Economia Matemática 29 de novembro de 2023, 09:48 29/11/2023

Enigmas humanos na economia comportamental

Autores

Jovens revisores

Na ilustração, um homem verifica o dinheiro em sua carteira, enquanto à sua frente, outro homem controla uma roleta que determina diferentes valores financeiros.

Resumo

O comportamento humano é um fenômeno diversificado, complexo e muitíssimo interessante. Apesar das muitas diferenças que existem entre duas pessoas quaisquer, podemos encontrar padrões que caracterizam comportamentos típicos em várias situações, tais como uma sala de aula ou um jantar em família. O campo de pesquisa denominado economia comportamental estuda o comportamento humano em situações financeiras. Neste artigo, apresentarei as principais conclusões da teoria da perspectiva, que desenvolvi junto com o falecido Amos Tversky. A teoria da perspectiva explica as escolhas humanas em situações que envolvam jogos de azar e responde a perguntas como: as pessoas encaram da mesma maneira os ganhos e as perdas? Como a situação financeira inicial de uma pessoa influencia o valor que ela atribui aos ganhos e perdas? Ao final do artigo, compartilharei ideias importantes desenvolvidas ao longo de minha carreira científica e explicarei por que a felicidade tem duas caras.

O professor Daniel Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2002 por ter integrado conhecimentos da pesquisa em psicologia às ciências econômicas, especialmente em relação à capacidade humano de julgamento e à tomada de decisões em situações de incerteza. 

A teoria da perspectiva

Imagine que uma de suas amigas proponha o seguinte jogo: ela atirará uma moeda e você terá de adivinhar se vai dar cara (cabeça do elefante) ou coroa (cauda do elefante). Se der cara, você ganhará 3 dólares e, se der coroa, perderá 3. Nessa situação, o valor a ganhar ou perder é o mesmo: há 50% de chances de cada episódio acontecer, pois as chances de cara ou coroa são iguais. Você toparia esse jogo? E se sua amiga mudasse as regras para que você ganhasse 5 dólares se desse cara, mas perdesse 3 se desse coroa? Nessa situação, o ganho e a perda são diferentes, mas há ainda 50% de probabilidade para cada caso (Figura 1). 

Figura 1. Cara ou coroa com ganhos e perdas. (A) Uma aposta com chances iguais (50%) de ganho ou perda. Você se arriscaria nesse jogo se ganhasse 3 dólares caso a moeda caísse com a cabeça do elefante para cima e perdesse 3 caso ela caísse com a cauda do elefante para cima? (B) Uma aposta com 50% de chances de ganho ou perda, mas com valores diferentes para cada eventualidade. Nessa versão, você receberia 5 dólares se desse cara e perderia 3 se desse coroa. Você se arriscaria a jogar esse jogo? 

Agora imagine outra situação, em que sua amiga propusesse um jogo diferente: ela lançará um dado comum de seis faces. Se der qualquer número de um a quatro, você receberá 3 dólares. Mas se der cinco ou seis, perderá 3. Nessa situação, uma quantia igual seria ganha ou perdida, mas com probabilidades diferentes: 66% de chances de ganhar (4 em 6) e 33% de chances de perder (2 em 6). Você se arriscaria a jogar esse jogo (Figura 2)?

Figura 2. Lançamento de dado com ganhos e perdas iguais, mas probabilidades diferentes. Neste jogo, se você lançar um dado e der qualquer número de um a quatro, ganhará 3 dólares (lado esquerdo), mas, se der cinco ou seis, perderá 3 (lado direito). Você se arriscaria a jogar esse jogo? 

Esses são exemplos de jogos de azar simples com diferentes situações de ganho ou perda. Agora imagine situações em que haja apenas ganhos de vários tamanhos – por exemplo, se alguém lhe pedir para escolher entre receber 3 dólares com certeza ou ter 80% de chance de ganhar 6. Nesse caso, qual seria sua opção?  E se você pudesse receber 3 dólares agora ou 10 dólares se esperasse duas semanas, qual das duas possibilidades escolheria? 

A teoria da perspectiva que desenvolvi com o meu falecido amigo Amos Tversky aborda as situações descritas acima. É uma teoria da economia comportamental, sobre as escolhas que as pessoas fazem em situações incertas, como quando estão jogando. A teoria da perspectiva pretende explicar por que e como as pessoas fazem suas escolhas. Na próxima parte do artigo apresentarei duas descobertas centrais da teoria da perspectiva, explicando suas implicações e como estão relacionadas às situações que você viu acima. 

Em que as pessoas pensam quando jogam? 

No passado, acreditava-se que, quando as pessoas pensam sobre as implicações financeiras do jogo, avaliam qual será sua situação financeira caso ganhem ou percam. Por exemplo, um comerciante que envia suas mercadorias (perfumes, por exemplo) em um navio de Amsterdã para São Petersburgo sabe que há 5% de probabilidade de o navio afundar ao longo de sua rota e não chegar ao destino. O comerciante, no entanto, pensa nas duas opções. Na primeira, há 95% de probabilidade de que o navio chegará com segurança ao seu destino. Se isso acontecer, ele poderá vender seus perfumes e obter um lucro previsível. 

Na segunda opção, há 5% de possibilidade de o navio afundar e o comerciante perder o dinheiro que gastou com os perfumes. Ele precisa decidir se vale a pena adquirir um seguro para a carga do navio. Deve investir em uma quantia que cubra o custo dos perfumes caso o navio afunde ou correr o risco e não pagar o seguro, esperando que o navio chegue em segurança? 

O famoso cientista Daniel Bernoulli (1700-1782) estudou esse problema. Ele teorizou que as pessoas pensam sobre o estado futuro de seus ativos. Ou seja, quando as pessoas tomam uma decisão econômica (jogo), estimam qual será sua situação financeira se ganharem a aposta ou se perderem.

Nesse ponto, Amos Tversky e eu entramos em cena. Percebemos que, quando se trata de apostas feitas no dia a dia (que geralmente não envolvem o risco de uma valiosa mercadoria se perder no caminho, como no caso do navio descrito acima), as pessoas pensam em ganhos e perdas, não na situação financeira geral em que se encontrarão após o jogo.

Lembre-se dos jogos que descrevemos acima: quando você decide apostar, provavelmente pensa em quanto dinheiro ganhará se vencer e em quanto dinheiro gastará se perder. Com certeza, não pensa na quantia total de dinheiro que terá no bolso em cada uma dessas eventualidades. Ou seja, as pessoas concentram-se nas mudanças de sua situação financeira resultantes do jogo. Essa ideia, geralmente, é apresentada usando-se uma curva chamada função de valor (Figura 3). Essas mudanças são medidas em relação à situação financeira da pessoa antes da aposta, que chamamos de “estado zero”, retratado pelo 0 na origem dos eixos na Figura 3. 

Figura 3. A função de valor.
Uma grande inovação da teoria da perspectiva é a mudança da ênfase na situação financeira final do jogador, após a realização da aposta, para a ênfase nos ganhos (Ganhos) e perdas (Perdas) em relação à sua situação financeira antes da aposta, representada aqui pela origem dos eixos (“0”). O ganho ou a perda são medidos com relação a ela e estão vinculados a um valor subjetivo (Valor) de quem aposta. Cada pessoa decide por si mesma quão importante é o lucro (ganho) para ela e quanto a perda a “prejudica”. A teoria da perspectiva diz que as perdas afetam mais a pessoa do que uma quantidade equivalente de ganho (a curva vermelha é mais íngreme do que a curva verde).

Uma vez entendido que o valor está nas mudanças na situação financeira do jogador, podemos perguntar se os ganhos e perdas têm o mesmo “peso” ou importância para quem joga. Vamos voltar ao jogo na Figura 1. A primeira versão do jogo, na qual há chances iguais de ganho e perda (e ganho e perda são iguais), é um tipo de aposta que as pessoas não gostam de fazer. Preferem mais a aposta oferecida na segunda versão, onde o valor do ganho é maior que o valor da perda e as chances de ganhar e perder são iguais. Em outras palavras, as pessoas precisam da “compensação” de um ganho potencialmente maior para correr o risco de perder. A conclusão importante é que as atitudes delas frente a ganhos e perdas não são iguais. As pessoas sentem mais repugnância pela perda (não gostam de perder) do que atração pelo ganho. Chamamos isso de aversão à perda.

A aversão à perda é apresentada em forma de gráfico na Figura 3. Observe a curva verde no lado direito do gráfico, representando o valor que as pessoas atribuem aos ganhos, e compare com a curva vermelha no lado esquerdo, que representa o valor que as pessoas atribuem às perdas. Você pode ver que a curva de ganho sobe mais lentamente, sendo mais moderada que a curva de perda, que é mais íngreme. Isso significa que, para o mesmo valor de ganho e perda (como +3 dólares e -3 dólares), as pessoas vivenciarão mais negativamente a perda do que positivamente o ganho.

Faça você mesmo o teste: você ficaria mais animado ao ganhar 3 dólares do que chateado ao perder 3? A maioria de vocês dirá que é mais perturbador perder 3 do que emocionante ganhar 3. Essa característica humana aparece em muitas culturas, e acreditamos que tenha uma base evolutiva (desafio: você saberia dizer se essa característica de aumento da aversão à perda é útil aos humanos de um ponto de vista evolutivo?). É interessante notar que, embora a consciência de aversão à perda tenha aumentado segundo nossos estudos, a aversão à perda em si não diminuiu. Mas os nossos estudos nos permitiram compreender o comportamento das pessoas em situações financeiras, que as teorias anteriores não conseguiam explicar. 

Recomendação para as mentes jovens: as duas faces da felicidade

Finalmente, eu gostaria de compartilhar com você algumas ideias importantes, desenvolvidas ao longo de minha carreira de pesquisa, que não estão diretamente relacionadas com o mundo da economia. A primeira ideia está no âmbito da psicologia comportamental e surgiu da pergunta: “O que faz as pessoas felizes?” A outra surgiu de minhas próprias observações sobre mim mesmo como cientista. 

A felicidade é um aspecto crucial e esquivo na vida de cada pessoa. O caminho para a felicidade é individual e depende de muitos fatores. No entanto, você deve estar ciente de que existem dois tipos de felicidade: ser feliz em sua vida e ser feliz com sua vida (Figura 4).

Ser feliz na vida, o que também se chama felicidade experimentada, relaciona-se à experiência atual na vida: é prazeroso ser eu mesmo? Sinto-me bem neste momento? Esse tipo de felicidade está intimamente relacionado ao nosso humor. Acontece que, em média, as pessoas ficam mais felizes quando passam seu tempo com os entes que amam e que as amam. Em contrapartida, ser feliz com a vida, o que também se chama satisfação com a vida, relaciona-se à satisfação geral com a vida: minha vida é bem-sucedida? Estou orgulhoso de minhas conquistas? Em outras palavras, a satisfação resulta de rememorar sua vida e pesá-la em termos de sucesso e fracasso. 

Figura 4. As duas faces da felicidade. A felicidade geral é composta de dois tipos de felicidade: ser feliz na vida (felicidade experimentada) e ser feliz com a vida (satisfação com a vida). (A) Ser feliz na vida está relacionado com o prazer momentâneo, que geralmente é causado pelo convívio com pessoas que você ama. (B) Ser feliz com a vida (satisfação) está relacionado com rememorar e sentir que seus objetivos foram alcançados. A sabedoria está em encontrar o caminho para realizar os dois tipos de felicidade, o que nem sempre acontece ao mesmo tempo.

Minha recomendação, portanto, é que você pense nos dois aspectos diferentes da felicidade: como gostaria de passar seu tempo (ser feliz na vida) e quais são seus objetivos de vida (ser feliz com a vida). Esses dois aspectos nem sempre andam de mãos dadas em um momento específico. Mas, se você prestar atenção em ambos, suas chances de vivenciá-los aumentam.

Outra coisa importante que você deve saber é que, em estudos adicionais, descobrimos que a relação entre riqueza financeira e felicidade não é tão simples e clara como as pessoas tendem a pensar. Então, para ser feliz, minha recomendação é não concentrar muito a atenção na riqueza financeira. Em vez disso, participe de várias atividades agradáveis ao longo da vida e escolha uma variedade de objetivos – não apenas os financeiros. 

O cientista é como uma criança que gosta de mudar de ideia

Para mim, ser um cientista é como decidir permanecer criança e manter um alto nível de curiosidade. Sem dúvida, os cientistas não entendem completamente o mundo que os cerca, mas fazem grandes esforços para tentar entendê-lo. Como cientista, eu também gosto de mudar de ideia. Há cientistas que acham difícil mudar de opinião – agarram-se a ela e não a largam. Para mim, é o contrário – só quando mudo de ideia sinto que realmente aprendi algo novo. Nesse sentido, trabalhar em ciência é um ciclo contínuo. Repetidamente, há momentos de “ah, como pude ser tão idiota e não ter visto isso antes?” Essa experiência de ver as coisas a uma nova luz se repete continuamente durante a vida de um cientista. Acontecerá o mesmo com você caso decida se dedicar à ciência. Acontece ainda comigo aos 88 anos (minha idade atual). 

Glossário

Teoria da perspectiva: Teoria que trata do comportamento humano em situações de apostas financeiras. Essa teoria faz parte de um ramo da economia chamado economia comportamental. 

Economia comportamental: Ramo da economia que explora os fatores capazes de influenciar as escolhas das pessoas em situações financeiras. 

Função de valor: Função que descreve a conexão entre o valor subjetivo atribuído pelas pessoas aos ganhos e perdas e o valor objetivo dos próprios ganhos e perdas. 

Aversão à perda: Repugnância maior às perdas do que satisfação pelos ganhos. Por exemplo, as pessoas tendem a evitar jogos em que o montante e a probabilidade da perda sejam iguais ao montante e à probabilidade do ganho. 

Conflito de interesses

O autor declara que a pesquisa foi realizada sem nenhuma relação financeira ou comercial capaz de gerar um conflito de interesses. 

Agradecimentos

Agradeço a Noa Segev por conduzir a entrevista que serviu de base para esse artigo e pela coautoria do artigo. Agradeço a Alex Berstein pelas ilustrações. 

Referências

[1] Tversky, A. e Kahneman, D. 1974. “Judgment under uncertainty: heuristics and biases: biases in judgments reveal some heuristics of thinking under uncertainty.” Science 185:1124–31. DOI: 10.1126/science.185.4157.1124.

[2] Kahneman, D. e Tversky, A. 1979. “Prospect theory: an analysis of decision under risk.” Econometrica 47:363–91. DOI: 10.2307/1914185. 

[3] Kahneman, D. e Tversky, A. 2013. “Prospect theory: an analysis of decision under risk”, em Handbook of the Fundamentals of Financial Decision Making: Part I, orgs. L. C. MacLean e W. T. Ziemba (World Scientific Press), pp. 99–127. DOI: 10.1142/9789814417358_0006.

[4] Kahneman, D. e Tversky, A. 2013. “Choices, values, and frames”, em Handbook of the Fundamentals of Financial Decision Making: Part I, orgs. L. C. McLean e W. T. Ziemba (World Scientific Press), pp.  269–78. DOI: 10.1142/9789814417358_0016.

[5] Tversky, A. e Kahneman, D. 1991. “Loss aversion in riskless choice: a reference-dependent model.” Quart. J. Econ. 106:1039–61. DOI: 10.2307/2937956.

[6] Kahneman, D. e Riis, J. 2005. “Living, and thinking about it: two perspectives on life.” Sci Wellbeing 1:285–304. DOI:10.1093/acprof:oso/9780198567523.003.0011.

[7] Kahneman, D., Schkade, D. A., Fischler, C., Krueger, A. B. e Krilla, A. 2010. “The structure of well-being in two cities: Life satisfaction and experienced happiness in Columbus, Ohio; and Rennes, France”, em International Differences in Well-Being, orgs. E. Diener, J. F. Helliwell e D. Kahneman (Oxford University Press), pp. 16–33. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780199732739.003.0002. 

[8] Kahneman, D., Krueger, A. B., Schkade, D., Schwarz, N. e Stone, A. A. 2006. “Would you be happier if you were richer? A focusing illusion.” Science 312:1908–10. DOI: 10.1126/science.1129688. 

Citação

Kahneman, D. (2002). “Human riddles in behavioral economics.” Front. Young Minds. 10:1014522. DOI: 10.3389/frym. 2022.1014522. 

 

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