Neurociências e Psicologia 10 de janeiro de 2023, 14:47 10/01/2023

Nosso cérebro gosta de fazer amigos

Autores

Jovens revisores

Três desenhos de cérebros se cumprimentando.

Resumo

A contribuição do cérebro para as interações sociais humanas é complexa e ainda não totalmente compreendida. O que está claro até agora é que nosso cérebro gosta de fazer amigos e que conviver com eles pode ter efeitos muito positivos no aprendizado, na saúde e na vida em geral.

É importante ter amigos?  Por que gostamos de conviver com eles? A pesquisa em neurociência nos ajuda a responder a algumas dessas perguntas, ao observar como nosso cérebro nos permite interagir com outros humanos e obter benefícios disso. Parte da razão pela qual os cérebros humanos são tão complexos é que nossas interações com os outros também são complexas; somos criaturas sociais e vivemos em grupos há milhares de anos.

Nosso cérebro aprimorou a capacidade de se adaptar à complexidade do mundo social que nossa espécie (a humana) criou. Organizamos nossas interações em diferentes níveis de complexidade: distinguimos nossos familiares mais próximos, ajudamos nossos vizinhos, pertencemos a uma nação e nos reconhecemos como parte de um mundo mais vasto. Mas por que os humanos desenvolveram organizações sociais tão complexas? Interagir com os outros tem sido útil para nós como espécie: há algo na cooperação com nossos semelhantes que nos tornou mais aptos a sobreviver ao longo da evolução.

De fato, as pesquisas mostram que seres humanos socialmente isolados não apenas relatam taxas mais altas de depressão, que é um estado caracterizado por sentimentos persistentes de melancolia, como adoecem com mais frequência e vivem vidas mais curtas [1]. São muitas as funções cerebrais que nos permitem manter interações humanas saudáveis. Uma dessas funções é a empatia. Pela empatia, entendemos e respondemos às experiências emocionais dos outros. Uma parte importante da empatia é a “teoria da mente”, a capacidade de compreender os sentimentos, crenças, pensamentos e intenções das pessoas. Sem perceber, usamos essa capacidade toda vez que interagimos com nossa família, amigos, colegas e professores: para manter interações saudáveis, precisamos entender que eles pensam e sentem diferentemente de nós.

Mas não nascemos com essa capacidade. É só entre quatro e cinco anos de idade que a teoria da mente começa a se desenvolver e isso acarreta muitas mudanças em nosso comportamento, como aprender novas regras sociais e poder jogar jogos mais complexos com os amigos. A Figura 2 mostra que a rede cerebral ativada quando pensamos em nossa própria mente ou na mente de um amigo é surpreendentemente semelhante à atividade cerebral observada quando tentamos entender a mente de um estranho. Isto é, nosso cérebro estabelece uma diferença no modo  como responde a amigos e a pessoas desconhecidas. 

Figura 1. Um grupo de adolescentes fazendo amizade. 
Figura 2 – Atividade cerebral. Pensar na própria mente e na mente de um amigo é muito semelhante à atividade observada ao pensar na mente de um estranho [2]. 

A pesquisa também sugere que aprender em sala de aula com professores e colegas é mais eficaz do que aprender sozinho. Por exemplo, num estudo com crianças americanas que só haviam sido expostas ao idioma inglês, três métodos pedagógicos diferentes foram aplicados para ensiná-las a distinguir sons e palavras em chinês. Algumas aprenderam com um professor chinês em pessoa, outras vendo-o na tela da TV e o terceiro grupo apenas ouvindo-o. Embora fossem ensinadas a todas as crianças as mesmas palavras e por períodos de tempos semelhantes, o primeiro grupo aprendeu melhor e suas habilidades eram mais parecidas com as de crianças que cresceram falando chinês.

Aparentemente, havia algo especial na interação com outros humanos que tornava o aprendizado diferente: talvez, quando interagimos com outras pessoas, haja um impulso extra de motivação que nos faz aprender melhor [3]. Afinal, todos tendemos a nos lembrar de coisas ensinadas por nossos professores favoritos. Isso mostra o efeito duradouro da empatia na aprendizagem. 

Pesquisadores de todo o mundo dedicam cada vez mais tempo ao estudo da amizade. Há evidências mostrando que o cérebro responde mais prontamente a amigos do que a estranhos, mesmo que os estranhos tenham mais coisas em comum conosco. Foi demonstrado que conviver com amigos estimula a atividade das partes do cérebro que nos fazem sentir bem – os circuitos de recompensa. Além disso, manter relações sociais proveitosas e duradouras, inclusive amizades, e uma vida social ativa parece proteger o cérebro de doenças que costumam aparecer mais tarde na vida, como a demência, que é a perda de células nervosas cerebrais e afeta o cérebro de muitos adultos mais velhos. 

Em resumo, a contribuição do cérebro para as interações sociais humanas é complexa e ainda não totalmente compreendida. O que está claro até agora é que nosso cérebro gosta de fazer amigos e que conviver com eles pode ter efeitos muito positivos no aprendizado, na saúde e na vida em geral. 

Referências

[1] Cacioppo, J. T. e Hawkley, L. C. 2003. “Social isolation and health, with an emphasis on underlying mechanisms.” Perspect. Biol. Med. 46: S39–52. DOI: 10.1353/pbm.2003.0063. 

[2] Krienen, F. J., Tu, P.-C. e Buckner, R. L. 2010. “Clan mentality: evidence the medial prefrontal cortex responds to close others.” J. Neurosci. 30:13906–15. DOI: 10.1523/JNEUROSCI.2180-10.2010.

[3] Kuhl, P. K., Tsao, F.-M. e Liu, H.-M. 2003. “Foreign-language experience in infancy: effects of short-term exposure and social interaction on phonetic learning.” Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 100: 9096–101. DOI: 10.1073/pnas.1532872100. 

Citação

Gleichgerrcht, E., Salvarezza, F. e Manes, F. (2013). “Our brain enjoys making friends.” Front. Young Minds. 1:5. DOI: 10.3389/frym.2013.00005. 

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