O camarão-pistola e sua cacofonia crustácea
Autores
Chiara Benvenuto, Cian Jones, Paul Kendrick
Jovens revisores
Escola Católica Santo Oscar Romero
Resumo
Nós, humanos, somos um grupo barulhento. Os sons que produzimos preenchem a terra e o ar à nossa volta, e chegam aos mares e oceanos. Mas não somos os únicos a encher os mares de ruído. Pequenos camarões, também conhecidos como camarões- pistola (ou camarões-de-estalo), são alguns dos animais mais barulhentos do oceano! Eles capturam suas presas atacando-as com uma poderosa onda de choque proveniente de uma garra avantajada. Embora o som individual de cada camarão seja pequeno, o barulho que eles fazem em grupo é conhecido por mascarar a presença de submarinos! Como é que algo tão pequeno faz tamanho estardalhaço? E como os cientistas podem usar esse barulho para avaliar melhor a saúde do leito oceânico?
O camarão-pistola
O camarão-pistola não se parece em nada com os camarões rosados que algumas pessoas gostam de comer. Eles possuem uma garra gigante que lhes confere um aspecto irregular (Figura 1).
Ao estalar essa garra enorme, os camarões-pistola produzem ondas de choque poderosas. Eles usam a onda de choque resultante para se comunicar com outros camarões, para se proteger, caçar e matar suas presas.
Há cerca de 600 espécies de camarões-pistola em nossos oceanos. Eles fazem parte do grupo de animais conhecidos como crustáceos. Os camarões são os únicos animais eussociais marinhos, o que significa que vivem em colônias altamente organizadas, como as das abelhas, formigas e ratos-toupeira [1]. Pode ser difícil vê-los, pois gostam de se esconder entre esponjas, corais, pedras e conchas. Eles vivem em áreas do mar próximas à terra, onde a água é quente e rasa. Os camarões-pistola são encontrados ao redor da Austrália, Havaí, na península da Coreia e no mar Mediterrâneo. Recentemente, devido ao aquecimento global, foram descobertos nas costas do Reino Unido, uma área que já foi demasiado fria para sua sobrevivência.
O camarão-pistola pode crescer até 6 cm de comprimento, mas alguns chegam a 10 cm. Sua garra gigante tem a metade do comprimento do seu corpo [2]. Apesar de sua natureza tímida, esses crustáceos são alguns dos animais mais barulhentos do oceano!
Os cientistas costumavam pensar que os estalos altos desses camarões vinham das partes superior e inferior da garra gigante batendo uma na outra. Todavia, mais recentemente, câmeras de alta velocidade e microfones subaquáticos chamados hidrofones foram usados para analisar a garra em maior detalhe [2].
A Figura 2 mostra uma gravação do som feito por um camarão-pistola. Os cientistas descobriram que, no início da gravação, o camarão já está fechando rapidamente sua garra grande – o que demora cerca de meio milissegundo. Esse movimento rápido força um jato de água a sair da garra em alta velocidade, o que, por sua vez, gera uma pequena bolha. As bolhas crescem até cerca de 7 mm de largura. É o colapso da bolha que emite um som curto, mas alto, e isso gera um grande aumento na pressão sonora, que é a pressão causada pelo som enquanto viaja pela água. O estouro da bolha cria uma onda de choque que atordoa ou mata a presa do camarão.
Um único estalo pode passar despercebido no mar, mas um grande grupo de camarões-pistola pode criar um som contínuo que lembra o crepitar de galhos em chamas ou o assobio das trepadeiras do Minecraft. Às vezes, esse som é alto o suficiente para interferir nas comunicações subaquáticas de outros animais. Durante a Segunda Guerra Mundial, cientistas americanos perceberam que o barulho do camarão-pistola estava afetando os sistemas de sonar usados pelos navios japoneses. Os cientistas identificaram os locais onde viviam as grandes colônias de camarões-pistola e usaram seu ruído para esconder os submarinos americanos do sonar japonês [3]!
Ruído subaquático
Ouvir sons como a música ou o vento nas árvores pode ser uma experiência deliciosa. Mas alguns não são muito agradáveis ao ouvido, como o de um garfo arranhando um prato ou o de uma estrada barulhenta ou movimentada. Um som indesejado costuma ser chamado de ruído e muito ruído pode ser prejudicial à nossa saúde. Pode danificar nossos tímpanos e nossa audição ou impedir-nos de dormir. Você já ficou acordado por causa de ruídos? Se não dormir bem, poderá se sentir péssimo no dia seguinte e por isso todos nós sabemos que o barulho costuma ser estressante e cansativo. Não são apenas os humanos que sofrem com o barulho; ele prejudica também animais selvagens. Por exemplo, o barulho alto do tráfego afeta os horários em que os pássaros cantam pela manhã e à noite.
Sabemos que os ruídos que viajam pelo ar podem ser prejudiciais, mas e o ruído subaquático? Ao tomar banho ou nadar no mar ou na piscina, você deve ter notado como os sons viajam de maneira diferente pela água. Muitos mamíferos marinhos, peixes e invertebrados usam os sons como parte de suas vidas cotidianas. Golfinhos, baleias, morsas, peixes, caranguejos e camarões, por exemplo, dependem de sons para se locomover, comunicar e caçar. Alguns peixes até produzem sons para atrair parceiros [4].
Infelizmente, ruído demais causa efeitos graves sobre esses animais, uma vez que mascara outros sons e compromete seu bem-estar (Figura 3). Muito ruído de fundo pode interferir nos sentidos do animal, causando confusão e mudanças de comportamento. Atividades humanas como a perfuração de poços de petróleo submarinos, o movimento de barcos e navios, a pesca e a drenagem prejudicam a vida no fundo do mar. Esse excesso de ruído é chamado de poluição sonora, e dificulta a comunicação dos animais e sua capacidade de se orientar, caçar ou a fugir de predadores.
Mas até que ponto a poluição sonora é prejudicial? Os cientistas enfrentam dificuldades ao medir os efeitos do ruído na vida selvagem subaquática, especialmente quando se trata de invertebrados [5]. Muitos estudos são feitos sobre mamíferos marinhos e alguns sobre peixes, mas e quanto aos outros animais menores? Estudar camarões-pistola poderia ajudar?
O monitoramento dos ecossistemas utilizando a acústica
A biodiversidade é uma medida do número de diferentes tipos de organismos, como plantas e animais, que vivem em um determinado local ou habitat. Áreas com uma alta biodiversidade são o lar para muitas espécies. Os recifes de corais saudáveis e outros habitats marinhos são famosos por sua incrível biodiversidade, mas em alguns locais eles são afetados pela pesca excessiva ou pela poluição.
Uma forma de medir a biodiversidade dos ambientes marinhos é mergulhar até o fundo do mar e ali tirar muitas fotografias e tomar notas. Isso pode ser caro, demorado e às vezes perigoso. Sabemos que os camarões-pistola gostam de viver dentro das esponjas marinhas, comumente encontradas em recifes de coral e outras áreas. Sabemos também que, quanto mais saudável for o fundo do mar, mais camarões-pistola viverão nele [6]. Os camarões-pistola podem nos dizer algo sobre as condições do fundo do oceano. Isso significa que são bons indicadores biológicos; eles podem nos ajudar também a descobrir até que ponto nossos oceanos são saudáveis. Mas como fazemos para determinar quantos camarões-pistola vivem em um determinado local? Não é possível contá-los visualmente porque muitas vezes se escondem e nem sempre é fácil vê-los. É aqui que a acústica se torna útil!
Podemos descobrir quantos camarões existem lá ouvindo os sons que eles fazem. Os cientistas usam hidrofones para medir o barulho subaquático. Instalar esses aparelhos em posições cuidadosamente escolhidas ajuda a localizar a origem de um som. Havendo camarões-pistola em uma área, seus estalos serão ouvidos nas gravações e suas posições serão detectadas.
Os estalos do camarão são tão altos, rápidos e cheios de energia que pode ser bastante fácil detectá-los. Os cientistas também usam conjuntos de hidrofones para checar se os sons ouvidos vêm mesmo do camarão e não de algum outro animal ou máquina. O resultado é que a acústica usa gravações de sons para contar o número de camarões-pistola em grandes áreas sem perturbar os organismos que vivem lá. Isso dá aos cientistas uma ideia da saúde geral do fundo do mar [6]. A acústica vem sendo usada também para estudar outros animais, incluindo pássaros e golfinhos nariz-de-garrafa [7,8].
Recentemente, os cientistas descobriram camarões-pistola vivendo em regiões que antes eram consideradas frias demais para eles. Os camarões-pistola nos dizem, em “alto e bom som”, que nosso clima está mudando e que nossos mares estão ficando mais quentes. Talvez devêssemos escutar o que eles estão dizendo!
Agradecimentos
Nossos agradecimentos a Byoung-Nam Kim, do East Sea Environment Research Department do Korea Ocean Research and Development Institute, por fornecer a imagem do camarão-pistola usado na Figura 1; a Sergio Mascolino pela Figura 3; a Marco Brunoldi, Daniele Grosso, Giorgio Bozzini e Alessandra Casale, do Departamento de Física da Universidade de Gênova, Itália, pelas gravações de hidrofones e pelos debates produtivos, e a Caryl Hart pela assessoria editorial.
Referências
[1] Duffy, J. E. 1996. “Eusociality in a coral-reef shrimp.” Nature 381:512–4. DOI: 10.1038/381512a0.
[2] Versluis, M., Schmitz, B., von der Heydt, A. e Lohse, D. 2000. “How snapping shrimp snap: through cavitating bubbles.” Science 289:2114–7. DOI: 10.1126/science.289.5487.2114.
[3] Chicago Sunday Tribune. 1959. Sent Shrimps into War for U.S.! Honored, p. 28. Disponível online em: https://chicagotribune.newspapers.com/image/371482240/?terms=sent%20shrimps&match=1 (acessado em 4 de dezembro de 2021).
[4] Mascolino, S., Mariani, S. e Benvenuto, C. 2019. “Behavioural responses in a congested sea: an observational study on a coastal nest-guarding fish.” Eur. Zool. J. 86:504–18. DOI: 10.1080/24750263.2019.1699611.
[5] Ferrier-Pagès, C., Leal, M. C., Calado, R., Schmid, D. W. Bertucci, F., Lecchini, D. et al. 2021. “Noise pollution on coral reefs? – a yet underestimated threat to coral reef communities.” Mar. Pollut. Bull. 165:112129. DOI: 10.1016/j.marpolbul.2021.112129.
[6] Butler, J., Butler, M. J. IV e Gaff, H. 2017. “Snap, crackle, and pop: acoustic-based model estimation of snapping shrimp populations in healthy and degraded hard-bottom habitats.” Ecol. Indicat. 77:377–85. DOI: 10.1016/j.ecolind.2017.02.041.
[7] Kendrick, P. Wood, M. e Barçante, L. 2017. “Automated assessment of bird vocalization activity.” J. Acoust. Soc. Am. 141:3963. DOI: 10.1121/1.4989022.
[8] Brunoldi, M., Bozzini, G., Casale, A., Corvisiero, P., Grosso, D., Magnoli, N. et al. 2016. “A permanent automated real-time passive acoustic monitoring system for bottlenose dolphin conservation in the Mediterranean Sea.” PloS ONE 11:e0145362. DOI: 10.1371/journal.pone.0145362.
Citação
Jones, C., Benvenuto, C. e Kendrick, P. (2022). “Snapping shrimp and their crustaceous cacophony.” Front. Young Minds 10:856579. DOI: 10.3389/frym. 2022.856579.
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