O coração envelhece mais rápido no espaço?
Autores
Bjorn Baselet, Emil Rehnberg, Kevin Tabury, Lorenzo Moroni
Jovens revisores
Resumo
Viver no espaço não é tão simples quanto viver na Terra. O ambiente lá é prejudicial para os seres humanos: os astronautas experimentam a ausência de peso e ficam expostos a radiações perigosas. Além disso, vivem numa área minúscula, longe de seus entes queridos. Esses fatores prejudicam todos os nossos órgãos. O coração, por exemplo, começa a envelhecer muito mais rápido no espaço que na Terra, o que significa que os astronautas correm um risco maior de doenças cardíacas depois de ir ao espaço. Por isso, é importante investigar as causas desse problema, para que se possa evitá-lo. No passado, os estudos se baseavam em experimentos feitos com animais ou seres humanos. Hoje, podemos criar minicorações em laboratório para substituí-los. Neste artigo, explicaremos como fabricamos os minicorações e como os empregamos para entender e prevenir o envelhecimento do coração no espaço.
O espaço envelhece nossos corações
Muitas pessoas acham que é excitante ir ao espaço! Imagine flutuar sem peso na Estação Espacial Internacional, viajar numa nave espacial ou, simplesmente, ver nossa casa, o planeta Terra, lá de cima. Nos próximos anos, colocaremos uma nova estação espacial ao redor da Lua e enviaremos para nosso satélite os primeiros seres humanos desde 1972. Como se isso não bastasse, antes de 2040 o primeiro humano pisará em Marte e em breve quem quiser ir ao espaço poderá fazê-lo! Mas permanecer ali tem seus riscos. Quanto mais fundo mergulhamos no espaço, mais perigoso ele se torna.
O coração é um órgão importante para o ser humano, responsável por bombear o sangue que leva energia a todas as partes do corpo. Naturalmente, quanto mais velhos ficamos, menos eficientes e mais fracos ficam nossos corações. Também nos tornamos mais lentos (Figura 1), conforme você pode perceber observando seus avós. No espaço, esse fenômeno é acelerado, o que significa que lá os nossos corações se debilitam e envelhecem mais rápido do que na Terra.
Por que o espaço envelhece o coração?
Muitas são as razões pelas quais o espaço acelera o envelhecimento do coração. A primeira e mais importante é a radiação – invisível aos olhos, mas muito perigosa. Embora nem toda radiação cause danos (usamos radiação para nos conectar à internet ou fazer chamadas telefônicas, por exemplo), a que existe no espaço é bastante prejudicial, o que faz com que seja arriscado permanecer lá mesmo que por um curto período. Quando nossas células são expostas à radiação espacial, sofrem danos, particularmente no seu DNA, e o risco de várias doenças cardíacas aumenta. Por causa disso, os astronautas expostos à radiação espacial sofrem mais de doenças cardiovasculares [1].
A segunda razão é a ausência de peso. Embora pareça muito divertido flutuar no ar ou dar cambalhotas sem esforço, na verdade a ausência de peso é prejudicial ao corpo e aos órgãos, pois então os músculos não precisam trabalhar para suportar a carga corporal. Isso faz com que os músculos do astronauta se atrofiem lentamente. O coração também é um músculo: portanto, quando a gravidade não puxa o sangue em direção aos pés, o coração não precisa trabalhar tanto a fim de bombeá-lo pelo corpo. Isso faz com que mais sangue permaneça na parte superior do corpo, ao contrário do que ocorre na Terra. Assim, o formato do coração fica mais redondo e parecido com uma bola. Algumas partes ficam também menores e perdem o tônus muscular [2].
O terceiro motivo pelo qual o espaço envelhece o coração envolve os sentimentos de solidão e de estresse. É difícil enviar ajuda ao espaço; os astronautas permanecem sozinhos e só podem se ajudar uns aos outros, o que os deixa estressados. Além de tudo, as naves são geralmente muito pequenas, com pouco espaço para a movimentação, o que as torna um lugar nem um pouco agradável. Sentir estresse e solidão por muito tempo pode fazer com que os astronautas fiquem menos motivados, mais fracos e com pior desempenho no trabalho em equipe. Eles são cuidadosamente selecionados para garantir que conseguirão suportar esse ambiente estressante da melhor maneira possível [2].
Juntas, essas três razões fazem com que o coração envelheça mais rapidamente no espaço [3]. Se quisermos enviar mais humanos para lá e explorar mais a galáxia, teremos de aprender a impedir esse envelhecimento acelerado. Infelizmente, ainda sabemos muito pouco sobre o que acontece com o coração nas profundezas do espaço, de modo que precisamos fazer mais pesquisas sobre esse tema.
Como os pesquisadores estudam o envelhecimento no espaço?
Uma maneira comum de estudar os órgãos é fazer experiências em animais. Podemos, por exemplo, testar medicamentos neles ou observar o que acontece com o coração de um rato quando o enviamos ao espaço. Isso não funciona muito bem no estudo do envelhecimento, por duas razões principais. A primeira, e mais importante, é que os órgãos dos animais são diferentes dos órgãos dos seres humanos. Como você bem pode imaginar, o coração de um rato não é igual ao coração humano. Isso significa que muitas das pesquisas feitas em animais não correspondem ao que acontece no corpo humano. Por exemplo, um medicamento que trata uma doença do coração em ratos pode não funcionar nos humanos ou até ser perigoso.
Em segundo lugar, experiências em animais às vezes provocam sofrimento neles. Para contornar esse problema, os pesquisadores podem agora criar órgãos humanos em miniatura no laboratório. Chamamos esses miniórgãos de organoides. Os organoides substituem os órgãos humanos reais melhor que os órgãos de animais. Por causa disso, podemos ter mais certeza de que um medicamento que funciona em um organoide também funcionará nos humanos. Os pesquisadores conseguem até produzir organoides personalizados. Como os humanos não são iguais, cada pessoa pode reagir de maneira diferente a um determinado medicamento ou ambiente. Graças aos organoides personalizados, podemos fabricar medicamentos especificamente para você ou dizer exatamente quanto seu coração envelhecerá no espaço [4].
Como fabricar um organoide
Para fabricar um organoide, os pesquisadores começam com os menores blocos de construção das células do corpo, podendo utilizar tanto células cardíacas quanto células-tronco. Estas são de um tipo especial e, como conseguem se transformar em diferentes células do corpo, os pesquisadores podem “programá-las” para se tornarem todas as células necessárias à fabricação de um minicoração. Ao instruir as células-tronco a se tornarem células cardíacas, os pesquisadores logram por fim formar um minicoração que bate. Um minicoração que bate também é chamado de organoide cardíaco [5].
O processo de transformação das células-tronco em outras células, como as cerebrais ou cardíacas, recebe o nome de diferenciação. A diferenciação ocorre em laboratório quando fornecemos às células-tronco nutrientes e moléculas específicas. A combinação única a que são sujeitas determina em que tipo de células as células-tronco se transformarão. Assim, os pesquisadores seguem uma receita muito precisa de nutrientes e moléculas para formar células cardíacas e minicorações [4].
Primeiro, juntam as células-tronco em uma pequena bola. Essa bola têm a largura de uns poucos fios de cabelo, mas contém alguns milhares de células-tronco. Após a formação da bola de células-tronco, aplica-se a receita muito precisa de nutrientes e moléculas. Depois de alguns dias, bolsas ocas se formam dentro da bola e, ao mesmo tempo, as células-tronco se transformam lentamente em células cardíacas, que por fim começam a bater. Após uma a duas semanas, uma bola oca de células cardíacas se forma. Esse é o minicoração, que tem cerca de 1 – 3 mm de largura (Figura 2) [5].
Os minicorações também podem ser criados usando-se impressão 3D. Células cardíacas funcionais são misturadas em um líquido que vira uma gelatina. A combinação de células com esse líquido é chamada debiotinta. Ao combinar diferentes células com diferentes líquidos, diferentes biotintas são criadas. Elas são em seguida impressas em 3D num formato específico para se construir um minicoração [6].
Os minicorações também podem ser postos em um dispositivo de treinamento que funciona como uma miniacademia. No começo, são muito fracos. Colocando-se pressão nas células quando elas batem e dando-lhes pequenos choques elétricos, os minicorações são treinados para ficar mais fortes, exatamente como nosso coração real quando nos exercitamos. Isso é importante para que o minicoração imite o coração humano [7].
Como os minicorações podem tornar as viagens espaciais mais seguras?
Ao enviar minicorações para o espaço, os pesquisadores estudam como o ambiente espacial afeta o coração humano e por que ele envelhece mais rápido por lá. Também investigam como e por que a capacidade do coração de bater muda no espaço. Além disso, podem simular condições espaciais (ausência de peso, radiação e estresse) usando máquinas e medicamentos na Terra. As missões espaciais são muito caras e pouco comuns, de modo que fazer um experimento aqui mesmo antes de reproduzi-lo no espaço pode dar aos pesquisadores boas informações adicionais.
Ainda não temos uma forma específica para prevenir o envelhecimento mais rápido do coração no espaço. Com a ajuda de organoides (minicorações, neste caso), os pesquisadores podem estudar as causas desse envelhecimento acelerado e o modo de preveni-lo. Com minicorações personalizados, os pesquisadores também poderão determinar até que ponto o coração de cada pessoa envelhecerá no espaço, e decidir qual será o melhor tratamento para cada indivíduo. Sem dúvida, essa pesquisa ajudará a tornar a viagem espacial mais segura para todos no futuro!
Glossário
Radiação: Partículas ou ondas invisíveis que transferem energia. Radiação altamente energética pode causar danos aos nossos corpos.
Doenças cardiovasculares: Doenças que afetam o coração e/ou o sistema vascular.
Organoide: Miniórgão cultivado em laboratório, geralmente criado a partir de células-tronco.
Células-tronco: Células que têm a capacidade de se transformar em vários tipos de células diferentes.
Diferenciação: Processo mediante o qual uma célula se torna mais especializada. Por exemplo, uma célula-tronco se transformando em uma célula cardíaca.
Biotinta: Combinação de células com um material líquido capaz de ser impressa em 3D e solidificar-se. Esse material tem de incrementar o crescimento e a sobrevivência das células.
Agradecimentos
Os autores são gratos à Vejbystrands Skola e Förskola, bem como aos alunos do 4º e 6º anos pela contribuição valiosa durante a confecção das figuras. Este artigo contou com o apoio de ESA PRODEX, IMPULSE (PEA4000134310) e do projeto EIC Pathfinder Open PULSE (convênio de subvenção número 101099346).
Referências
[1] Rehnberg, E., Quaghebeur, K., Baselet, B., Rajan, N., Shazly, T., Moroni, L. et al. 2023. “Biomarkers for biosensors to monitor space-induced cardiovascular ageing.” Front. Sens. 4:1015403. DOI: 10.3389/fsens.2023.1015403.
[2] Baran, R., Marchal, S., Garcia Campos, S., Rehnberg, E., Tabury, K., Baselet, B. et al. 2022. “The cardiovascular system in space: focus on in vivo and in vitro studies.” Biomedicines. 10:59. DOI: 10.3390/biomedicines10010059.
[3] Hughson, R. L., Helm, A. e Durante, M. 2018. “Heart in space: effect of the extraterrestrial environment on the cardiovascular system.” Nat. Rev. Cardiol. 15:167–80. DOI: 10.1038/nrcardio.2017.157.
[4] Clevers, H. 2016. “Modeling development and disease with organoids.” Cell. 165:1586–97. DOI: 10.1016/j.cell.2016.05.082.
[5] Hofbauer, P., Jahnel, S. M., Papai, N., Giesshammer, M., Deyettt, A., Schmidt, C. et al. 2021. “Cardioids reveal self-organizing principles of human cardiogenesis.” Cell. 184:3299–317.e22. DOI: 10.1016/j.cell.2021.04.034.
[6] Sun, W., Starly, B., Daly, A. C., Burdick, J. A., Groll, J., Skeldon, G. et al. 2020. “The bioprinting roadmap.” Biofabrication. 12:022002. DOI: 10.1088/1758-5090/ab5158.
[7] Ronaldson-Bouchard, K., Ma, S.P., Yeager, K., Chen, T., Song, L., Sirabella, D. et al. 2018. “Advanced maturation of human cardiac tissue grown from pluripotent stem cells.” Nature. 556:239–43. DOI: 10.1038/s41586-018-0016-3.
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