Neurociências e Psicologia 24 de agosto de 2022, 11:41 24/08/2022

Como o cérebro nos ajuda a entender as outras pessoas?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de um cérebro explicando para uma criança sobre as interações entre ouras crianças

Resumo

O que você acha que seus amigos pensam quando recebem um cumprimento? De que modo se sentem quando tiram uma boa nota na escola? O estudo das outras pessoas e do que conhecem, acreditam ou desejam recebe o nome de cognição social. Algumas partes do cérebro são importantes para a cognição social e elas atuam juntas numa rede que nos permite pensar sobre nossos semelhantes. Como desenvolvemos essas habilidades sociais desde que somos bebês? Neste artigo, trataremos das partes do cérebro que são importantes para a cognição social e explicaremos como a rede das regiões cerebrais responsáveis pelo funcionamento da cognição social se desenvolve ao longo dos anos, desde o recém-nascido até o adulto.

O que é a cognição social?

Você já se perguntou o que outra pessoa está pensando ou sentindo? Todos os dias conversamos com muitas pessoas diferentes e realizamos coisas em colaboração com elas. Isso é possível graças ao cérebro! O cérebro participa de tudo que fazemos e é especialmente importante para as experiências sociais. Reflita sobre os fatos sociais que você vivencia diariamente, brincando com os amigos, conversando com seus pais e irmãos, aprendendo com seus professores na escola, comemorando o aniversário de sua avó na casa dela etc. Todas essas pessoas são parte de sua rede social: o grupo com quem você interage. Quando você interage com outras pessoas (e também quando apenas as observa ou pensa sobre elas), sem dúvida tenta imaginar o que estão sentindo ou o que estão pensando.

Figura 1. Quando interagimos com outras pessoas em nossas redes sociais (ou quando apenas pensamos sobre elas), procuramos imaginar o que estão pensando ou sentindo (Crédito da figura: Jule Schretzmeir).

Cognição significa pensamento, aprendizado e compreensão das coisas. Cognição social é um tipo especial de cognição que implica pensar sobre o que outras pessoas pensam, querem ou sentem. A cognição social nos ajuda a entender como nossos amigos se sentem quando recebem um presente que queriam há tempos ou como um de nossos colegas se sente quando obtém uma nota boa na escola. Isso talvez pareça coisa simples, mas na verdade é algo bastante notável! Como não podemos ler a mente dos outros, imaginamos seus sentimentos, seus pensamentos, seus conhecimentos. Temos aqui uma habilidade humana muito importante.

Quais as partes do cérebro importantes para a cognição social?

Certas partes do cérebro nos ajudam a pensar sobre os outros (Figura 2). Comecemos pela frente do cérebro, chamada córtex pré-frontal. Se você tocar o meio de sua testa, estará apontando para essa parte de seu cérebro. O córtex pré-frontal é responsável por muitas atividades: lembrança, tomada de decisões, planejamento e cognição social [1]. Ele nos ajuda a nos colocarmos na situação de outra pessoa, ou seja, essa parte do cérebro se torna ativa quando imaginamos como outra pessoa se sente ou pensa.

Figura 2. As partes do cérebro que nos ajudam a pensar sobre os outros.
Ao pensar sobre os outros, usamos vários lóbulos do cérebro, inclusive o córtex pré-frontal (vermelho-claro), o sulco temporal superior (linha vermelha grossa) e a junção temporoparietal, onde se encontram os lóbulos temporal e parietal (área circulada). (B) A amígdala (em verde) também é importante quando você pensa sobre os outros – por exemplo, para reconhecer a expressão no rosto de alguém (Crédito da figura: Jule Schretzmeir).

Outra região do cérebro que ajuda na cognição social são as amígdalas. Essa palavra vem do grego amygdale, que significa “amêndoa”. Como você deve ter adivinhado, a amígdala tem a forma de uma amêndoa! Temos uma amígdala de ambos os lados (hemisférios) do cérebro e, embora essas áreas sejam muito pequenas, são importantíssimas! As amígdalas cuidam da cognição social, mas também controlam nossas emoções e aprendizado [2]. Por exemplo, na cognição social, elas facilitam o reconhecimento da expressão no rosto de alguém e informam se a pessoa parece feliz, triste ou amedrontada.

Outra região do cérebro importante para a cognição social é o sulco temporal superior. Se você imaginar seu cérebro como uma cadeia de montanhas, com picos e vales, “sulcos” são a palavra usada para os “vales” do cérebro. “Temporal” refere-se ao lóbulo temporal, onde esse vale é encontrado, e “superior” significa que o vale se localiza no alto do lóbulo temporal.

Bem perto do sulco temporal superior está a junção temporoparietal. É a região onde os lóbulos temporal e parietal se encontram. Tanto o sulco temporal superior quanto a junção temporoparietal são importantes para interagirmos com outras pessoas. Juntamente com o córtex pré-frontal, essas regiões se tornam ativas quando imaginamos como outras pessoas se sentem ou o que estão pensando [1].

O sulco temporal superior também é ativado quando reconhecemos a expressão do rosto de alguém; e, conforme você já viu, essa região trabalha juntamente com as amígdalas para obter esse resultado. Na verdade, todas as partes do cérebro envolvidas na cognição social trabalham juntas. Na rede social, as pessoas se ajudam; a rede do cérebro faz o mesmo. Todavia, quando nascemos, as regiões do cérebro ainda não estão bem conectadas. Como desenvolvemos essas importantes conexões cerebrais que nos ajudam na cognição social?

A cognição social nos bebês

Um recém-nascido precisa aprender a falar e a interagir com seus semelhantes. Felizmente, ele consegue fazer isso com rapidez e, depois de certo tempo, aprende também a entender como os outros se sentem, como brincar com eles e o que pensar sobre as pessoas (Figura 3). Na infância, o cérebro ainda está se desenvolvendo. Mesmo agora, seu cérebro continua aprendendo mais coisas sobre os outros – e tudo isso começou quando você era bebê.

Figura 3. A cognição social se desenvolve ao longo da infância e da adolescência. Primeiro, os bebês observam, ouvem e começam a brincar com os outros. Um pouco mais tarde, já conseguem imaginar o que alguém está pensando. Por fim, os adolescentes desenvolvem ainda mais suas habilidades sociais ao interagir com diferentes tipos de pessoas (Crédito da figura: Jule Schretzmeir).

Logo depois de nascer, os bebês se interessam mais por pessoas do que por objetos. Gostam de ouvir vozes, especialmente as dos pais, e de observar rostos humanos. Nos primeiros meses de vida, começam a perceber quando alguém fala com eles e esse primeiro passo é importante para a cognição social.

Você certamente já ouviu alguém usando “fala de bebê” para conversar com uma criancinha – a pessoa deve usar um tom de voz mais alto, repetir várias vezes as mesmas palavras e pronunciá-las com clareza. Você pode achar isso um tanto ridículo, mas os bebês gostam dessa conversa, que os ajuda a desenvolver a linguagem e as habilidades sociais. Quando notam que alguém está conversando com eles de maneira amistosa, sorrindo ou fitando-os, as áreas pré-frontais de seu cérebro são ativadas [3]. Mesmo nos primeiros meses de vida, a região pré-frontal se mostra ativa durante a cognição social.

No primeiro ano de vida, os bebês não apenas se interessam por vozes e rostos como desenvolvem algumas habilidades sociais. Por exemplo, os pesquisadores descobriram que, quando um bebê brinca com a mãe e aponta para um carrinho, se a mãe também olhar para o carrinho, ocorrerá maior ativação no córtex pré-frontal do bebê. Segundo parece, os bebês prestam mais atenção a uma coisa que veem quando percebem que alguém mais está vendo essa mesma coisa ao mesmo tempo! Além de muitas outras habilidades que os bebês desenvolvem em seu primeiro ano, essa os ajuda a partilhar um brinquedo com outra pessoa.

A cognição social em crianças

As crianças pequenas continuam a adquirir muitas outras habilidades sociais: aprendem a falar e a brincar com várias outras crianças no parquinho ou na escola. As crianças começam a entender que cada pessoa tem seus próprios pensamentos e sentimentos, e que talvez vejam o mundo diferentemente delas. Por exemplo, algumas pensam que podem se esconder tapando os olhos – como não veem, os outros também não verão. Quando evoluem um pouco em cognição social, começam a compreender que os outros conseguem vê-las quando elas estão de olhos fechados.

As crianças não apenas aprendem que cada qual tem seu conhecimento, seus pensamentos e seus sentimentos como percebem que, às vezes, as pessoas acreditam em coisas que não são verdadeiras. Imagine isto: seu irmão pensa que ainda há sorvete na geladeira e você sabe que não há porque, no dia anterior, tomou o último bocado após a escola. Mas observa que, quando sua mãe lhe pergunta se há sorvete na geladeira, ele responde que sim porque não sabe que você tomou o último bocado na véspera. Ou seja, você entende que cada pessoa pode ter uma crença diferente: seu irmão acredita em algo que para você não é verdadeiro.

As crianças desenvolvem essas habilidades por volta dos 4 anos de idade e os pesquisadores demonstraram que três regiões cerebrais são ativadas quando elas veem alguém acreditando em coisas nas quais não acreditam: a junção temporoparietal, o sulco temporal superior e o córtex pré-frontal [4].

Compreender que todos têm seus próprios pensamentos e sentimentos é uma habilidade que se desenvolve à medida que as crianças crescem. Mesmo na adolescência, isso ainda acontece! A adolescência sobrevém acompanhada de grandes mudanças no modo como as crianças sentem, veem e pensam. Durante esses anos, o cérebro também muda. Ele é feito principalmente de dois tipos de tecido: matéria branca e matéria cinzenta. Ao longo da adolescência, as quantidades de matéria branca e cinzenta no cérebro vão se diferenciando [5] – mais matéria branca e menos matéria cinzenta se formam no córtex pré-frontal, região muito importante para a cognição social!

Alguns pesquisadores associam a reorganização do cérebro adolescente a mudanças em seu comportamento social. Os adolescentes, em geral, evoluem na interação com diferentes tipos de pessoas e na maneira de pensar sobre si mesmos e os outros. Entretanto, por alguns anos, acham um pouco mais difícil que antes reconhecer as emoções alheias. Também acham mais difícil decidir se já viram determinado rosto antes. Mas não há motivo de preocupação: quando atingem a maturidade, seu cérebro praticamente já se reorganizou e eles passam a reconhecer melhor emoções e rostos, bem como outros aspectos da cognição social. Quando nos tornamos adultos, adquirimos já todas as habilidades de que necessitamos para usar com eficiência nosso cérebro social. Mas isso não quer dizer que, como adultos, não possamos continuar aprendendo e melhorando.

Conclusão

Agora você sabe que podemos pensar sobre os outros e sobre o que talvez estejam imaginando ou sentindo graças a diferentes partes do cérebro que trabalham em conjunto. As amígdalas, o córtex pré-frontal, o sulco temporal superior e a junção temporoparietal formam uma rede cerebral que nos permite construir nossas próprias redes sociais com nossa família, amigos e estranhos. Essa rede de regiões cerebrais começa a funcionar quando ainda somos bebês; e, à medida que crescemos, faz com que nos tornemos mais e mais sociáveis. Assim, da próxima vez que você olhar para alguém e saber imediatamente o que ele está sentindo ou pensando, lembre-se de que existem diversas partes de seu cérebro trabalhando duro para tornar isso possível!

Glossário

Rede social: Todas as pessoas com quem você conversa e colabora.

Cognição: Pensar, aprender e compreender coisas.

Cognição social: Pensar sobre o que os outros conhecem e sentem.

Córtex pré-frontal: A parte da frente do cérebro.

Amígdala: A área pequena e em forma de amêndoa do cérebro.

Sulco temporal superior: O “vale” do cérebro localizado no alto do lóbulo temporal.

Junção temporoparietal: A área onde os lóbulos temporal e parietal se encontram.

Referências

[1] Adolphs, R. 2009. “The social brain: neural basis of social knowledge.” Annu. Rev. Psychol. 60:693–716. DOI: 10.1146/annurev.psych.60.110707.163514.

[2] Bickart, K. C., Dickerson, B. C. e Feldman Barrett, L. 2014. “The amigdala as a hub in brain networks that support social life.” Neuropsychologia 63: 235–48. DOI: 10.1016/j.neuropsychologia.2014.08.013.

[3] Grossmann, T. 2015. “The development of social brain functions in infancy.” Psychol. Bull. 141:1266-87. DOI: 10.1037/bul0000002.

[4] Richardson, H., Lisandrelli, G., Riobueno-Naylor, A. e Saxe, R. 2018. “Development of the social brain from age three to twelve years.” Nat. Commun. 9:1027. DOI: 10.1038/s41467-018-03399-2.

[5] Blakemore, S. J. 2012. “Development of the social brain in adolescence.” J. R. Soc. Med. 105:111–6. DOI: 10.1258/jrsm.2011.110221.

Citação

Van Zwet, J., Schretzmeir, J., Hunnius, S., Grossmann, T. e Meyer, M. (2022). “How does the brain help us understand others?” Front. Young Minds. 10:760058. DOI: 10.3389/frym.2022.760058.

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