Astronomia e Física 18 de maio de 2022, 17:07 18/05/2022

Como os cientistas sabem que existe uma matéria escura?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de duas pessoas em uma mesa com um laptop estudando as estrelas com o auxílio de um telescópio

Resumo

Ainda há muita coisa que desconhecemos sobre o universo. Um dos principais desafios que os cientistas enfrentam atualmente envolve a constatação da existência e a busca por entender uma substância misteriosa chamada matéria escura. Há inúmeras teorias a respeito do que poderia ser essa matéria, mas ainda precisamos compreender sua verdadeira natureza. Como sabemos que ela existe mesmo? O maior desafio para estudarmos a matéria escura é que não podemos vê-la. Neste artigo, discutiremos como os cientistas usam a ciência e a observação por telescópio a fim de predizer a existência da matéria escura e por que eles pensam que essa matéria está presente em cada recanto de nosso universo.

O que é a matéria escura? Essa matéria existe mesmo?

Quando contemplamos o céu noturno, vemos que está repleto de milhares de estrelas. Esses corpos celestes luminosos incluem os planetas em nosso Sistema Solar, as estrelas em nossa galáxia e outras muitas galáxias que estão longe, bem longe. Esses objetos constituem toda a matéria que emite luz no universo. Com a ajuda de diferentes tipos de telescópios, podemos observar esses corpos celestes graças à luz que irradiam. Alguns telescópios conseguem detectar luz a milhões de anos-luz de distância. De fato, um supertelescópio de que você já deve ter ouvido falar, o Hubble, pode enxergar a mais de 13,4 bilhões de anos-luz de distância [1]!

Todos os telescópios funcionam detectando radiações no espectro eletromagnético, desde a luz visível aos raios-X, emitidas pelos corpos celestes. Os cientistas usam os diversos comprimentos de onda da radiação detectada para obter informações importantes sobre os corpos celestes de nosso universo, como distância, idade, tamanho e forma. É possível até usar parte dessa informação para entender as leis do universo. Contudo, existe matéria no universo que não emite radiação em nenhuma região do espectro eletromagnético, ou seja, não podemos observá-la pelo telescópio. Essa propriedade exclusiva torna impossível que esse tipo de matéria seja observada, e essa é a razão pela qual os cientistas a chamam de “matéria escura”.

Alguns cientistas, sobretudo os astrofísicos, passam muito tempo elaborando teorias sobre o que a matéria escura pode ser. Eles concluíram que a matéria escura não emite radiação em nenhuma parte do espectro eletromagnético, mas que é influenciada pela gravidade. Os astrofísicos ainda não sabem ao certo o que a matéria escura é; mas sabem o que não é, porque observaram a maneira como ela se comporta em comparação com outros materiais. Descobriram que a matéria escura representa mais ou menos 80% do total da massa das galáxias [2]. Isso quer dizer que existe quatro vezes mais matéria escura do que matéria comum! Se essa matéria é tão difícil de observar, por que os cientistas acham que ela existe? Os indícios que amparam sua existência são muitos, e estudaremos três exemplos principais nas seções seguintes.

A matéria escura afeta o movimento das estrelas no interior das galáxias

O primeiro tipo de indício em apoio da existência da matéria escura se refere ao modo como ela afeta o movimento dos corpos celestes. Em nosso Sistema Solar, quase toda a massa está no Sol. Os planetas internos, como Mercúrio e Vênus, orbitam o Sol com mais rapidez. À medida que a distância do Sol aumenta, a velocidade dos planetas diminui. Isso ocorre porque há menos atração gravitacional vinda do Sol sobre os planetas mais distantes e, para não se aproximar ou se afastar do Sol, eles se movem com mais lentidão.

Podemos aplicar a mesma analogia às galáxias. Se presumirmos que a parte brilhante de uma galáxia indica onde está a maior parte da massa, então a maior parte dessa massa deve estar perto do centro, e em quantidades minúsculas nas extremidades. Portanto, os objetos que orbitam longe do centro da galáxia devem mover-se mais lentamente do que os objetos que estão mais perto do centro, assim como ocorre com os planetas em nosso Sistema Solar.

A fim de testar essa hipótese, os cientistas registraram a luz que vem de uma galáxia em espiral distante (nossa galáxia, a Via Láctea, também é considerada uma galáxia em espiral) e calcularam as velocidades das estrelas em comparação com suas distâncias do centro da galáxia. Descobriram que as estrelas não se comportavam da maneira esperada: aquelas que estavam longe do centro se moviam muito mais rápido do que o previsto (Figura 1). Isso só é possível se, nas partes externas das galáxias, houver mais massa do que podemos observar. O fato de não podermos ver essa massa, pois ela não emite luz, sugere a presença de matéria escura.

Figura 1. A relação entre a velocidade das estrelas e sua distância do centro da galáxia. A velocidade real que se observou nas estrelas (A) distantes do centro da galáxia é maior do que a prevista pelos cientistas (B). Esses dados revelam que existe uma enorme quantidade de massa presente na parte externa da galáxia, que não podemos ver porque ela não emite luz; isso sugere a presença de matéria escura. (Adaptado da imagem original de PhilHibbs e com licença de CC BY-AS 3.0.)

A matéria escura contradiz os cálculos da massa das galáxias

A evidência de matéria escura não é coisa nova. Já em 1933, o astrônomo suíço Fritz Zwicky foi um dos primeiros a detectar a presença de matéria escura. Zwicky estudou a luz emitida pelas mais de 1.000 galáxias que formam o Aglomerado Coma de galáxias. Ele determinou a massa desse aglomerado valendo-se de dois métodos. Um deles usa a velocidade das galáxias, que Zwicky determinou medindo as mudanças na luz que elas emitiam. O segundo método de cálculo determinou a massa usando o brilho total do aglomerado. Comparando ambas as estimativas de massa resultantes, Zwicky descobriu que a medida da velocidade da galáxia indicou que há centenas de vezes mais massas no Aglomerado Coma do que a estimativa feita pelo brilho previa.

Como a matéria extra não emitia luz, ele disse: “Caso isso se confirme, obteremos o surpreendente resultado de que a matéria escura está presente em quantidade muito maior do que a matéria luminosa” [3]. Logo depois, um resultado similar foi obtido para o Aglomerado de Virgem. No entanto, as técnicas de medição da época não eram tão precisas quanto os métodos de hoje, e o caráter controverso do resultado – de que o universo está repleto de algum tipo de matéria escura desconhecido – levou os cientistas a rejeitarem essa hipótese durante pelo menos cinquenta anos.

A matéria escura curva a luz

A terceira área de evidência em apoio da existência da matéria escura vem de um estudo do Aglomerado da Bala, nome dado a duas galáxias que colidiram recentemente. Os astrônomos descobriram um meio de avaliar a massa de um objeto celeste, como uma galáxia, usando uma técnica conhecida como “lente gravitacional” [4]. Ela se baseia no fato de que a massa de um objeto influencia a densidade do espaço à sua volta. Quando a luz atravessa esse espaço denso, curva-o.

Para maior clareza: imaginemos um lençol esticado. Ele representa o espaço quando não há nenhuma massa por perto. Agora, imaginemos que uma bola seja colocada no lençol. Sabemos que o pano será empurrado para baixo pela bola. Esta curvará o lençol da mesma maneira que as massas curvam o espaço-tempo. Quando a luz passa perto da superfície curva de um objeto no espaço, essa superfície imprime uma curvatura às ondas de luz. Quanto maior for a massa do objeto, mais a curvatura será acentuada. Com a ajuda dessa teoria, podemos determinar a massa de um objeto celeste observando o quanto se curva a luz de uma estrela que esteja por trás dele.

Usando a lente gravitacional, os cientistas determinaram a massa total do Aglomerado da Bala, inclusive a matéria escura [5]. A Figura 2 mostra que boa parte da massa desse aglomerado não está localizada no ponto em que as emissões de raios-X se originam – ou seja, essas emissões não provêm da matéria que vemos. Portanto, essas galáxias são compostas de muito mais matéria escura do que de matéria comum.

Figura 2. Imagem do Aglomerado da Bala obtido pelo telescópio espacial Hubble, da NASA, e pelo Chandra X-ray Observatory. O Aglomerado da Bala é uma combinação de duas galáxias que outrora colidiram. As áreas azuis representam a maioria da massa das galáxias, constituída por matéria escura, e as áreas em rosa são matéria comum. Podemos detectar a matéria escura por meio da lente gravitacional, que constata mudanças na luz provocadas por objetos celestes distantes [5]. Os pontos luminosos fora das áreas coloridas são estrelas e galáxias que não fazem parte do Aglomerado da Bala (Crédito: raios-x: NASA/CXC/CfA/M.Markevitch et al.; ótico: NASA/STScl; Magellan/U.Arizona/D.Clowe et al.; Mapeamento das lentes: NASA/STScl; ESO WFI; Magellan/U.Arizona/D.Clowe et al.)

O que pode ser a matéria escura?

Os cientistas propuseram muitas e diferentes teorias na tentativa de resolver o enigma da matéria escura. Alguns acreditam que ela é apenas matéria comum concentrada em objetos difíceis de detectar, como planetas gigantes ou buracos negros. No entanto, as observações científicas tornam essa teoria improvável.

Mas, então, de que é feita a matéria escura? Os cientistas já descobriram um tipo de partícula que pode ser a resposta: os neutrinos. Estes são partículas que não emitem luz, assim como a matéria escura. Contudo, os neutrinos podem constituir apenas uma fração da quantidade total de matéria escura porque são muito leves e, quando foram criados no início do universo, moviam-se rápido demais. Assim, partículas ainda por descobrir devem estar envolvidas no processo. Duas das candidatas mais promissoras são as WIMPS e os áxions. Nenhum desses tipos foi observado ainda, e muitos pesquisadores, no mundo inteiro, estão à sua procura.

Conclusão

A matéria escura constitui cerca de 63% de toda a matéria do universo (Figura 3). Nossa capacidade de entender a matéria escura nos ajudará a saber mais sobre o universo, inclusive detalhes de sua origem e formação. Vários experimentos estão sendo feitos no mundo inteiro, inclusive no Grande Colisor de Hádrons, na Suíça1, para determinar a natureza das partículas minúsculas que podem nos informar sobre as condições em que a matéria escura foi formada. Muito mais trabalho precisa ser feito, mas uma coisa é certa: não falta o que descobrir nas áreas da astrofísica e da física de partículas!

Figura 3. O círculo completo representa toda a matéria que estava presente 380.000 anos após o surgimento do universo. Pode-se ver que a quantidade de matéria escura é bem maior que a de todos os outros tipos de matéria. Essa quantidade é praticamente a mesma de hoje [2], pois a massa do universo não mudou muito desde a era mostrada na figura. (O esquema criado por NASA/WMAP Science Team é de domínio público.)

Glossário

Espectro eletromagnético: Leque total das frequências de radiação, das ondas de rádio aos raios gama e aos raios-X.

Comprimento de onda: Medida de luz, em especial a distância entre os picos nas ondas luminosas. Os comprimentos de onda são medidos em nanômetros (nm) e vão de cerca de 400 nm (ultravioleta) até 700 nm (infravermelho), com a luz visível no meio.

Matéria: Tudo que tem massa.

Matéria escura: Matéria que não emite luz e, portanto, não pode ser vista com telescópios.

Astrofísico: Cientista que estuda objetos astronômicos, que podem ser da escala do universo como um todo.

Velocidade: Distância percorrida entre dois pontos por unidade de tempo. Exemplo: um carro a 60 km/h viaja 60 km do ponto A ao ponto B em 1 h.

Lente gravitacional: A luz que é produzida por galáxias distantes se curva e é distorcida ao interagir com o campo gravitacional de grandes quantidades de massa, como os aglomerados de galáxias.

Neutrinos: Partículas minúsculas, menores que os átomos, que não possuem carga elétrica. Os neutrinos são um dos componentes da matéria escura.

Nota de rodapé

  1. Para informação sobre o GCH, ver https://home.cern/about; sobre a matéria escura, https://home.cern/science/physics/dark-matter.

Referências

[1] Garner, R., 2015. About the Hubble Space Telescope. Extraído de: https://www.nasa.gov/mission­_pages/hubble/story/index.html

[2] Ibara, A., 2015. “Dark matter theory”. Nucl. Part. Phys. Proc. 267-269:323-31. DOI: 10.1016/j.nuclphysbps.2015.10.126

[3] Bertone, G. e Hooper, D., 2018. “History of dark matter”. Ver. Mod. Phys. 90:045002. DOI: 10.1103/revmodphys.90.045002

[4] Wambsganss, J., 1998. “Gravitational lensing in astronomy”. Living Rev. Relativ. 1:12. DOI: 10.12942/lrr-1998-12

[5] Clowe, D., Bradač, M., Gonzalex, A. H., Markevitch, M., Randall, S. W. e Jones, C. et al. “A direct empirical proof of the existence of dark matter”. Astrophys. J. Lett. 648: L109-13. DOI: 10.1086/508162

Citação

Bhathe, V., Brennan, C., Ellis, S., Moynes, E., Graham, K. e Landsman, S. (2021). “How do scientists know dark matter exists?”. Front. Young Minds. 9.576034. DOI:10.3389/frym.2021.576034

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