O mundo secreto do DNA “saltador”
Autores
Eva Šatović-Vukšić, Miroslav Plohl
Jovens revisores
Escola Internacional de Ciências Y8 Laurus, Samarth

Resumo
Os transposons são segmentos incomuns de DNA que podem afetar genes e criar novas características, ajudando a fazer de cada ser vivo algo especial. Os transposons têm a incrível capacidade de se mover dentro do DNA de um organismo e podem até viajar entre organismos! Os transposons podem ser ativados pelo estresse, ajudando os organismos a colaborar e se adaptar. Pesquisadores estão usando transposons como sistemas especiais para ajudar a curar doenças. Além disso, estudar transposons pode fornecer muitas informações sobre como a biodiversidade da vida na Terra mudou ao longo de milhões de anos. Eles podem ajudar uns aos outros em suas jornadas, praticando o trabalho em equipe. As características únicas desses segmentos de DNA “saltadores” até renderam aos cientistas um Prêmio Nobel por sua descoberta.
O que é a biodiversidade?
O mundo natural é uma grande família de formas de vida, que inclui humanos, animais, plantas e muitos organismos minúsculos. A incrível variedade de seres vivos em nosso planeta é chamada de biodiversidade: a diversidade biológica dos organismos vivos. A biodiversidade é vital porque mantém nosso planeta saudável. Cada tipo de organismo possui sua própria e importante função. Por exemplo, alguns organismos limpam o ar, outros polinizam plantas e outros reciclam nutrientes. A biodiversidade ajuda o meio ambiente a se manter equilibrado, e as diversas formas de vida da Terra também nos fornecem alimentos, medicamentos e novas tecnologias. A biodiversidade pode ser influenciada por muitos fatores. Às vezes, novas espécies evoluem e, às vezes, espécies desaparecem.
Neste artigo, apresentaremos os transposons (segmentos de DNA que podem se mover dentro do genoma) e as múltiplas maneiras pelas quais eles podem influenciar a biodiversidade.
O que são os transposons?
Como você já deve saber, o DNA contém informações importantes para o funcionamento do nosso corpo e de todos os outros seres vivos. Cada molécula de DNA é composta por duas fitas entrelaçadas, cada uma composta por substâncias químicas chamadas bases. As quatro bases são abreviadas como A, G, C e T (Figura 1). O DNA completo de um organismo é chamado de genoma. Mas, do que é feito o genoma? Parte desse DNA são os genes: um segmento de DNA responsável por uma determinada função ou característica. E cada gene é responsável por uma característica específica de um organismo, como cor dos olhos ou altura. Mas nossos genes representam menos de 2% do nosso DNA. E quanto ao restante do genoma? A função desses 98% de DNA “extra” não ficou imediatamente clara para os cientistas. A princípio, alguns cientistas pensaram que era “lixo” inútil. Mas não é!

(A) Os transposons de classe I primeiro copiam-se a si mesmos e, em seguida, a nova cópia é “colada” em outro lugar do genoma. (B) Os transposons de classe II não utilizam a etapa de cópia. “Tesouras” moleculares cortam esses transposons do genoma e, em seguida, eles são colados em um novo local.
Parte disso corresponde a segmentos de DNA chamados transposons, que possuem a fascinante capacidade de se mover no interior do genoma. Os transposons constituem uma parte considerável dos genomas de muitos organismos, incluindo humanos, animais e plantas. Os transposons foram descobertos por uma cientista chamada Barbara McClintock na década de 1940 [1]. A comunidade científica da época era cética em relação às suas ideias, pois muitos cientistas acreditavam que segmentos de DNA não podiam se mover de uma posição para outra. No entanto, décadas depois, sua descoberta foi confirmada. A pesquisa de McClintock sobre transposons lhe rendeu um Prêmio Nobel em 1983!
Existem vários tipos de transposons. Duas categorias principais são chamadas de transposons de classe I e de classe II. Os transposons de classe I utilizam um processo chamado “copiar e colar” para mudar de posição no genoma. Isso significa que eles fazem uma cópia de si mesmos e a inserem em um novo local, resultando em dois transposons idênticos em dois locais. Os transposons de classe II utilizam um mecanismo de “cortar e colar”: eles se recortam de sua posição original e se inserem em um novo local (Figura 1) [2]. Nesse caso, o número de cópias do transposon não aumenta.
Quando chega a hora de os transposons de classe II se moverem, uma proteína chamada transposase atua como uma tesoura molecular, cortando o transposon de seu local original (Figura 1). Uma vez que o transposon esteja livre, a transposase ajuda a guiá-lo para o novo local, reconhecendo sequências específicas de DNA. A transposase também auxilia o transposon a se inserir no novo local. O mecanismo de reparo da célula então sela o DNA onde o transposon foi inserido. No caso dos transposons de classe I, outras proteínas ajudam a fazer cópias adicionais.
Os transposons cooperam! Alguns transposons possuem todas as ferramentas necessárias para se mover de um lugar no genoma para outro, enquanto outros não possuem o conjunto completo de ferramentas necessárias para se mover e não conseguem se mover sozinhos [2]. No entanto, esses transposons podem “pegar carona” com aqueles que possuem as ferramentas certas, pegando emprestadas suas ferramentas para se moverem pelo genoma. Um verdadeiro trabalho em equipe!
Transposons e Biodiversidade
Até o momento, os cientistas descobriram diversas maneiras importantes pelas quais os transposons contribuem para a biodiversidade. Cada uma delas é explicada a seguir.
Arquitetos da Diversidade
Os transposons podem atuar como arquitetos do genoma, movendo genes para novos locais ou até mesmo unindo segmentos de partes separadas do genoma. Mover e combinar genes pode alterar as instruções que dizem ao organismo como funcionar [2]. Às vezes, essas mudanças podem levar a novas características que tornam os indivíduos diferentes uns dos outros, aumentando a biodiversidade. Por exemplo, as maçãs vêm em vários sabores, certo? Algumas são doces e outras são azedas. Os genes da maçã são como pequenas receitas que dizem se ela é doce ou azeda. Os transposons são como chefes de cozinha sorrateiros que podem mudar a receita — eles podem fazer uma maçã doce ter um sabor azedo ou uma maçã azeda ter um sabor mais doce.
Os girassóis são outro exemplo. Os genes do girassol dizem à planta quão alto ela deve crescer. Os transposons podem acessar essas instruções e alterá-las, de modo que um girassol que deveria ser baixo pode acabar crescendo muito alto! Os transposons também podem afetar a coloração de um animal. Pense nas listras ou manchas em tigres ou leopardos. Os transposons podem, às vezes, acessar esses genes de padrão e criar um novo padrão. A cor da pele de uma cobra pode mudar da mesma forma. Transposons também podem alterar a cor da pelagem de camundongos, cães e lobos. Insetos podem ter cores de olhos diferentes e galinhas podem botar ovos com cascas de cores variadas. Algo semelhante pode acontecer com peixes — um transposon pode fazer com que um peixe se torne albino, completamente incolor.
Adaptadores e Protetores
Quando os transposons se movem, eles podem saltar no interior de um gene. Isso altera o funcionamento do gene [2]. Em alguns casos, essas alterações são prejudiciais e causam doenças. Em outros casos, podem ser benéficas e até mesmo tornar uma espécie mais adaptada ao seu ambiente.
A história de um inseto chamado mariposa-pimenta (típica do hemisfério norte), é um exemplo clássico [3]. No início do século 19, todas as mariposas-pimenta tinham uma cor clara com manchas escuras. No entanto, em 1864, um naturalista na Inglaterra descobriu uma mariposa completamente escura. Isso foi bastante interessante! Durante a Revolução Industrial, a poluição das fábricas cobria as árvores com fuligem. As mariposas escuras podiam se camuflar nessas árvores, o que reduzia o risco de serem vistas e comidas (Figura 2A). Muito mais tarde, os cientistas identificaram que um transposon era responsável pela coloração escura. Ele saltou para dentro de um gene da mariposa chamado córtex, responsável pela cor das asas, fazendo com que mais da cor escura fossem produzidas (Figura 2A). Sem essa alteração, as mariposas-pimenta não teriam sobrevivido.

Antes da Revolução Industrial, mariposas com asas mais claras eram frequentes. As árvores mudavam de cor devido à poluição, de modo que insetos de coloração mais escura conseguiam se esconder melhor dos predadores. A inserção de um transposon (roxo) em um gene para a cor da asa alterou a atividade do gene, tornando a cor da asa mais escura. (B) Os transposons podem proteger organismos de condições ambientais perigosas. Neste exemplo, um transposon alterou um gene para que menos cádmio, um metal tóxico, fosse absorvido pelas células vegetais. (C) Os transposons podem manter o genoma estável, por exemplo, protegendo as extremidades dos cromossomos.
Contadores de Histórias do Passado
Os transposons podem nos ajudar a descobrir a biodiversidade que existiu no passado, servindo como fósseis genéticos. Os transposons existem há muito tempo. Alguns estavam ativos há milhões de anos e se tornaram inativos com o tempo. No entanto, eles ainda permanecem no DNA dos organismos, principalmente como fragmentos degradados. Ao estudar a presença e os tipos de transposons nos genomas de vários organismos, os cientistas podem usá-los para entender como as espécies se relacionam entre si — até mesmo organismos extintos encontrados em museus. Ao estudar transposons antigos, os cientistas podem reconstituir a história evolutiva e as relações entre as espécies, como detetives seguindo pistas! Dessa forma, os transposons revelam a história de como a vida na Terra se transformou ao longo de milhões de anos.
Heróis que Salvam Vidas
Os transposons também se tornaram ferramentas úteis na pesquisa médica. Cientistas podem alterar os transposons em laboratório e usá-los para transportar genes importantes para células específicas do corpo. Isso pode ajudar a tratar certas doenças genéticas, substituindo ou corrigindo genes defeituosos. Esses transposons agem como um sistema de entrega especial que leva instruções úteis ao local certo do corpo. Eles podem manter os organismos saudáveis e até salvar vidas!
Equipe de Resposta a Crises
Quando os organismos enfrentam situações estressantes, como temperaturas extremas, substâncias perigosas ou outros desafios, eles produzem sinais que os ajudam a lidar com a situação. Esses sinais podem despertar transposons “adormecidos”, que então começam a circular pelo genoma. A ativação do transposon pode ser uma forma de o organismo alterar seus genes na tentativa de se adaptar e sobreviver [4]. Por exemplo, um transposon ativado por estresse está envolvido na resposta das plantas de arroz a um metal tóxico chamado cádmio. As plantas de arroz possuem um gene responsável por levar o cádmio para dentro de suas células. Um transposon se inseriu nesse gene e o desativou. Isso reduziu a quantidade de cádmio que as plantas absorveram e as ajudou a se manterem saudáveis (Figura 2B). Como isso contribuiu para a biodiversidade? Agora existe um novo tipo de arroz, protegido do cádmio.
Rastreadores da Biodiversidade
Impressão digital de DNA: identificar indivíduos por padrões únicos de DNA usando transposons é uma técnica inovadora e poderosa para estudar e identificar diferentes variedades de plantas. Os transposons podem se inserir em vários pontos do DNA da planta, de modo que, ao longo do tempo, cada planta acumula seu próprio conjunto de cópias de transposons. Isso cria um padrão único ou “impressão digital”. Ao comparar as impressões digitais de transposons nos genomas de diferentes plantas, os cientistas podem determinar o quão próximas as plantas são entre si. Plantas com impressões digitais de transposons semelhantes provavelmente são intimamente relacionadas, enquanto aquelas com impressões digitais muito diferentes são mais distantes. Dessa forma, os transposons ajudam os cientistas a rastrear a biodiversidade.
Viajantes de “longa distância”
Os transposons podem até viajar entre espécies! Por exemplo, um transposon de uma planta pode chegar a um animal, ou vice-versa, frequentemente transportado por vírus ou outros meios de transporte. Os transposons transportam suas informações para novos organismos e entram em seu DNA — tornando-se parte do genoma do novo organismo [5]. Ao alterar o genoma do organismo para o qual se deslocam, os transposons contribuem para a biodiversidade.
Impulsionadores do Genoma
Lembram-se de como os transposons de classe I se auto copiaram? Bem, quanto mais isso acontece, maior se torna o genoma do organismo. Por exemplo, um aumento extremo nos transposons no milho, há cerca de 3 milhões de anos, dobrou o tamanho do seu genoma [6]. No genoma de um tipo de trigo cultivado, 96% do DNA é composto por transposons. A formação de muitas variedades de plantas cultivadas está relacionada à atividade dos transposons.
Salvaguardas
Os transposons podem, por vezes, servir como guardiões do genoma, mantendo-o estável. Um exemplo é quando os transposons substituem as sequências normais encontradas nas extremidades da molécula de DNA, protegendo-as do encurtamento e da degradação. Isso acontece na mosca-das-frutas, por exemplo (Figura 2C). Ao produzir novas cópias do transposon, as extremidades do DNA permanecem intactas ao longo do tempo, o que ajuda a garantir que informações genéticas importantes não sejam perdidas. Se a informação genética for perdida, os organismos podem não sobreviver e a biodiversidade é reduzida.
Conclusões
Hoje, os transposons são reconhecidos como importantes construtores do genoma e impulsionadores de sua evolução. Como você viu, suas contribuições para a biodiversidade são variadas e significativas (Figura 3). Eles atuam como arquitetos, contadores de histórias, viajantes, curandeiros, guardiões, caroneiros e muito mais. Os transposons estão envolvidos em muitos processos importantes que alteram e moldam o genoma. Ainda há muitos mistérios a serem desvendados sobre os transposons. Como seu movimento dentro e entre os genomas é regulado? Como eles podem ser usados posteriormente na medicina? Como os transposons se comportarão à medida que o ambiente na Terra muda? Existem outras maneiras pelas quais eles afetam a biodiversidade? Já sabemos que os transposons são importantes, mas acreditamos que há muito, muito mais por vir!

Glossário
Biodiversidade: Diversidade biológica dos organismos vivos.
Transposons: Segmentos de DNA que podem se mover dentro do genoma.
Genoma: O conteúdo completo de DNA de um organismo.
Gene: Um segmento de DNA responsável por uma determinada função ou característica.
Características: Peculiaridades ou traços especiais de um organismo, como cor dos olhos ou altura.
Transposase: Uma proteína que auxilia os transposons a se moverem para novos locais no genoma.
Doenças Genéticas: Problemas em genes que resultam em doenças.
Impressão Digital de DNA: Identificação de indivíduos por padrões únicos de DNA.
Referências
[1] McClintock, B. 1984. The significance of responses of the genome to challenge. Science 226:792–801. doi: 10.1126/science.15739260
[2] Bourque, G., Burns, K. H., Gehring, M., Gorbunova, V., Seluanov, A., Hammell, M., et al. 2018. Ten things you should know about transposable elements. Genome Biol. 19:1–12. doi: 10.1186/s13059-018-1577-z
[3] Nadeau, N. J., Pardo-Diaz, C., Whibley, A., Supple, M. A., Saenko, S. V., Wallbank, R. W. R., et al. 2016. The gene cortex controls mimicry and crypsis in butterflies and moths. Nature 534:106–10. doi: 10.1038/nature17961
[4] Negi, P., Rai, A. N., e Suprasanna, P. 2016. Moving through the stressed genome: emerging regulatory roles for transposons in plant stress response. Front. Plant Sci. 7:1448. doi: 10.3389/fpls.2016.01448
[5] Wallau, G. L., Vieira, C., e Loreto, É. L. S. 2018. Genetic exchange in eukaryotes through horizontal transfer: Connected by the mobilome. Mob DNA. 9:1–16. doi: 10.1186/s13100-018-0112-9
[6] SanMiguel, P., Gaut, B. S., Tikhonov, A., Nakajima, Y., e Bennetzen, J. L. 1998. The paleontology of intergene retrotransposons of maize. Nat Genet. 20:43–45. doi: 10.1038/1695
Citação
Šatović-Vukšić E e Plohl M (2024) The Secret World of “Jumping” DNA. Front. Young Minds. 12:1279209. doi: 10.3389/frym.2024.1279209
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