Conheça os microrganismos marinhos, os motores do oceano
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Jovens revisores
Resumo
Quando você escuta a palavra “micróbio”, o que vem à sua cabeça? Algo que é pequeno demais para ser visto a olho nu e que faz as pessoas ficarem doentes? Mas só porque alguns micróbios são capazes de provocar doenças não significa que todos sejam maus. Por exemplo, no ambiente marinho (oceano), a grande maioria dos micróbios é boa. Eles agem como os “motores” do oceano e desempenham um papel essencial para a saúde do planeta inteiro.
Infelizmente, sabemos muito pouco sobre quase todos esses micróbios e suas interações com o ambiente marinho. Por isso, é importante saber quais são os micróbios que nos ajudam, e como o fazem. Esses dados fornecerão aos cientistas conhecimento suficiente para lutarem contra enormes desafios globais, como a mudança climática e a poluição ambiental. Infelizmente, é difícil estudar os micróbios marinhos por causa de seu tamanho microscópico, de sua grande diversidade e da vastidão de sua morada – que é o próprio oceano. Pedimos então que “cientistas cidadãos” participem de nosso projeto e nos ajudem a coletar amostras desses micróbios para podermos identificá-los.
Microrganismos marinhos, os motores do oceano
Quando você ouve a palavra “microrganismo”, o que lhe vem à cabeça? Algo que não podemos ver a olho nu? Organismos invisíveis que invadem nossos corpos e nos deixam doentes? Quase todas as pessoas sabem das coisas ruins que os microrganismos podem fazer, tais como provocar cáries dentárias – a corrosão dos dentes é causada por bactérias. A coqueluche, também chamada de “tosse comprida”, é outra doença bacteriana de que todos já ouviram falar. A desconfiança que os humanos geralmente sentem em relação aos microrganismos é forte e, em muitos casos, compreensível. Entretanto, isso não significa que todos os microrganismos sejam maus: pode parecer estranho, mas a maioria deles é benigna. Muitos microrganismos “bons” estão encontrados no oceano (Figura 1), entre outros lugares.
Os microrganismos marinhos são organismos unicelulares microscópicos que incluem as bactérias e as archaea. Estas se parecem com as bactérias, mas têm algumas características especiais: por exemplo, a capacidade de viver em ambientes adversos, como lugares muito quentes ou muito frios. Além disso, os microrganismos marinhos incluem também organismos unicelulares como algas microscópicas e até vírus. Os microrganismos marinhos são pequeninos, mas existem em grande número e podem ser encontrados no oceano inteiro, das profundezas às camadas superficiais. Calculou-se que em apenas uma gota de água do mar vivam milhões deles! Ou seja, há mais microrganismos no oceano do que pessoas na terra.
Além de serem a maioria invisível do oceano, que é o maior ecossistema do planeta, os microrganismos marinhos também constituem a base da rede alimentar marinha, são responsáveis pela reciclagem de nutrientes e praticam todo tipo de atividades importantes. Por esse motivo, são chamados de “motores” do oceano, pois mostram-se essenciais para o funcionamento do oceano, que não pode sobreviver sem eles. Devido ao fato de serem parte de tantos processos diferentes, os microrganismos marinhos provocam um impacto decisivo em nosso cotidiano e nosso bem-estar, não importando em que local moremos.
Um exemplo de função desempenhada por eles e que influencia os seres humanos é a fotossíntese, um processo do qual você já deve ter ouvido falar que está relacionado às plantas. Assim como ocorre com as plantas, certos microrganismos marinhos, como as cianobactérias, podem usar a energia luminosa retirada do sol para converter dióxido de carbono (CO2) e água em açúcar. Durante esse processo, o oxigênio (O2) é produzido e liberado no ambiente. Segundo os cálculos, cerca de metade da produção mundial de oxigênio ocorre no oceano (a outra metade, em habitats terrestres). Portanto, os microrganismos marinhos são responsáveis pelo oxigênio contido em uma de cada duas respirações que você inala.
Outro exemplo da importância dos microrganismos no oceano: alguns conseguem decompor o petróleo, do qual se alimentam, e isso pode ser muito útil para limpar o ambiente após um vazamento.
A partir desses exemplos, fica claro então que os microrganismos marinhos não são apenas os motores do oceano: são também um elemento essencial para a saúde dos seres humanos e de todo o planeta. As interações entre esses microrganismos e os organismos maiores do planeta encontram-se num equilíbrio delicado, ameaças por fatores como poluição e mudanças nas condições ambientais. Para protegermos e preservarmos um meio ambiente saudável, precisamos conhecer melhor quais os tipos de microrganismos que existem, o que eles fazem e de que forma como interagem entre si e com o ambiente. O problema é que obter essas informações não é tão fácil quanto parece.
Por que sabemos tão pouco sobre os microrganismos marinhos?
Até há pouco tempo, um cientista precisava dispor de uma cultura pura de microrganismos para obter respostas a perguntas simples, tais como: o que eles são? Que funções são capazes de exercer? Uma cultura pura significa que um único microrganismo tem de ser cultivado em laboratório, sem a presença de qualquer outra espécie. Dado que as condições em laboratório são muito diferentes das que existem nos oceanos, é extremamente difícil cultivar microrganismos marinhos. Há estimativas de que apenas cerca de 1% a 10% de suas espécies poderiam ser cultivadas em laboratório [1].
Ainda não sabemos quais são os verdadeiros motivos que criam essas dificuldades mas, felizmente, nos últimos anos foram inventadas novas técnicas permitir o estudo de microrganismos marinhos sem a necessidade de cultivá-los inicialmente em laboratório na forma de culturas puras. Uma dessas técnicas é o Sequenciamento de Nova Geração (SNG).
Como o SNG ajuda os cientistas a entender os microrganismos marinhos?
Todas as informações sobre algum microrganismo, ou mesmo sobre qualquer tipo de célula, está armazenada em seu DNA. O DNA é a molécula que contém o código genético dos organismos e, por isso, pode ser descrito como o “programa” da célula, pois diz a ela o que fazer e quando fazer. O DNA pode ser subdividido em pedacinhos chamados genes. Existem milhares de genes no DNA de um organismo, e cada um deles exerce uma função específica. Por exemplo, o DNA humano tem entre 25.000 e 35.000 genes aproximadamente, mas poucos deles são responsáveis por gerar a cor dos nossos olhos. A tecnologia SNG permite ao cientista “ler” o DNA de toda uma comunidade microbiana sem necessidade de cultivar culturas puras de micróbios. A abordagem recebe o nome de “sequenciamento de metagenoma” e fornece ao cientista uma lista dos genes de todos os microrganismos que vivem em determinada área.
Alguns genes existem em todos os organismos da Terra, com poucas diferenças entre um organismo e outro. Um exemplo desse tipo de gene é o do “RNA ribossômico” (rRNA). Uma vez que esse gene é singular para cada espécie, os cientistas podem usá-lo como se ele fosse a impressão digital de uma espécie de microrganismos.
Você sem dúvida já ouviu dizer que a análise de impressões digitais é parte de uma investigação policial. Instituições de segurança como a polícia armazenam impressões digitais em enormes bancos de dados para compará-las com as achadas nas cenas de crime. Isso permite à polícia identificar os culpados. Os cientistas fazem a mesma coisa com as impressões digitais do gene dos microrganismos obtidas por meio da pesquisa. Eles usam o gene rRNA para descobrir em um banco de dados específico, como o SILVA [2], se há compatibilidade. Graças a essa abordagem, conseguem identificar os microrganismos de sua amostra e chegar a uma resposta para a pergunta: “Que tipo de microrganismos marinhos temos aqui?”
Entretanto, o DNA não contém apenas impressões digitais. Conforme mencionado acima, ele é o “programa”, a “planta do edifício” de um organismo, e inclui instruções para todas as características e funções desse organismo. Quando os cientistas conseguem “ler” os dados codificados no DNA, podem obter muito conhecimento sobre o organismo.
Infelizmente, decifrar os dados de DNA obtidos de micróbios marinhos é como tentar entender uma língua antiga ou montar um quebra-cabeça. Isso leva um pouco de tempo e os cientistas às vezes precisam reunir algumas “peças” adicionais, mas cedo ou tarde conseguem resolver o problema. A cada dia, encontram uma nova peça do quebra-cabeça e mais segredos sobre os microrganismos marinhos são revelados.
Embora o SNG seja um método muito novo, está claramente nos ajudando a alcançar um nível superior de compreensão dos microrganismos marinhos de todas as partes do oceano. Mas o que sabemos até agora sobre eles é apenas “uma gota no oceano” – ainda há muito que aprender!
O projeto Dia da Amostragem nos Oceanos (DAO) [3] pretende aumentar em muito nosso conhecimento desses microrganismos conclamando pessoas a se juntar para estudar microrganismos em ecossistemas oceânicos do mundo inteiro.
O Dia da Amostragem dos Oceanos
Os pesquisadores que trabalham num projeto chamado Micro B3 (Biodiversidade Microbiana Marinha, Bioinformática, Biotecnologia)1 organizaram duas vezes o Dia da Amostragem dos Oceanos (DAO) [3], em 21 de junho de 2014 e em 2015 com o objetivo de estudar microrganismos marinhos em todo o mundo com a ajuda de um grande grupo internacional de cientistas.
O 21 de junho é o dia do solstício, o mais longo do ano no hemisfério norte e o mais curto no hemisfério sul. Foi escolhido para a coleta de microrganismos para se descobrir se a duração do dia tem alguma influência sobre o tipo de microrganismos coletados [4].
Para os eventos do DAO em junho de 2014 e 2015, cientistas de várias partes do mundo coletaram amostras de microrganismos marinhos. Cada equipe passou a água do mar por um filtro especial chamado Sterivex, que contém buracos minúsculos bem menores do que os microrganismos, de modo que estes ficam presos à superfície do filtro. É assim que os cientistas capturam microrganismos do oceano ou de qualquer sistema aquático. Em seguida, os cientistas removeram os microrganismos do filtro e usaram produtos químicos para coletar o DNA de todos os organismos obtidos. Por fim, a informação do DNA foi analisada com a tecnologia SNG.
O objetivo do DAO é responder a diversas perguntas: “Que tipo de microrganismos temos aqui?” (análise de biodiversidade baseada nas “impressões digitais” do DNA); “O que esses microrganismos fazem?” (análise funcional baseada na metagenômica) e “De que modo esses microrganismos interagem uns com os outros e o ambiente?” (Figura 2). Os cientistas ainda estão analisando os dados do DAO, e não há resultados confiáveis a divulgar por enquanto. Mas os dados obtidos durante o DAO nos ajudarão a entender, entre outras coisas, por que os microrganismos são diferentes em ambientes tropicais e polares ou qual a razão que lhes permite sobreviver em áreas contaminadas, como aquelas onde ocorreram vazamentos de petróleo.
A humanidade tem um relacionamento muito próximo e importante com o oceano. Cerca de metade da população mundial vive a uma distância de até 200 km da costa [5] e, além disso, o oceano tem papel de relevo na economia como local de turismo, recreação, pesca e outras atividades. Todas essas ações humanas afetam e alteram as regiões costeiras. Como a maioria dos locais de amostragem do DAO fica perto da costa (Figura 3), queremos descobrir até que ponto as atividades e estilos de vida das pessoas influenciam as comunidades dos microrganismos. Por exemplo, podemos investigar o modo como os vários tipos de poluição (metais pesados, antibióticos e fertilizantes) afetam a saúde dos microrganismos marinhos.
Você sabia que mais de 70% da superfície terrestre estão cobertos pelo oceano [6]? À medida que avançarmos, expandiremos os objetivos do DAO a fim de explorar mais as águas marinhas. Em 2014 e 2015, o DAO já envolveu mais de 150 equipes científicas de todos os continentes, que coletaram amostras das águas subtropicais do Havaí até as regiões polares, como o estreito Fram no oceano Ártico. Contudo, ainda há muitas áreas inexploradas no mapa do DAO (Figura 3).
Para um esforço maior, convidamos também “cientistas cidadãos”, como você, a juntar-se ao nosso projeto científico cidadão chamado MyOSD (Meu Dia da Amostragem dos Oceanos). Desenvolvemos um Kit de Amostragem MyOSD e um app OSD Citizen Smartphone, que permitem aos cientistas cidadãos fazer uma contribuição real à ciência. O kit contém todo o equipamento de que a pessoa precisa para coletar microrganismos marinhos, além de recursos para medir outros dados adicionais importantes como temperatura da água e salinidade (quantidade de sal na água) (Figura 4).
Os kits vêm com instruções claras e detalhadas sobre cada passo a dar. O conceito é fácil e direto, de modo que qualquer pessoa pode se juntar ao MyOSD. Os kits são grátis, exigindo-se apenas o registro no MyOSD, e são distribuídos por “centros” a cientistas cidadãos em sua área ou país. A lista de todos os centros pode ser encontrada na página do MyOSD.2
Depois de recolher as amostras, os cientistas cidadãos precisam encaminhá-las ao centro MyOSD, que os enviará à sede do DAO no Instituto Max Planck de Microbiologia Marinha3 em Bremen, Alemanha. Ali, as amostras serão processadas e se coordenará a análise de dados. Mesmo não havendo nenhum centro MyOSD em sua área, ainda assim você poderá participar medindo parâmetros ambientais como temperatura e/ou salinidade da água. Todos os dados podem ser transmitidos pelo app OSD Citizen Smartphone ou pelo recurso online disponível no website.
Todos os dados são relevantes! Por exemplo, se seus dados ajudarem a identificar um perfil singular de temperatura para determinada área marinha, isso chamará a atenção dos cientistas, que darão prosseguimento aos estudos. Por fim, os dados ficarão disponíveis sem custos para todos na Internet, o que ajudará novas gerações de pesquisadores e cientistas. O Dia da Amostragem dos Oceanos em 2014 e 2015 foi só o começo desse projeto e esperamos atrair ainda mais pessoas para o próximo evento, em junho de 2016!
Glossário
Sequenciamento de nova geração (SNG): Novíssimo método para ler e registrar o DNA. Permite aos cientistas ler grandes quantidades das letras do DNA com ou sem cultivo de organismos em laboratório. Também chamado Sequenciamento Maciço em Paralelo de Alto Desempenho.
DNA: Abreviatura de ácido desoxirribonucleico. Pode ser descrito como o manual de instruções ou “programa” de cada microrganismo ou outra célula viva. A informação é armazenada como uma sequência de quatro diferentes moléculas representadas por letras (A, G, C, T).
Gene: Cada DNA contém subseções chamadas genes, que dizem a cada célula o que ela deve fazer e quando fazer. Há milhares de genes no DNA de um organismo e cada gene desempenha uma função específica.
Sequenciamento: Em genética, sequenciamento significa o ato de ler e registrar a sequência de letras (A, G, C, T) do DNA de uma célula.
Gene rRNA: Gene que codifica o “RNA ribossômico” de uma célula. O gene rRNA é muito importante para o metabolismo celular porque desempenha papel crucial na produção de proteínas. Todo organismo existente tem esse gene em seu DNA, mas ele é único para cada espécie; assim, pode ser usado como referencial para as “impressões digitais” genéticas.
Biodiversidade: Termo que descreve a variedade de tipos de vida encontrados na Terra.
Metagenômica: Termo que descreve o estudo de DNA recolhido diretamente de amostras ambientais. O conjunto de dados resultantes contém o DNA de todos os microrganismos da amostra e não de uma única espécie.
Notas de rodapé
[1] www.microb3.eu.
Referências
[1] Amann, R. I., Ludwig, W. e Schleifer, K. H. 1995. “Phylogenetic identification and in situ detection of individual microbial cells without cultivation.” Microbiol. Rev. 59, 143–169.
[2] Quast, C., Pruesse, E., Yilmaz, P., Gerken, J., Schweer, T., Yarza, P. et al. 2013. “The SILVA ribosomal RNA gene database project: improved data processing and web-based tools.” Nucleic Acids Res. 41, D590–D596. DOI: 10.1093/nar/gks1219.
[3] Kopf, A., Bicak, M., Kottmann, R., Schnetzer, J., Kostadinov, I., Lehmann, K. et al. 2015. “The ocean sampling day consortium.” Gigascience 4, 27. DOI: 10.1186/s13742-015-0066-5.
[4] Gilbert, J. A., Somerfield, P., Temperton, B., Huse, S., Joint, I. e Field, D. 2010. “Day-length is central to maintaining consistent seasonal diversity in marine bacterioplankton.” Nature Precedings. Disponível em http:/precedings.nature.com/documents/4406/version/1.
[5] Creel, L. 2003. “Ripple effects: population and coastal regions.” Washington, D. C.: Population Reference Bureau, Measure Communication.
[6] Costello, M. J., Cheung, A. e De Hauwere, N. 2010. “Surface area and the seabed area, volume, depth, slope, and topographic variation for the world’s seas, oceans, and countries.” Environ. Sci. Technol. 44, 8824–8828. DOI: 10.1021/es1012752.
Citação
Kopf, A., Schnetzer, J. e Oliver Glökner, F. (2016). “Understanding marine microbes, the driving engines of the ocean.” Front. Young Minds. 4:1. DOI: 10.3389/frym.2016.00001.
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