Ideias fundamentais Saúde Humana 21 de fevereiro de 2024, 15:53 21/02/2024

Como o sistema imunológico inato batalha pela sua saúde 

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma garota chorando sentada em um sofá, enquanto ao fundo, um gato a observa com curiosidade. Em destaque, um círculo amplifica a visão de um ferimento exposto no braço da menina.

Resumo

Quando seu corpo se depara com intrusos como vírus, bactérias, fungos ou parasitas, a invasão desencadeia um processo complexo e surpreendente chamado resposta imunológica. O sistema imunológico deve ser acionado para combater os intrusos, mas também deve ser capaz de diferenciá-los dos tecidos saudáveis do próprio corpo. O objetivo da resposta imunológica é manter o corpo saudável. As primeiras reações que ocorrem para proteger o corpo de organismos invasores são chamadas de resposta imunológica inata. Neste artigo, explicamos os componentes do sistema imunológico inato e como esse sistema ajuda a manter o corpo protegido contra invasores perigosos.

Respostas imunológicas rápidas X respostas lentas

O sistema imunológico tem sido objeto de muita atenção da mídia nos últimos anos por causa da recente pandemia de COVID-19. Termos como imunidade e vacinação se tornaram parte da nossa linguagem comum. A maior parte da atenção está focada em uma parte específica do sistema imunológico chamada sistema imunológico adaptativo. “Adaptativo” significa ser capaz de mudar – ou seja, adaptar-se – diante de novas situações. 

Desse modo, a imunidade adaptativa se desenvolve gradativamente, a partir de cada nova infecção. A vantagem do sistema imunológico adaptativo é que ele possui memória, e pode lembrar-se de intrusos que já viu antes. Se o mesmo micróbio tentar novamente invadir o corpo, as células imunológicas adaptativas poderão responder de forma mais rápida e vigorosa. A desvantagem do sistema imunológico adaptativo é que, quando a primeira infecção ocorre, pode demorar alguns dias até que aconteça a resposta inicial. E nos casos de infecções graves, cada minuto conta! Até mesmo uma demora de alguns dias pode se mostrar longa demais, e resultar em morte. Felizmente, o sistema imunológico adaptativo tem um  parceiro: o sistema imunológico inato, que responde instantaneamente à invasão microbiana. 

Primeira linha de defesa: a fortaleza

O mecanismo básico de proteção do sistema imunológico é surpreendentemente simples: ele distingue entre células do seu próprio corpo, ou que pertencem ao “eu”, e coisas estranhas, ou “não-eu”. Parasitas, vírus e bactérias são todos intrusos vistos pelo sistema imunológico como “não-eu”. Uma vez que muitos desses intrusos podem ser perigosos, devem ser eliminados o mais rápido possível. 

Ao sistema imunológico inato não importa que o invasor seja uma bactéria, parasita, fungo ou vírus: ele simplesmente quer barrar e/ou matar qualquer intruso. Ele possui várias linhas de defesa para retardar ou impedir a entrada de intrusos no corpo. Você pode ficar surpreso ao saber que toca todos os dias a maior barreira física do sistema imunológico inato: sua pele. Assim como faz uma fortaleza, a pele nos protege contra qualquer invasor que queira entrar no corpo. A pele intacta é difícil de penetrar. As aberturas naturais da pele possuem suas próprias armas defensivas. Pense nos minúsculos pelos dentro das orelhas e do nariz, que podem deter potenciais invasores, ou no muco, um fluido pegajoso que retém micróbios.

Você já viu esse mecanismo de defesa em ação quando está resfriado: sente um aumento na produção de muco e precisa assoar o nariz ou pigarrear com frequência. Nos olhos, as lágrimas põem para fora os micróbios. Elas mesmas estão cheias de substâncias que podem atacar e decompor as bactérias. Os micróbios que tentam entrar em nosso corpo junto com os alimentos que ingerimos enfrentam enzimas digestivas na boca e ácidos fortes no estômago e intestinos. 

Segunda linha de defesa: armadilhas

Se os micróbios conseguirem atravessar as barreiras físicas do corpo, existem algumas armadilhas construídas no corpo como defesa interna. Um elemento-chave nessa segunda linha defensiva é o reconhecimento de estruturas comuns nas superfícies dos invasores. Bactérias, vírus e parasitas têm padrões em suas células que não são encontrados em um corpo saudável. Moléculas chamadas receptores de reconhecimento de padrões nas células do sistema imunológico inato podem se ligar a essas estruturas estranhas. Isso funciona como um classificador de formas: apenas um determinado padrão se ajusta ao receptor e o ativa (Figura 1) [1]. Células imunológicas com receptores de reconhecimento de padrões são encontradas estrategicamente em todos os locais possíveis onde intrusos possam entrar, esconder-se e reproduzir-se no corpo.

Assim que um intruso microbiano ativa um receptor de reconhecimento de padrões, alarmes disparam no corpo, ativando programas de defesa e reparo para ajudá-lo a se livrar dos micróbios o mais rápido possível.

 

Figura 1. Receptores de reconhecimento de padrões em células imunológicas podem reconhecer estruturas específicas dos micróbios. 

Terceira linha de defesa: inflamação

Quando os receptores de reconhecimento de padrões de células do sistema imunológico reconhecem um intruso, uma das respostas de “alarme” é a liberação de substâncias chamadas mediadores inflamatórios, que causam inflamação.

A inflamação é uma resposta normal à infecção e às células danificadas ou mortas do corpo. A área afetada se torna vermelha, dolorida, quente e inchada, reduzindo frequentemente a mobilidade, por exemplo a de um pé infectado. O objetivo da inflamação é manter a infecção isolada em um local, impedindo-a de se espalhar e infectar outras partes do corpo. Para isso, o intruso deve ser eliminado rapidamente [2]. Os mediadores inflamatórios também podem causar dor, avisando que algo está errado. A dor significa que você deve proteger a parte ferida/infectada de seu corpo sem perder a calma.

Outro mecanismo de proteção ativado por mediadores inflamatórios é a dilatação de pequenos vasos sanguíneos na área infectada, fazendo com que o fluxo sanguíneo aumente, a área fique vermelha e se torne quente e inchada. A dilatação dos vasos sanguíneos permite que mais células imunológicas (descritas abaixo) viajem rapidamente pelo sangue até o local comprometido. Isso ajuda a eliminar a infecção. 

A febre, ou aumento da temperatura do corpo, pode ocorrer em muitas infecções. A temperatura alta do corpo ajuda-o a combater a infecção. Em primeiro lugar, o aumento da temperatura pode matar alguns micróbios. As bactérias, por exemplo, odeiam o calor. Em segundo lugar, o aumento da temperatura estimula os processos de reparação do corpo, pois o calor aumenta o fluxo sanguíneo, que resulta em mais oxigênio e nutrientes viajando para a parte infectada do corpo. Por último, a febre nos encoraja a descansar, o qual é importante para a recuperação. Assim, a próxima vez que você tiver uma febre, lembre-se: é seu sistema imunológico inato que está lutando por sua saúde! 

Mestres em defesa: células do sistema imune inato

As células do sistema imunológico, também conhecidas como glóbulos brancos, são cruciais para reduzir as inflamações e eliminar as infecções (Figura 2) [3]. Discutiremos três tipos importantes de células do sistema imunológico inato: neutrófilos, macrófagos e células dendríticas. 

Figura 2. A pele, o muco, as lágrimas e os pequenos pelos do nariz e das orelhas ajudam a impedir a entrada de invasores microbianos no corpo. Se os micróbios ultrapassarem essas defesas, as células do sistema imunológico inato irão atacá-los. Os neutrófilos chegam primeiro e podem produzir fibras para capturar micróbios. Os macrófagos fagocitam uma grande quantidade de micróbios. As células dendríticas ativam o sistema imunológico adaptativo mostrando-lhe pedaços do invasor.

Os guerreiros de linha de frente, que chegam minutos após o sinal de ‘aquecimento’, são células chamadas de neutrófilos, o tipo mais comum de glóbulos brancos. Os neutrófilos podem produzir fibras que formam redes, quase como uma teia de aranha, capazes de capturar as bactérias. 

Os neutrófilos realizam a exploração inicial da área infectada, fagocitam (comem) micróbios (processo chamado fagocitose) e produzem substâncias chamadas citocinas. As citocinas são como mensagens de texto do sistema imunológico, facilitando a comunicação entre as células imunológicas e entre o sistema imunológico e o resto do corpo. As citocinas dizem às células imunológicas para onde ir e informam ao sistema imunológico quais tipos de células imunológicas são necessárias para combater aquele intruso específico. 

Os macrófagos chegam logo após os neutrófilos, mas permanecem nos tecidos por mais tempo. Alguns macrófagos estão normalmente presentes nos tecidos do corpo, esperando para nos proteger do ataque. Sua tarefa principal é fagocitar tantos invasores quanto possível. Os macrófagos possuem uma enorme capacidade fagocitária, por isso podem comer muito mais do que os neutrófilos! Os macrófagos caçam micróbios e células danificadas, quase como se vê no game Pac-Man. 

Por último, as células dendríticas estão presentes nos tecidos que entram em contato com o exterior do corpo, principalmente na pele, mas também no nariz, pulmões, estômago e intestinos. As células dendríticas participam de uma parte crítica da resposta imunológica: mostrar o alvo. As células dendríticas exibem partes dos micróbios mortos ao sistema imunológico adaptativo, para que este possa coordenar a reação defensiva adequada. Como as células dendríticas fazem parte do sistema imunológico inato, mas ativam o sistema imunológico adaptativo, elas servem como ponte entre as duas partes diferentes do sistema imunológico. 

O fim da batalha

Por fim, as células do sistema imunológico inato recebem ajuda das células do sistema imunológico adaptativo. Não existe um ponto determinado em que o sistema imunológico inato cessa sua atuação e o sistema imunológico adaptativo assume o controle; os dois sistemas se comunicam o tempo todo.

Na maioria dos casos, a reação inflamatória cessa quando o micróbio é eliminado do corpo pelas células do sistema imunológico adaptativo e os tecidos danificados do corpo são reparados. Quando uma farpa é removida de seu dedo, a área fica vermelha e dolorida por um tempo, mas por fim sua pele cicatrizará. Embora a inflamação seja uma parte crítica da resposta imunológica, é importante que a inflamação pare assim que o micróbio invasor desaparece. Se a inflamação não for controlada, o sistema imunológico estará constantemente em alerta máximo, o que poderá levar à inflamação crônica [4]. A inflamação crônica pode causar danos aos órgãos e tecidos do corpo e contribuir para problemas como asma e doenças cardiovasculares. Assim, o fim da batalha é tão importante quanto o início! 

Conclusão

O sistema imunológico é uma rede complexa com um objetivo: manter você tão saudável quanto possível! O sistema imunológico inato é uma parte essencial do sistema imunológico que é ativado imediatamente quando um invasor tenta entrar no corpo. Ele nos protege mantendo uma fortaleza ao redor do corpo, prendendo e matando quaisquer micróbios perigosos que consigam invadir. O sistema imunológico inato nos protege até que o sistema imunológico adaptativo assuma o controle, termine a batalha e gere a memória do invasor para nos proteger contra ataques futuros. Como o sistema imunológico é tão importante, devemos fazer o que pudermos para mantê-lo funcionando de maneira ideal. Como? Coma alimentos saudáveis, beba bastante água, durma o suficiente, faça exercícios regularmente e tente evitar muito estresse. Um sistema imunológico saudável significa um corpo saudável! 

Glossário

Sistema imunológico: Sistema complexo de células e órgãos que protege o corpo do ataque de micróbios prejudiciais. O sistema imunológico inato funciona imediatamente, enquanto o sistema imunológico adaptativo leva alguns dias para começar a funcionar. 

Sistema imunológico inato: Parte do sistema imunológico que responde primeiro e instantaneamente para proteger o corpo de organismos invasores. 

Receptores de reconhecimento padrão: Moléculas presentes nas células imunológicas que podem detectar estruturas “não seguras” nas superfícies dos micróbios. 

Mediadores inflamatórios: Substâncias que atuam em células e/ou vasos sanguíneos e promovem inflamação. 

Neutrófilo: Tipo mais comum de glóbulo branco, que chega primeiro à infecção. Realiza o reconhecimento inicial da área, come micróbios e produz citocinas. 

Fagocitose: Ingestão de células, processo em que uma célula come e digere micróbios e células danificadas ou moribundas. 

Citocina: Mensageiro produzido pelas células, crucial para a comunicação entre elas. 

Macrófago: Tipo de célula de glóbulo branco que caça e come micróbios e células danificadas. 

Célula dendrítica: Tipo de célula de glóbulo branco que apresenta pedaços de micróbios ao sistema imunológico adaptativo. Serve como uma ponte entre o sistema imune adaptativo e o inato.

Agradecimentos

As imagens foram feitas utilizando-se o Servier Medical Art. Este trabalho foi apoiado por uma doação da Autoridade Regional de Saúde do Sudeste da Noruega (MCL, 2019058). 

Referências

[1] Takeuchi, O. e Akira, S. 2010. “Pattern recognition receptors and inflammation.” Cell. 140:805–20. DOI: 10.1016/j.cell.2010.01.022.

[2] Medzhitov, R. 2008. “Origin and physiological roles of inflammation.” Nature. 454:428–35. DOI: 10.1038/nature07201.

[3] Chaplin, D. D. 2010. “Overview of the immune response.” J. Allergy Clin. Immunol. 125:S3–23. DOI: 10.1016/j.jaci.2009.12.980.

[4] Schett, G. e Neurath, M. F. 2018. “Resolution of chronic inflammatory disease: universal and tissue-specific concepts.” Nat. Commun. 9:3261. DOI: 10.1038/s41467-018-05800-6. 

Citação

Louwe, M. e Aukrust, P. (2021). “How the innate immune system fights for your health.”  Front. Young Minds. 9:609074. DOI: 10.3389/frym.2021.609074. 

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