Biodiversidade 14 de abril de 2022, 07:00 14/04/2022

O que é diversidade genética e por que ela é importante?

Autores

Jovens revisores

Um homem e uma mulher em pé na frente de um caminhão amarelo. Dentro do caminhão há uma pantera enjaulada. Ao lado do homem, dentro de um viveiro, outra pantera. Acima da cabeça de cada pantera há um desenho da dupla hélice de DNA, cada um de uma cor diferente

Resumo

Todos os seres vivos na Terra têm dentro de si um código único, chamado DNA. O DNA é organizado em genes, mais ou menos como as letras se dispõem em palavras. Eles dão ao nosso corpo instruções de como deve funcionar. E o DNA apresenta diferenças mesmo entre indivíduos da mesma espécie. É a diversidade genética. É ela que provoca diferenças na forma dos bicos das aves, no sabor dos tomates e até na cor de nosso cabelo! A diversidade genética é importante porque proporciona às espécies uma chance maior de sobrevivência. Mas ela pode ser perdida caso as populações se tornem menores e isoladas, o que diminui a capacidade das espécies para se adaptar e sobreviver. Neste artigo, examinamos a importância da diversidade genética, discutimos como se forma e se mantém em populações selvagens, como se perde e por que isso é algo perigoso, e também o que podemos fazer para conservá-la.

Por que tudo e todos são um pouco diferentes?

A Terra contém milhões de espécies, todas diferentes entre si. Algumas são mais parecidas com umas do que com outras (leões e tigres, por exemplo), mas mesmo assim apresentam diferenças. Até mesmo dentro de cada espécie, os indivíduos, embora se pareçam, não são idênticos. Essas diferenças e similaridades se devem a pequenas discrepâncias entre os genes dos indivíduos. Todos os organismos possuem DNA e o de cada indivíduo se organiza em genes, que contêm as instruções para a construção de nossos corpos. Lembram o modo como as letras se combinam para formar palavras, que depois vão formar uma história. O DNA pode ser comparado às letras, os genes às palavras e suas instruções à história.

Diferenças mínimas no DNA podem transformar olhos azuis em verdes ou a cor preta em branca nas asas de uma borboleta, do mesmo modo que uma palavra é mudada quando substituímos uma de suas letras. As diferenças combinadas no DNA de todos os indivíduos de uma espécie formam a diversidade genética dessa espécie.

A diversidade genética faz com que os indivíduos tenham diferentes características, que podemos perceber até na feira: embora todos os tomates pertençam à mesma espécie, os que comemos são muitíssimo diferentes, indo desde o ponderosa gigante até o cereja pequenino. Há também centenas de variedades de maçã (Figura 1), que vão da vermelha à verde e da azeda à doce, havendo até aquelas que têm polpa rosada! É devido à diversidade genética que maçãs e tomates parecem tão diferentes [1]. Ela existe também nos animais. Por exemplo, os cães podem ser grandes o bastante para puxar trenós ou tão pequenos que se acomodam em seu colo. Todos os cães são da mesma espécie, mas parecem diferentes por causa da diversidade genética! Ela é também extremamente importante para animais selvagens e plantas, embora muitas vezes seja mais difícil notá-la.

Figura 1. Exemplo de diversidade genética nos alimentos que comemos. Todas essas maçãs são da mesma espécie. Diferentes alelos dos genes que controlam sua cor fazem com que elas sejam verdes, amarelas, vermelhas ou quase roxas. Diferenças nos alelos que controlam o sabor fazem com que cada tipo tenha um gosto diferente.

De que modo surge a diversidade genética?

As mudanças no DNA de um indivíduo são chamadas de mutações (Figura 2). Elas surgem devido a erros cometidos quando as células estão copiando o DNA, mais ou menos como erramos a grafia ao copiar uma palavra. Essas mutações criam a diversidade genética de uma espécie. Ao longo das gerações, mais e mais erros são cometidos, provocando novas mutações. A maioria delas são prejudiciais, ou não afetam de modo algum o indivíduo – e há até aquelas que podem provocar alterações benéficas.

Os indivíduos que apresentam mutações benéficas costumam ter maiores chances de sobrevivência e, em consequência, mais filhos [2]. A isso se dá o nome de adaptação. Quando um casal tem filhos, o DNA deles é uma mistura do DNA dos pais. Os bebês têm duas cópias de cada gene em seu DNA, uma da mãe e outra do pai. As cópias do mesmo gene que possuem diferentes mutações são chamadas de alelos. Quando os pais produzem um espermatozoide ou um óvulo, os alelos em cada um deles são misturados e recombinados, de modo que apenas um alelo de um gene permanece em cada espermatozoide ou óvulo. Quando os alelos misturados do pai e da mãe se recombinam pela união do espermatozoide e do óvulo, novas misturas de alelos são criadas nos bebês [2, 3]. A mistura de alelos permite novas combinações de mutações e características, conferindo diversidade genética à espécie (Figura 2).

Figura 2. (A) A diversidade genética é gerada quando as mutações criam novos alelos com o passar do tempo. A mistura de alelos dos pais produz novas combinações de alelos nos filhos. Organismos que conseguem se clonar, como as bactérias, podem passar alelos uns para os outros. Cada ponto colorido representa um alelo diferente. (B) A diversidade genética pode desaparecer quando a perda de habitat separa populações ou quando edifícios e estradas as isolam. (C) Criar áreas de proteção, onde indivíduos de diferentes populações podem migrar e disseminar seus genes, pode ajudar uma espécie a manter sua diversidade genética.

Nem todas as espécies precisam de uma mãe e um pai para fazer bebês. As bactérias podem clonar a si mesmas (Figura 2) e passar diretamente seus alelos de um genitor a seu clone idêntico [3]. Qualquer erro no DNA do genitor será transmitido para o clone. Fato curioso, as bactérias podem também trocar alelos entre si, ainda que não tenham nenhum parentesco! Essa é uma maneira única pela qual espécies não tão complexas como as bactérias podem aumentar sua diversidade genética sem precisar da mistura de alelos de um pai e uma mãe [4].

Por que a diversidade genética é importante?

Quando uma espécie possui inúmeras diferenças em seu DNA, dizemos que sua diversidade genética é alta [2]. Nas espécies com alta diversidade genética, constatam-se várias mutações no DNA, o que gera diferenças aparentes nos indivíduos e outras, associadas a características importantes mas que não podemos ver [2]. Damos a isso o nome de adaptação. Por exemplo, alguns tipos de maçãs conseguem crescer mais em ambientes mais quentes, graças a seus genes. A variedade de características em espécies com alta diversidade genética significa que provavelmente terão mais sucesso no enfrentamento de mudanças em seu ambiente. Um bom exemplo disso é o das mariposas Biston betularia durante a Revolução Industrial [4].

A diversidade genética, nessas mariposas, produziu diferentes cores de asas, claras e escuras. Antes da Revolução Industrial, as mariposas com asas claras eram mais comuns porque conseguiam se camuflar melhor em troncos de árvores de cor mais clara. A Revolução Industrial provocou muita poluição do ar, que começou a cobrir os troncos claros, tornando-os pretos. As mariposas de asas claras já não conseguiam se camuflar e se tornaram presa fácil de pássaros. Mas as de asas escuras agora se disfarçavam! Ou seja, as mariposas pretas tinham uma vantagem e portanto mais chances de sobreviver o suficiente para gerar bebês. Os bebês das mariposas também eram pretos devido aos alelos que herdavam de seus pais e, consequentemente, tinham mais chances de sobreviver. Mais adaptadas, tornaram-se consequentemente mais comuns [4].

O que acontece quando a diversidade genética é baixa?

Quando há poucas mutações no DNA de uma espécie, a diversidade genética é caracterizada como baixa [2]. Baixa diversidade genética significa pouca variedade de alelos para os genes da espécie e, portanto, não existem muitas diferenças entre os indivíduos. Isso pode significar que eles têm menos chances de se adaptar às mudanças ambientais. A baixa diversidade genética ocorre muitas vezes devido à perda de habitat.

Por exemplo, quando o habitat de uma espécie é destruído ou fragmentado, as populações diminuem em tamanho. Populações pequenas e fragmentadas podem provocar a perda de diversidade genética porque poucos indivíduos conseguem sobreviver no habitat remanescente e assim menos indivíduos se acasalam para transmitir seus alelos aos descendentes. Em populações pequenas, a escolha de parceiros também é limitada. Com o tempo, todos os indivíduos se tornam aparentados e precisam se acasalar com parentes. Isso se chama endogamia. Os animais oriundos da endogamia muitas vezes têm dois alelos idênticos em seus genes porque o mesmo alelo foi transmitido pelos dois genitores. Caso esse alelo tenha mutações prejudiciais, o descendente gerado por endogamia poderá apresentar doenças. A isso se chama depressão endogâmica [2]. 

Se a diversidade genética ficar muito reduzida, as espécies podem entrar em extinção. Isso se deve aos efeitos combinados da depressão endogâmica e da incapacidade de adaptação a mudanças. Nesses casos, a introdução de novos alelos pode salvar a população, fenômeno chamado de resgate genético [2].

Nos anos 1990, cientistas conservacionistas recorreram ao resgate genético para salvar a pantera da Flórida, ameaçada de extinção devido à baixa diversidade genética (Figura 3) [5]. Restavam poucas dessas panteras e sua diversidade genética era extremamente baixa. Muitos de seus filhotes nasciam doentes por causa da depressão endogâmica. No Texas havia uma pantera com parentesco próximo e alta diversidade genética. Panteras do Texas foram levadas para a Flórida a fim de gerar descendentes com as panteras de lá. Isso aumentou a diversidade genética em virtude da mistura de alelos de que já falamos. Logo depois que as panteras texanas chegaram, muitos filhotes sadios nasceram [5].

Figura 3. (A) A pantera da Flórida era uma espécie amplamente dispersa, com alta diversidade genética. (B) A caça e a perda de habitat reduziram o tamanho da população, o que resultou em uma extremamente baixa diversidade genética e endogamia. (C) Oito fêmeas de pantera do Texas foram levadas para a Flórida a fim de se acasalar com as panteras locais. (D) Quando as panteras do Texas e da Flórida se acasalaram, novos alelos foram introduzidos na população da Flórida, ajudando-a a aumentar e a ficar mais saudável com o tempo.

O que está acontecendo com a diversidade genética no mundo?

Ouvimos falar muito da perda de espécies no mundo, mas está havendo também perda de diversidade genética dentro das espécies. O número cada vez maior de pessoas na Terra e o uso crescente de riquezas naturais reduziu o espaço e os recursos para as espécies selvagens. Com o passar do tempo, muitas populações de animais selvagens e plantas ficaram pequenas e isoladas. Muitas espécies também se extinguiram em certos locais, o que levou a uma perda global de diversidade genética. Os cientistas estimam que a diversidade genética dentro das espécies pode ter decaído em até 6% no mundo inteiro desde a Revolução Industrial [6].

Assim, muitas espécies têm uma capacidade reduzida de se adaptar a novas mudanças como a alteração climática, a poluição e as novas doenças. Caso se perca muita diversidade genética, mais e mais espécies podem apresentar problemas de saúde e necessitar de ações de conservação, como no caso das panteras da Flórida. Mas há medidas que podemos tomar para conservar e restaurar a diversidade genética em muitas espécies.

Como detemos a perda de diversidade genética?

Precisamos preservar e proteger a diversidade genética. Isso pode ser feito por meio da conservação de nossas populações selvagens remanescentes [2]. Podemos usar reservas naturais e “corredores” de vida selvagem para reconectar essas populações, que foram separadas por nossas cidades e rodovias. É possível, ainda, restaurar os habitats, pois isso permite que as populações selvagens aumentem de tamanho. Às vezes, podemos até remover fatore prejudiciais e pragas para que a população se recupere naturalmente. Outra opção é reintroduzir espécies que desapareceram de seus antigos habitats. Juntas, essas estratégias talvez ajudem a deter a perda de diversidade genética. É importante protegê-la porque ela é essencial para o bem-estar das espécies. Espécies saudáveis são necessárias para a saúde humana e também para a saúde de todo o planeta!

Glossário

Gene: Porção do DNA que contém as instruções para uma característica.

Diversidade genética: As muitas diferenças, no DNA, entre os indivíduos de uma mesma espécie.

Mutação: Mudança no DNA de um organismo. Pode corresponder a uma única letra ou a uma mudança maior de centenas de letras ao mesmo tempo.

Adaptação: Processo de mudança em uma espécie que leva a uma maior chance de sobrevivência no ambiente em que esta vive.

Alelos: Variações diferentes de um gene geradas por mutações. Muitas espécies possuem dois alelos para cada gene, cada um herdado de um dos genitores.

Endogamia: Acasalamento entre indivíduos estreitamente relacionados. Muitas vezes, ocorre quando as populações são pequenas e há poucas opções para o acasalamento. Os indivíduos nascidos desse processo são geralmente menos saudáveis.

Depressão endogâmica: Indivíduos gerados por endogamia compartilham ancestrais e têm maior probabilidade de herdar cópias idênticas de genes. Caso esses genes apresentem mutações prejudiciais, estas podem se expressar e tornar os indivíduos doentes.

Resgate genético: Estratégia de conservação em que novos indivíduos são introduzidos em uma população para aumentar sua diversidade genética e melhorar sua saúde.

Referências

[1] Meyer, R. e Purugganan, M. 2013. “Evolution of crop species: genetics of domestication and diversification.” Nat. Rev. Genet. 14:840–52. DOI: 10.1038/nrg3605.

[2] Frankham, R., Ballou, J. D. e Briscoe, D. A. 2002. Introduction to Conservation Genetics. Cambridge: Cambridge University Press, p. 617.

[3] Emmalipour, M., Seidi, K., Zununi, V. S., Jahanban-Esfahlan, A., Jaymand M., Majdi, H. et al. 2020. “Horizontal gene transfer: from evolutionary flexibility to desease progression.” Front. Cell. Dev. Biol. 8:229. DOI: 10.3389/fcell.202000229.

[4] Cook, L. M. e Saccheri, I. J. 2013. “The peppered moth and industrial melanism: Evolution of a natural selection case study.” Heredity 110:207–12. DOI: 10.1038/hdy.2012.92.

[5] Johnson, W. E., Onorato, D. P., Roelke, M. E., Land, E. D., Cunningham, M., Belden, R. C. et al. 2010. “Genetic restoration of the Florida panther.” Science. 329:1641–5. DOI: 10.1126/science.1192891.

[6] Leigh, D. M., Hendry, A. P., Vázquez-Domínguez, E. e Friesen, V. L. 2019. “Estimated six per cent loss of genetic variation in wild populations since the Industrial Revolution.” Evol. Appl. 12:1505–12. DOI:1111/eva.12810.

Citação

Minter, M., Nielsen, E., Blyth, C., Bertola, L., Kantar, M., Morales, H., Orland, C., Segelbacher, G. e Leigh, D. (2021). “What Is Genetic Diversity and Why Does It Matter?” Front. Young Minds. 9:656168. DOI: 10.3389/frym.2021.656168.

Agradecemos a Adriane Wasko, do Instituto de Biociências da Unesp em Botucatu, pela leitura atenta.

Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br