornam-se automáticos e executados com perfeição, sem realmente termos de pensar neles. Para ilustrar essas três etapas de aprendizagem motora, vamos examinar como uma jovem atleta fictícia chamada Amy aprendeu a jogar frisbee [2]. 

A etapa cognitiva

A jornada de aprendizagem motora de Amy começou com a etapa cognitiva, na qual Amy passou muito tempo tentando entender como funcionava o jogo de frisbee e quais tipos de movimento eram necessários. Ela consultou livros e vídeos instrutivos para descobrir todos os movimentos físicos necessários para lançar o frisbee, procurando absorver todas essas novas informações o mais rápido que pudesse. Por exemplo, Amy percebeu que precisava segurar o frisbee com o dedo indicador e o polegar, curvar o pulso na direção do corpo e soltá-lo girando o ombro.

As primeiras tentativas de Amy deram errado. O frisbee quase não rodopiou. Mesmo no dia seguinte, saiu de controle e voou direto para os arbustos. Seu lançamento carecia de consistência, o que é comum na etapa cognitiva. 

Apesar da frustração, Amy continuou a ensaiar a sequência de movimentos necessária para um lançamento bem-sucedido. 

A etapa associativa

Após algumas semanas de treinamento, Amy se tornou fluente no lançamento básico do frisbee. O lançamento melhorou bastante, mas estava longe de ser perfeito. Amy, então, passou para a etapa associativa de aprendizagem motora. Foi do aprendizado de quais movimentos executar para o de como executá-los com perfeição. Por tentativa e erro, Amy se tornou mais precisa na pegada e incluiu uma sequência após o lançamento. Os movimentos de Amy tornaram-se mais consistentes e refinados de maneira constante, dependendo menos de seu conhecimento sobre o frisbee que da informação de seus sentidos, como a propriocepção, que é a consciência de onde o corpo está no espaço. 

A etapa autônoma 

Após anos de prática contínua, Amy se tornou uma especialista e é a capitã do seu time de frisbee. Amy entrou na etapa autônoma de aprendizagem motora, jogando um frisbee com rapidez e precisão pelo campo afora. Seus movimentos se tornaram fáceis, automáticos e, às vezes, até fora de sua consciência. Sua aprendizagem, no entanto, começou a estagnar, com melhorias mínimas mesmo com prática prolongada (Figura 1). 

Figura 1. As etapas de aprendizagem motora. (A) Na etapa cognitiva, Amy aprende como arremessar o frisbee em vídeos e manuais. (B) Na etapa associativa, Amy continua a aprender por tentativa e erro, ao longo de meses de prática. (C) Na etapa autônoma, o arremesso de Amy se torna automático e sem esforço, permitindo que ela fique em primeiro lugar no campeonato nacional. (D) As habilidades de frisbee de Amy melhoraram rapidamente na etapa cognitiva, gradualmente na etapa associativa e estagnaram na etapa autônoma. 

Esquecer e lembrar

Se Amy parar de praticar por muito tempo, poderá esquecer parte do que aprendeu. No entanto, habilidades bem praticadas e automatizadas são esquecidas mais lentamente do que habilidades menos arraigadas na memória. Se Amy pegar um frisbee depois de algum tempo sem jogar poderá inicialmente se sentir “enferrujada” ou sem jeito, por haver esquecido essas habilidades motoras. No entanto, será capaz de reaprendê-las mais rapidamente do que quando as aprendeu pela primeira vez. Por exemplo, para alguém que reaprende a andar de bicicleta depois de anos sem tocar em uma o processo será muito mais rápido do que aprender a andar de bicicleta pela primeira vez. 

O papel do cérebro na aprendizagem motora

O cérebro é dividido em muitas regiões. Elas desempenham funções especializadas que, juntas, permitem a Amy aprender a lançar um frisbee (Figura 2). Existem três regiões cerebrais que parecem essenciais para a atividade motora: o hipocampo, o cerebelo e o córtex motor [3]. Acredita-se que o hipocampo armazene novas lembranças e seja crucial quando se trata de evocar os passos necessários para lançar um frisbee durante a etapa cognitiva de aprendizagem. O cerebelo ajuda a refinar o lançamento do frisbee usando informações visuais e propriocepção, sendo especialmente importante para a aprendizagem por tentativa e erro durante a etapa associativa de aprendizagem. Finalmente, o córtex motor ajuda a coordenar a direção e a força do lançamento do frisbee, transmitindo informações do cérebro para os músculos de maneira automática.

À medida que essas regiões do cérebro (e muitas outras) vão se sincronizando, o lançamento do frisbee de Amy se torna menos trabalhoso e mais automático na etapa final e autônoma do aprendizado. 

Figura 2. A função do cérebro na aprendizagem motora. Há três regiões principais do cérebro associadas à aprendizagem motora. O hipocampo armazena lembranças da habilidade motora, o cerebelo ajuda a ajustar movimentos por tentativa e erro, e o córtex motor coordena a direção e a força do movimento. A figura representa uma visão do lado esquerdo do cérebro. 

Conclusão

Os movimentos habilidosos, como o arremesso de um frisbee, evoluem ao longo de várias etapas de aprendizagem e mobilizam muitas regiões cerebrais e grupos musculares. Da próxima vez que você aprender um novo esporte ou habilidade, observe como progride ao longo das três etapas do aprendizado motor: a cognitiva, na qual grandes melhorias surgem da instrução e da demonstração; a associativa, na qual os movimentos são gradativamente refinados por tentativa e erro; e a autônoma, na qual os movimentos, antes difíceis, tornam-se automáticos e sem esforço. Concluindo, o modelo de Fitts e Posner não só nos ajudou a compreender a base da aprendizagem motora como tornou o treinamento esportivo para atletas e a reabilitação física para pacientes muito mais eficazes. 

Referências

[1] Fitts, P. M. e Posner, M. 1967. “Human performance.” Belmont, CA: Brooks/Cole Publishing.

[2] Lift, A. R. e Buitrago, M. M. 2005. “Stages of motor skill learning”. Mol. Neurobiol. 32:205–16. DOI: 10.1385/MN:32:3:205.

[3] Thompson, R. F. 1986. “The neurobiology of learning and memory.” Science. 233:941–7. DOI: 10.1126/science.3738519.

Citação

Chandy, A., Tsay, J. e Ivry, R. (2022). “How do we learn skilled movements?” Front. Young Minds. 10:676806. DOI: 10.3389/frym.2022.67806. 

Glossário

Habilidades motoras: Capacidade de fazer um movimento específico, como chutar uma bola ou amarrar um cadarço.

Etapa cognitiva: Etapa na qual melhoramentos significativos nas habilidades ocorrem a partir da instrução e da demonstração. 

Etapa associativa: Etapa na qual os movimentos são continuamente refinados por meio de tentativa e erro.

Etapa autônoma: Etapa na qual os movimentos se tornam automáticos e fáceis. 

Propriocepção: Consciência de onde o corpo está localizado no espaço; consciência corporal. 

Hipocampo: Região do cérebro associada à formação e armazenamento de novas lembranças. 

Cerebelo: Região do cérebro responsável por manter a postura, e integrar sinais do ambiente e do corpo a fim de tornar os movimentos mais precisos e eficientes.  Córtex motor: ↑ Região do cérebro que coordena diferentes músculos e sequências específicas de movimentos. 

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