Astronomia e Física Ideias fundamentais 8 de maio de 2024, 15:12 08/05/2024

Como os buracos negros supermaciços moldam as galáxias

Autores

Jovens revisores

Ilustração de um buraco negro soprando um jato de partículas brilhantes.

Resumo

Muitas vezes, pensamos nos buracos negros como objetos misteriosos que engolem tudo o que passa perto deles, desde poeira até estrelas inteiras. Na verdade, os buracos negros “se alimentam” de forma confusa, enquanto giram rapidamente. Eles não engolem toda a sua “refeição” (como gás interestelar e poeira) de uma só vez. Parte da comida gira como um carrossel em torno do buraco negro que está em rotação, e, por fim, é lançada para longe na forma de fluxos energéticos e brilhantes de partículas chamados jatos. Buracos negros supermassivos que ficam no interior das galáxias podem lançar jatos que viajam para muito longe e afetam o nascimento de estrelas bebês! Neste artigo, descreveremos algumas das coisas que sabemos sobre os buracos negros, incluindo o modo como os astrônomos descobriram jatos de buracos negros usando telescópios poderosos. Mencionaremos também algumas coisas que ainda não entendemos sobre os buracos negros e seus jatos.

A vida secreta dos buracos negros supermassivos 

Se você gosta de astronomia, provavelmente já ouviu falar de buracos negros – as feras do universo. Melhor ficar bem longe deles porque devoram tudo o que está por perto em uma só mordida, não é? Os buracos negros têm a reputação de ser objetos famintos. Na realidade, em vez de bestas malignas, os astrônomos consideram os buracos negros como os heróis anônimos das galáxias – heróis que comem de uma forma confusa. Os buracos negros são muito misteriosos, mas uma coisa é certa: sem eles, nosso universo não seria o mesmo! 

Examinemos os buracos negros supermassivos nos centros das galáxias (Figura 1). Como você pode perceber pelo nome, eles são muito, muito massivos – podem atingir bilhões de vezes a massa do Sol! Existem muitas questões interessantes e curiosas sobre esses estranhos heróis das galáxias. Para começar, como objetos tão poderosos podem existir? 

Figura 1. Foto de Sagitário A*, o buraco negro supermassivo no meio de nossa galáxia, a Via Láctea. Todos as nuvens ou pontos vermelhos, azuis e amarelos são estrelas ou nuvens de gás. A fotografia foi revelada em maio de 2022 (crédito: raio-X pela NASA/CXC/SAO; infravermelho pela NASA/HST/STScl; destaque: Rádio [Colaboração EHT]). 

Hoje em dia, os cientistas pensam que os buracos negros supermassivos se formaram nos primórdios do Universo, quando muitos deles, menores, se fundiram. Quanto maiores se tornavam os buracos negros, maior era seu apetite. No entanto, ainda não está totalmente claro o papel exato que os buracos negros supermassivos desempenham na formação e na estrutura das galáxias – mas não parece uma mera coincidência que eles geralmente se encontrem no centro de uma galáxia (e não na borda). Além disso, quanto mais massivo for o buraco negro, mais rápido as estrelas se moverão em torno dele. Ao longo das últimas décadas, os astrônomos acumularam uma quantidade razoável de conhecimento que pode lançar luz sobre alguns dos mistérios do comportamento alimentar confuso dos buracos negros [1]. 

Quando os buracos negros vomitam

Fotos de buracos negros supermassivos geralmente mostram algo parecido com um biscoito redondo vermelho – um anel de luz (Figura 2) [2]. Do que é feito esse biscoito? Para responder, devemos observar a dieta de um buraco negro. Coisas massivas possuem enorme força gravitacional, o que significa que atraem outros objetos menos massivos – assim como a Terra nos puxa de volta para baixo quando saltamos. Por essa razão, os buracos negros supermassivos atraem e comem gases, estrelas e buracos negros menores. 

Figura 2. Esta é a primeira foto de um buraco negro já tirada. O disco de acreção em forma de biscoito envolve o M87*, o buraco negro localizado no centro da galáxia M87. Esta foto foi publicada em 2019 (crédito: colaboração do Event Horizon Telescope e outros).

Porém, eles não engolem tudo ao seu redor. Partículas de gás e nuvens que não chegam perto o suficiente do buraco negro não são capturadas, mas ficam girando em torno dele por causa da gravidade do buraco negro – assim como a Terra gira em torno do Sol porque este é mais massivo do que ela. Como resultado, em vez de cair diretamente dentro do buraco negro, essas partículas de gás giram à sua volta como se estivessem em um carrossel e lhe servem de reserva alimentar. Entretanto, a coisa é um pouco mais confusa do que um carrossel de verdade, pois as partículas de gás colidem umas com as outras enquanto giram em torno do buraco negro [3]. Imagine um carrossel combinado com um carrinho de batida! 

Quanto mais próximas as partículas de gás estão do buraco negro, mais energia elas perdem na forma de calor e luz. O resultado é uma estrutura de disco superbrilhante que envolve o buraco negro e se parece com um biscoito. Os astrônomos o chamam de disco de acreção – acreção significa crescimento por acumulação. Os buracos negros supermassivos são os maiores objetos das galáxias e seus discos de acreção podem ser trilhões de vezes mais brilhantes do que o Sol. Na verdade, os astrônomos já observaram a radiação desses biscoitos há 100 anos, muito antes de podermos tirar fotografias dos próprios buracos negros supermassivos! 

Neste ponto, você pode estar pensando: “Que legal!” No entanto, buracos negros supermassivos, partículas de gás e gravidade são apenas alguns dos atores desse drama confuso. Há um ator adicional que nós ainda não mencionamos: os campos magnéticos.

Partículas de gás interestelares com cargas positivas e negativas carregam campos magnéticos fracos. No entanto, quando as partículas de gás ficam muito quentes nos discos de acreção, podem formar campos magnéticos que influenciam o movimento de novas partículas de gás que se aproximam do disco ou do buraco negro. Essas partículas de gás que se aproximam vivenciam um cabo de guerra entre a gravidade do buraco negro e o campo magnético do disco, que as puxam em direções opostas – enquanto a gravidade as atrai em direção ao buraco negro, o campo magnético as força para fora em um trajeto espiralado. Se a força magnética é mais forte do que a força gravitacional, as partículas de gás voam para longe do buraco negro, numa direção perpendicular ao disco, e começam a formar sua própria estrutura.

Imagine uma vela saindo do “biscoito”. Olhando-o por um telescópio poderoso, parece que o buraco negro vomitou sua comida. Chamamos esses fluxos de “saída de jatos” porque viajam muito rapidamente, às vezes chegando perto da velocidade da luz. Os jatos podem ser poderosos e brilhar intensamente. Se o buraco negro for realmente grande, seus jatos percorrerão uma distância de vários milhares (ou milhões) de anos-luz a partir do buraco negro, de modo que exercem um forte impacto no resto da galáxia [4]. Mas não se preocupe, estamos seguros aqui na Terra: o buraco negro mais próximo de nós, Sagitário A*, não emite jatos muito fortes. 

Os jatos nunca deixam de nos surpreender: geralmente são lançados de um buraco negro aos pares, mas alguns buracos negros emitem apenas um jato. Uns emitem jatos encurvados e outros lançam vários jatos em momentos diferentes – como se esses buracos negros descansassem de vez em quando [5]! Às vezes, os jatos são muito fracos; outras, muito fortes. Muita coisa ainda está por descobrir, mas os astrônomos têm estudado arduamente esses jatos – simulando cálculos em supercomputadores e construindo grandes radiotelescópios que podem ajudar-nos a ver ainda mais longe e mais profundamente no céu. 

À medida que viajam pelo espaço e atravessam nuvens de gás, os jatos inevitavelmente diminuem a velocidade e interagem com o ambiente. Da mesma forma que os aviões deixam rastros brancos no céu, os jatos deixam estruturas interessantes como filamentos e bolhas. A diferença é que os rastros dos jatos não são facilmente detectáveis a olho nu, por isso precisamos de rádio e telescópios de raios X para vê-los (Figura 3). Utilizando esses telescópios, os astrônomos podem agora tirar fotografias de buracos negros e seus jatos: essas imagens não são apenas bonitas, também ajudam os astrônomos a descobrir o destino e a história das galáxias! 

Lembre-se: em astronomia, imagens interessantes nos ajudam a entender como o universo funciona! 

Figura 3. Uma imagem espetacular da galáxia Cygnus A com emissões de raios X (em azul) e de ondas de rádio (em vermelho/rosa). Os jatos se estendem para ambos os lados do buraco negro supermassivo por quase 300.000 anos-luz (o que equivale a cerca de 3 bilhões de quilômetros) até os dois lóbulos de rádio (áreas cor-de-rosa em forma de lágrimas), que emitem fortes sinais de rádio. Os raios X são detectados por satélites que orbitam nosso planeta e as ondas de rádio são detectadas por telescópios na Terra (adaptado de https://apod.nasa.gov/apod/ap150124.html). 

O mistério das estrelas desaparecidas

Tal como nossa Via Láctea, muitas galáxias contêm bilhões de estrelas e continuam formando outras. Por exemplo, a Via Láctea forma em torno de sete estrelas por ano [6]. 

Os astrônomos sabem que certos tipos de gases se tornam, naturalmente, berços de formação de estrelas quando atingem uma determinada temperatura baixa. No entanto, de acordo com essa teoria, deveríamos contar mais estrelas em muitas galáxias do que realmente vemos. Por quê? Buracos negros supermassivos estão reivindicando território – seus jatos superaquecidos e carregados de energia sopram para longe e aquecem as nuvens de gás frio enquanto avançam. Portanto, não resta gás suficiente para formar estrelas bebês. Talvez os buracos negros não gostem muito dessas estrelinhas! 

No entanto, essas ações têm consequências. À medida que o gás frio é varrido pelos jatos, uma quantidade cada vez menor dele permanece nas imediações do buraco negro, o que efetivamente o coloca em dieta. Quanto menos um buraco negro come, menos poderosos se tornam seus jatos. Por fim, os jatos ficam sem força suficiente para bloquear totalmente a formação de novas estrelas. Muitas vezes isso perfaz um ciclo: tão logo novas partículas de gás se acumulam em quantidade suficiente à sua volta, o buraco negro abandona a dieta e começa a atrair o gás novamente. O gás que não cai no buraco negro é expelido pelos jatos, atrapalhando a formação de novas estrelas. Quando muito gás é varrido, o ciclo recomeça [7]. 

Contando a taxa de formação de estrelas nas galáxias e medindo a temperatura dos gases em seus centros, podemos descobrir até que ponto seus jatos são poderosos e em que medida eles são eficientes na remoção de gases. No entanto, não entendemos muitos detalhes desse processo porque ainda não estamos completamente certos de como os buracos negros funcionam. Por exemplo, em casos muito raros os astrônomos viram exatamente o oposto do que descrevemos aqui: isto é, buracos negros que facilitam (em vez de impedir) a formação de estrelas bebês [8]. 

Sumário

Resumindo, os buracos negros supermassivos levam vidas muito emocionantes e desempenham um papel importantíssimo na formação e evolução das galáxias. A formação de jatos e discos de acreção, a interação dos jatos com as nuvens de gás e o nascimento de estrelas são peças de um grande quebra-cabeça que cativa os astrônomos há muitas décadas. Mal começamos a juntar tudo isso, e os astrônomos ainda estão construindo novos telescópios para tirar mais fotos de buracos negros e galáxias a fim de compreendê-los com mais detalhes. 

Glossário

Buraco negro: Local no espaço onde a gravidade é tão forte que até a luz não pode sair. Um buraco negro supermaciço tem uma massa cerca de 100.000 vezes maior que a do Sol. 

Galáxia: Enorme aglomerado de gás, poeira, estrelas, planetas e objetos espaciais que ficam juntos pela gravidade. Nosso planeta e o Sol pertencem à galáxia Via Láctea. 

Força gravitacional: Força que faz os objetos se atraírem. A gravidade mantém os planetas orbitando em torno do Sol e a Lua orbitando em torno da Terra. Ela também faz os objetos caírem nos buracos negros. 

Disco de acreção: Disco de gás e poeira espacial que gira em torno de um buraco negro devido à gravidade. Acreção significa crescimento por acumulação. Nas fotografias, parece um anel em forma de biscoito com luz vermelha brilhante. 

Campo magnético: Região, em torno de um material magnético ou uma carga elétrica em movimento, que atrai ou repele outros objetos magnéticos. 

Interestelar: Objeto situado entre as estrelas de uma galáxia.

Jato: Fluxo de partículas energéticas e brilhantes que é lançado para fora do buraco negro praticamente na velocidade da luz. 

Ano-luz: Distância percorrida pela luz em 1 ano, o que corresponde a 9,46 trilhões de quilômetros. 

Conflito de interesses

Os autores declaram que a pesquisa foi realizada sem nenhuma relação financeira ou comercial capaz de gerar um conflito de interesses. 

Referências

[1] Ferrarese, L. e Merritt, D. 2000. “A fundamental relation between supermassive black holes and their host galaxies.” ApJ. 539:L9–L12. DOI: 10.1086/312838.

[2] The Event Horizon Telescope Collaboration, Akiyama, K., Alberdi, A., Alef, W., Asadaet, K. et al. 2019. “First M87 event horizon telescope results. I. The shadow of the supermassive black hole.” Astrophys. J. Lett. 875:L1. DOI: 10.3847/2041-8213/ab0ec7.

[3] Shakura, N. I. e Sunyaev, R. A. 1973. “Black holes in binary systems. Observational appearance.” Astron. Astrophys. 24:337–55. DOI: 10.1007/978-94-010-2585-0_13. 

[4] Fabian, A. C. 2012. “Observational evidence of active galactic nuclei feedback 2012.” ARAA. 50:455–89. DOI: 10.1146/annurev-astro-081811-125521.

[5] Lister, M. L. e Homan, D. C. 2005. “MOJAVE: monitoring of jets in active galactic nuclei with VLBA experiments. I. First-epoch 15 GHz linear polarisation images.” Astron. J. 130:1389–417. DOI: 10.1086/432969.

[6] Diehl, R., Halloin, H., Kretschmer, K., Lichti, G. G., Schönfelder, V., Strong, A. W. et al. 2006. “Radioactive 26Al from massive stars in the galaxy.” Nature. 439:45–7. DOI: 10.1038/nature04364.

[7] Di Matteo, T., Colberg, J., Springel, V., Hernquist, L. e Sijacki, D. 2008. “Direct cosmological simulations of the growth of black holes and galaxies.” APJ. 676:33–53. DOI: 10.1086/524921.

[8] Dasyra, K. M., Paraschos, G. F., Bisbas, T. G., Combes, F. e Fernández-Ontiveros, J. A. 2022. “Insights into the colapse and expansion of molecular clouds in outflows from observable pressure gradients.” Nat. Astron. 6:1077–84. DOI: 10.1038/s41550-022-01725-9. 

Citação

Lü, Y. H. C. e Diamante, L. (2023). “How supermassive black holes shape galaxies.” Front. Young Minds. 11:1032977. DOI: 10.3389/frym.2023.1032977.

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