Economia Ideias fundamentais Matemática 24 de abril de 2024, 14:58 24/04/2024

Economia: muito mais do que dinheiro

Autores

Jovens revisores

A ilustração mostra um homem vestindo um jaleco, ele esta explicando dois balões ao seu redor que revelam como a economia influencia aspectos do dia a dia, como saúde, bem-estar e meio ambiente.

Resumo

A economia é o que mantém funcionando o mundo, assim como o conhecemos. Nossas vidas cotidianas são fortemente afetadas pela economia, em nível tanto local quanto global. Algumas pessoas pensam que a economia se ocupa principalmente de dinheiro, mas ela vai muito além. A economia está relacionada a questões importantíssimas para a nossa vida, como o bem-estar humano e a igualdade entre pessoas e grupos. Neste artigo, darei uma amostra da maneira como os economistas veem o bem-estar humano. Explicarei então por que, no estudo da economia, não basta considerar indivíduos ou grupos de pessoas em separado – precisamos fazer as duas coisas. Por fim, discutirei o futuro da economia e compartilharei algumas dicas que aprendi ao longo da minha carreira científica.

O professor Angus Deaton ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2015 por sua análise sobre consumo, pobreza e bem-estar

 

O que é a economia?

A economia é um dos pilares em torno dos quais nosso mundo gira. Ela nos afeta de forma individual e coletiva. A economia não foi concebida por alguém para um propósito específico – é um fenômeno complexo e dinâmico gerado pela atividade de indivíduos que tentam melhorar sua situação. A economia muda com o tempo, e isso acontece bem rápido, sobretudo nos últimos 20-30 anos. Os avanços atuais e contínuos na tecnologia, junto com o aumento da globalização, alteram profundamente a forma como a economia funciona. Todos esses fatores tornam a economia um complexo campo de estudos. 

Nosso trabalho como economistas consiste em descobrir alguns princípios básicos que influenciam a atividade econômica (a ganância humana é um deles!). Tentamos identificar relações entre vários aspectos da economia, tais como as que se dão entre a quantidade de dinheiro que as pessoas ganham, o custo dos produtos, os tipos de produtos que estão sendo adquiridos e em que quantidade, e quanto dinheiro as pessoas  poupam. Na microeconomia, perguntamos sobre as escolhas individuais econômicas que as pessoas fazem. Ao mesmo tempo, perguntamos também, em uma escala maior, sobre como as escolhas econômicas de grupos grandes (como países) afetam o estado econômico do grupo inteiro: essas questões amplas são tratadas no campo da macroeconomia. 

O ideal é que nossa compreensão, tanto da microeconomia quanto da macroeconomia, se transforme em políticas e regulamentos úteis, que melhorem a situação das pessoas. Felizmente, a economia tornou-se uma ciência muito mais orientada por dados ao longo da última década e, desse modo, os economistas podem agora utilizar a enorme quantidade de material que recolheram para obter novos conhecimentos sobre vários processos econômicos que antes eram difíceis de entender, ou impossíveis de estudar. 

Como você verá neste artigo, a economia não trata apenas de dinheiro: trata também de questões fundamentais como o bem-estar humano, a desigualdade e a pobreza. A forma como encaramos essas questões e agimos a partir delas pode influenciar o bem-estar dos indivíduos e da sociedade como um todo. Dediquei minha carreira ao estudo dessas questões críticas e agora convido você a uma jornada que lhe dará uma ideia de algumas de minhas descobertas importantes.

Economia e bem-estar humano

Os economistas têm sido acusados de se preocupar apenas com o dinheiro e a situação financeira das pessoas, mas isso é apenas uma pequena parte da economia. Muitos economistas pensam sobre o bem-estar e a felicidade humana.

Amartya Sen, um economista indiano que é um de meus heróis, faz questão de refletir sobre o bem-estar econômico perguntando que tipo de coisas as pessoas são capazes de fazer dadas as suas circunstâncias, incluindo aí o dinheiro que possuem. De acordo com Sen, a qualidade de vida e o bem-estar de uma pessoa dependem do que elas são capazes de fazer para conseguir as coisas que desejam e que dão sentido à existência humana [1]. Essa capacidade é influenciada por muitas condições, incluindo a saúde da pessoa e o local onde ela vive. Pobreza significa muito mais do que apenas não possuir dinheiro suficiente; envolve a incapacidade de uma pessoa ou grupo para atingir o modo de vida que valorizam. A pobreza está, portanto, relacionada com saúde, educação, trabalho e proteção contra violência, entre outras coisas. 

Que tal pensarmos numa economia bem-sucedida como aquela que aumenta a felicidade humana? 

Jeremy Bentham foi um economista influente que acreditava nessa abordagem. Mas simplesmente perguntar às pessoas até que ponto elas são felizes é problemático porque existem diferentes tipos de felicidade. Um estudo que fiz com o prof. Daniel Kahneman, também ganhador do Prêmio Nobel em Economia, revelou que a satisfação geral com a vida é diferente de sentir felicidade em um determinado momento [2].

 Imagine que esteja se divertindo com seus amigos no cinema. Se eu lhe perguntar até que ponto você está feliz, você dirá que está muito feliz. Mas se eu lhe perguntasse como a sua vida está indo, você talvez dissesse que não vai tão bem, pois está tendo dificuldades na escola e não gosta do lugar onde mora atualmente. Isso significa que você está feliz ou não? Se você esteve estudando intensamente para um exame importante a semana inteira, poderá dizer que não está muito feliz agora. No entanto, se eu lhe perguntar como vai sua vida em geral, você poderá dizer que está indo muito bem, e que está aproveitando seus estudos e sua vida social. 

O nosso estudo mostrou que, acima de uma determinada renda anual (cerca de 75.000 dólares americanos em 2010), um aumento na renda não produz um aumento na felicidade (Figura 1). Acreditamos que isso acontece porque, além dessa renda, a capacidade dos indivíduos de fazerem o que é mais importante para seu bem-estar emocional não aumenta. Por outro lado, a avaliação da vida (satisfação) continua a aumentar com o aumento da renda. Em outras palavras, as pessoas sentem-se mais satisfeitas com suas vidas à medida que seu rendimento aumenta, de modo que cada duplicação no rendimento resulta no mesmo aumento da sua satisfação com a vida. Portanto, em economia é importante distinguir entre os tipos de felicidade para levá-los todos em consideração. 

Figura 1. Felicidade momentânea e satisfação com a vida são diferentes. Felicidade momentânea, representada aqui como uma medida de bem-estar emocional (linha rosa), para de aumentar em um certo nível de renda (cerca de 75.000 dólares em 2010). Satisfação de vida, representada aqui como uma medida de avaliação de vida (linha amarela), aumenta na medida em que aumenta também a renda anual. Isso mostra que a felicidade tem várias facetas, as quais respondem diferentemente aos eventos da vida (figura adaptada de Gotoh e Dumouchel [3]).

O tema do bem-estar humano é complexo – é um desafio defini-lo, medi-lo e transformar os nossos resultados em políticas e regulamentações econômicas eficazes. A meu ver, com o tempo, conseguiremos um entendimento mais claro dos aspectos responsáveis pelo bem-estar humano, e esse entendimento nos ajudará a direcionar a economia para melhorar essa condição. 

Bem-estar humano – Pessoas versus grandes grupos

O comportamento econômico médio de grupos de pessoas é muito diferente do comportamento dos indivíduos que os compõem (Figura 2). As interações entre as pessoas (e outros agentes econômicos, como as empresas) são importantes. Uma compreensão apenas da forma como as pessoas (ou outros agentes) trabalham enquanto indivíduos pode não explicar como eles se comportam em grupo. 

Figura 2. O comportamento econômico de grupos de pessoas é diferente do comportamento de indivíduos. Ao examinar o quadro econômico completo, precisamos considerar tanto o comportamento econômico médio dos grupos de pessoas (centro) quanto a situação dos indivíduos, ou subgrupos, no interior de um grupo maior (dentro dos quatro círculos). 

Por exemplo, digamos que eu seja um agricultor e tenha uma colheita muito boa este ano. Ao levar minha colheita para o mercado, penso: “Uau, que ótimo! Agora vou ficar rico!” Mas acontece que muitos outros agricultores também tiveram excelentes colheitas e, como resultado, o preço do produto caiu tanto que na verdade ficarei mais pobre (Figura 3). Esse é um simples exemplo do que acontece quando observamos o resultado combinado de muitas ações individuais – vemos com frequência algo muito diferente do que vemos no nível individual. 

Figura 3. O quadro econômico individual pode ser diferente do quadro dos grandes grupos.  (A) Quando há um bom ano para a colheita de milho, fazendeiros individuais esperam um grande lucro. (B) No entanto, muitos outros fazendeiros também obtiveram boas colheitas de milho. (C) Como há muito milho disponível, seu preço cai e os fazendeiros recebem menos dinheiro pela mesma quantidade, podendo até ganhar menos dinheiro no total, apesar de sua colheita maior.

Por outro lado, não basta olhar apenas para o que está acontecendo em média – precisamos também ir aos “bastidores” para ver o que está acontecendo no nível individual e em grupos específicos de pessoas. Por exemplo, minha colega Anne Case e eu mostramos que quase todos os ganhos do produto interno bruto (PIB) nos Estados Unidos desde a década de 1970 foram para apenas um terço da população americana – pessoas que têm pelo menos quatro anos de formação universitária [4]. Os outros dois terços da população – pessoas sem diploma universitário – não se beneficiaram de ganhos no PIB. Isso significa que, para saber se os americanos estão em melhor situação após um aumento no PIB, devemos “ampliar” grupos específicos de pessoas até chegar aos indivíduos para descobrir como estão se saindo. 

Em suma, a fim de entender a economia em geral e o bem-estar humano em particular, devemos olhar tanto para o nível individual quanto para o nível coletivo. Somente a integração de ambas as perspectivas pode nos dar um quadro completo de qualquer situação. Como você viu, a economia não trata apenas de dinheiro, mas de questões muito mais amplas sobre como melhorar a situação das pessoas e sua qualidade de vida em geral. 

Conselhos para mentes jovens

Meu primeiro conselho aos jovens cientistas: não tenham medo de seguir num caminho diferente daquele que os outros seguem. Na boa ciência, cada cientista contribui com sua perspectiva e seu modo de pensar únicos. Mesmo que seus colegas não aceitem seus pontos de vista, permaneça fiel a seu estilo pessoal e saiba que boas coisas podem resultar disso no futuro. 

Quando se trata de escolher uma profissão, é bom seguir as paixões – mas dentro dos limites da razão. Escolha algo que seja importante para você pessoalmente, mas também beneficie outras pessoas. Por exemplo, dedicar a vida ao combate às alterações climáticas me parece uma coisa razoável para fazer no mundo de hoje. Embora esse caminho nem sempre seja agradável e fácil, você ficará satisfeito e contente consigo mesmo ao aprender algo novo sobre o mundo e implementá-lo para ajudar a proteger seu ambiente. 

Se você escolher uma carreira acadêmica, recomendo que primeiro obtenha uma sólida formação universitária em uma dada disciplina, antes de explorar outras matérias úteis. Esteja ciente de que a matemática é importante para muitas escolhas de carreira. Ela ajuda cientistas e economistas a desenvolverem modelos e teorias; num nível mais básico, garante que pensemos corretamente, evitando erros desnecessários. 

Finalmente, os jovens de sua geração deveriam nos responsabilizar – a nós, os adultos – pelo tipo de mundo que deixaremos para vocês. Recuse-se a receber um planeta destruído (Figura 4). Se nós, adultos, esgotarmos o planeta com nosso comportamento irresponsável, você e seus filhos terão um futuro mais difícil. Já existem muitas coisas que podemos fazer para salvar nosso planeta de maiores danos e temos de encontrar formas de implementar essas medidas o mais rapidamente possível. As escolhas que fazemos agora influenciarão as gerações do futuro. O seu papel é impulsionar essas ações – ajudar a geração mais velha a tomar as decisões corretas hoje, para garantir que sua geração e as que vierem depois possam viver uma vida boa neste planeta. 

Figura 4. O futuro do planeta está em nossas mãos. As escolhas que fazemos em nossas vidas cotidianas quanto às fontes de energia que usamos, o modo como usamos nossa terra, como produzimos nossa comida e os processos que empregamos em nossa indústria e agricultura afetam profundamente nossas vidas presentes e futuras neste planeta. Os jovens devem responsabilizar os adultos pelas condições do mundo que eles deixam para trás e ajudá-los a fazer escolhas que conduzam a um futuro melhor para as gerações vindouras. 

Glossário

Globalização: Influência crescente que pessoas e empresas distantes entre si (até mesmo do outro lado do mundo) exercem umas sobre as outras. 

Economia: Ciência social que se ocupa do bem-estar humano, concentrando-se em grande medida na produção, distribuição e consumo de bens e serviços, analisando as escolhas que indivíduos, empresas, governos e nações fazem em relação aos seus recursos. Também se preocupa com a distribuição entre as pessoas e com a pobreza. 

Microeconomia: Estudo do comportamento econômico de consumidores, companhias e indústrias enquanto indivíduos. 

Macroeconomia: Estudo da economia inteira, incluindo o comportamento geral dos preços, e a quantidade total de produtos e serviços existentes. 

Satisfação de vida: Medida subjetiva de como sua vida está indo.  Produto Interno Bruto (PIB): Medida de como um país inteiro está se saindo financeiramente. É o valor total dos produtos e serviços produzidos num país durante um ano. 

Referências

[1] Sen, A. 2003. “Development as capability expansion”, em Readings in Human Development, Ed. S. Fukuda-Parr (New Delhi; New York, NY: Oxford University Press). 

[2] Kahneman, D. e Deaton, A. 2010. “High income improves evaluation of life but not emotional well-being.” Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 107:16489–93. DOI: 10.1073/pnas.1011492107.

[3] Gotoh, R. e Dumouchel, P. 2009. Against Injustice: The New Economics of Amartya Sen. Cambridge: Cambridge University Press.

[4] Case, A. e Deaton, A. 2021. Deaths of Despair and the Future of Capitalism. Princeton, NJ: Princeton University Press. 

Citação

Deaton, A. (2023). “The economy: much more than money.” Front. Young Minds. 11:1131591. DOI: 10.3389/frym.2023.1131591. 

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