Neurociências e Psicologia 25 de maio de 2022, 14:14 25/05/2022

O que é uma rede neural e para que serve?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de um cérebro olhando no espelho e enxergando seu reflexo como um computador

Resumo

Seu cérebro controla tudo que você faz, e é muito mais poderoso do que qualquer computador. Esse órgão complexo envia mensagens por meio de células chamadas neurônios e nunca cessa de analisar dados, mesmo quando você está dormindo. Os cientistas tentam entender o cérebro para criar uma versão digital dele. Mas será possível que os computadores consigam fazer as mesmas coisas que nossos cérebros fazem? Para isso, precisamos inventar algo chamado rede neural artificial, que possui neurônios digitais conectados em uma estrutura complexa, semelhante à do cérebro. E a fim de criar uma rede neural artificial, temos de usar a linguagem mais universal que existe: a matemática.

Os computadores podem realizar as mesmas atividades que o cérebro desempenha?

Há muito tempo usamos computadores para trabalhar, jogar, transmitir mensagens, assistir a filmes e fazer muitas outras coisas. Todos os anos, desenvolvemos computadores melhores e mais rápidos. Mas isso não basta: sonhamos com computadores com uma potência além de nossa imaginação. Esses computadores nos permitirão manipular muito mais dados num curto espaço de tempo. Para concebê-los, os cientistas se inspiram no modo como nosso cérebro é construído: um grande número de células chamadas neurônios, ligadas entre si por uma formidável rede, e entre as quais são transferidos dados por impulsos elétricos.

Os cientistas procuram criar uma versão digital da rede neural natural do cérebro. Inventaram neurônios artificiais conectados numa vasta rede onde, em vez dos impulsos elétricos usados em nosso cérebro, os dados são representados por números digitais em circuitos eletrônicos. Ela é chamada rede neural artificial, e é capaz de executar algumas tarefas de maneira muito eficiente, como o reconhecimento de imagens. E ainda não atingimos o limite daquilo que os computadores podem fazer utilizando redes neurais artificiais. Talvez, um dia, eles consigam pensar como os humanos!

O computador instalado no ser humano

Você sabia que, no intervalo de 1 segundo, o cérebro pode receber bilhões e bilhões de sinais? Isso significa uma enorme quantidade de dados fluindo pelo cérebro a cada segundo! O cérebro humano é o nosso computador de bordo, a máquina mais complexa que jamais existiu. É bem menor que uma bola de futebol e tem mais células do que o número de estrelas na Via-Láctea!

Se o corpo fosse um navio, o cérebro seria o capitão. Ele consegue se adaptar rapidamente a qualquer situação nova, desconhecida. Consegue também reconhecer objetos com muito mais velocidade do que o melhor computador do mundo. Quando você vê o rosto de seu melhor amigo, seu cérebro o reconhece mais rápido do que o bater de asas de um mosquito. Os computadores são capazes de identificar incontáveis padrões complexos, mas nem o mais veloz deles pode competir com o cérebro humano. Cientistas de vários campos continuam tentando entender todos os processos que ocorrem no cérebro quando ele executa tarefas como o reconhecimento de padrões.

Conforme dissemos, os neurônios são células cerebrais que conduzem impulsos elétricos a fim de transmitir informação a outras células. Eles possuem um corpo celular dotado de um núcleo e de estruturas compridas, semelhantes a fios, que se projetam do corpo celular para transmitir sinais elétricos. Essas estruturas semelhantes a fios podem ser divididas em dois grupos: os dendritos, que recebem dados de outros neurônios e os levam para o corpo celular, e os axônios, que conduzem dados do corpo celular para outros neurônios. Os dendritos são bem menores que os axônios e estes possuem às vezes uma cobertura gordurosa chamada capa de mielina, que funciona como o isolante em volta de um fio, facilitando o fluxo do sinal elétrico. O lugar onde dois neurônios se encontram para transferir sinais um para o outro se chama sinapse (ver Figura 1).

Figura 1: O cérebro é composto de incontáveis neurônios conectados em uma rede neural complexa. Cada neurônio tem um corpo celular dotado de núcleo e projeções desse corpo, chamadas axônios e dendritos. Os dendritos recebem sinais elétricos que chegam à célula e os axônios transmitem um sinal elétrico da célula para outros neurônios.

Mesmo quando os neurônios não estão enviando impulsos elétricos a outros, sempre há um nível baixo de atividade elétrica de fundo percorrendo-os. Os cientistas dão a essa eletricidade de fundo o nome de “ruído”; e quando se usa um equipamento para gravar a atividade elétrica dos neurônios, o ruído aparece como uma linha que lembra vagamente um rabisco. Quando o neurônio transmite um sinal elétrico, este é visto como uma forma pontiaguda ou pico no gráfico (Figura 2). Assim, podemos atribuir ao neurônio dois estados: “desligado” (ruído) ou “ligado” (enviando um sinal elétrico agudo) [1]. Esses estados podem ser representados na linguagem da matemática por dois símbolos: “0” (“desligado”) e “1” (“ligado”). A linguagem do 1 e do 0 é conhecida como linguagem binária – que é também a linguagem dos computadores!

Figura 2: Impulsos elétricos podem ser representados pela linguagem binária, como uma série de 1s e 0s.

Como criar uma rede neural artificial

Imagine uma estrutura grande, em 3D, composta de canos de várias formas e tamanhos. Cada cano pode ser conectado a muitos outros, e possui uma válvula que abre e fecha. Em consequência, você obtém milhões de combinações de conexões de canos. Isso parece complicado, certo? Agora, vamos ligar essa engenhoca de canos a uma torneira. Canos de diferentes tamanhos deixarão que a água flua a diferentes velocidades, mas, se as válvulas estiverem fechadas, ela não fluirá. A água representa os dados que são transferidos no cérebro, enquanto os canos representam os neurônios.

E as válvulas? Elas representam as sinapses, as conexões entre os neurônios. Os cientistas estão tentando criar um cérebro digital que conecte neurônios digitais, tal como nossos imaginários canos de água. Com base no código binário de neurônios que descrevemos na seção anterior, eles esperam fabricar uma máquina pensante que seja uma versão eletrônica acurada de um cérebro, repleto de neurônios digitais trabalhando juntos em uma rede grande, eficiente e confiável: uma rede neural artificial.

Os neurônios digitais que constituem uma rede neural artificial são chamados nodos. Cada nodo possui uma característica especial, a intensidade, programada pelos técnicos. A intensidade de um nodo pode ser comparado às válvulas em nossa estrutura tubular ou às sinapses no cérebro: as válvulas regulam a força do sinal que chega. Imaginemos agora que os canos em nossa estrutura levem a um tanque. O tanque representa um neurônio artificial.

Cada válvula regula a quantidade de água que entra no tanque. A quantidade de água despejada ali pelos vários canos é a “entrada” (input) para o tanque, conhecida como sinal de entrada em uma rede neural artificial. As válvulas representam as intensidades dos nodos, que regulam a força dos sinais dirigidos para os nodos a partir do ambiente e outros neurônios. Ao mesmo tempo, o tanque cheio de água pode ser comparado aos dados de saída (output): as imagens, os sinais, os sons que o cérebro recebe do mundo exterior.

Cada nodo na rede neural artificial tem múltiplas entradas, representando sinais de entrada a partir do ambiente ou de outros neurônios. Quando a rede está ativa, o nodo recebe dados diferentes (sinais, que podem ser representados por números) por cada entrada, e multiplica os números pela intensidade atribuída a eles. O nodo soma então todos os sinais de entrada para obter o total, que é o sinal de entrada.

Explicamos que os neurônios experimentam regularmente um baixo nível de ruído elétrico, insuficiente para transmitir um sinal, lembra-se? Pois bem, na rede neural artificial, caso o sinal de entrada esteja abaixo de um limiar predefinido, o nodo não passa dados para o próximo nível e esse sinal é considerado ruído. Quando o número excede o limiar, o nodo envia o sinal de saída para o próximo nível – da mesma maneira que um sinal é enviado através de uma sinapse quando a atividade elétrica é suficientemente alta. Tudo isso acontece na linguagem binária de 1s e 0s.

Para desenhar uma nova geração de supercomputadores inspirados no cérebro humano, precisamos de uma grande rede neural feita de neurônios artificiais (Figura 3). E criar uma rede neural artificial não será possível sem o emprego da matemática para representar a maneira como os neurônios reais funcionam.

Figura 3: Uma rede neural artificial é feita de neurônios artificiais, os nodos, que fazem cálculos com dados de entrada e transmitem os resultados desses cálculos como dados de saída.

Neurônios artificiais: ontem e hoje

O nodo ou neurônio artificial é a unidade básica de uma rede neural artificial. O primeiro neurônio artificial foi proposto em 1943 por Warren McCulloch e Walter Pitts. Esse neurônio artificial simples é chamado de percéptron. Os dados entram no percéptron, passam por cálculos matemáticos e saem. Os neurônios artificiais podem ser dispostos em várias camadas, de modo que cada camada execute cálculos diferentes. A última camada é a camada de saída; todas as outras recebem o nome de neurônios de entrada. Estes não tomam decisões finais, apenas analisam os detalhes do sinal de entrada e transmitem a informação para a camada seguinte, que fará nova análise.

Essa é a forma mais simples de uma rede neural artificial, mas os cientistas estão tentando construir outras mais complexas, capazes de conectar muitos neurônios que, diferentemente dos percéptrons, possam executar cálculos avançados, tal como fazem os neurônios em nosso cérebro.

Conclusões

As redes neurais artificiais são criadas para imitar digitalmente o cérebro humano. São quase sempre usadas para análises complexas em vários campos, da medicina à engenharia, e podem servir para desenhar a próxima geração de computadores [2].

As redes neurais artificiais já são uma parte crucial da indústria dos jogos. E que mais podemos fazer com elas? Usá-las para reconhecer caligrafias, o que é útil em ramos como o dos bancos. Elas podem também fazer muitas coisas importantes na área da medicina, como por exemplo construir modelos do corpo humano para ajudar os médicos a diagnosticar, com precisão, doenças em seus pacientes. Graças a elas, imagens médicas complexas, como a tomografia computadorizada, são analisadas com mais rapidez e exatidão.

Máquinas baseadas em redes neurais conseguirão resolver sozinhas muitos problemas abstratos. Aprenderão com seus erros. Talvez, um dia, possamos ligar humanos a máquinas por meio de uma ferramenta chamada interface cérebro-máquina! Isso transformará os pensamentos humanos em sinais que controlarão as máquinas. E talvez, no futuro, precisemos usar nossos pensamentos apenas para interagir com o ambiente.

Glossário

Neurônio: Célula do cérebro e do sistema nervoso responsável por enviar sinais a outras células.

Rede neural artificial: Versão digital da rede neural do cérebro que executa cálculos matemáticos no interior de elementos chamados nodos.

Dendrito: Extensão neuronal que recebe estímulos e transmite sinais a outros neurônios.

Axônio: Estrutura comprida e fina responsável pela geração e processamento de sinais no neurônio.

Sinapse: Ponto de comunicação por meio do qual os neurônios que emitem mensagens fazem com que elas cheguem aos neurônios que as recebem.

Linguagem binária: Linguagem de máquina que representa dados por meio de um sistema de dois símbolos (0; 1).

Nodo: Elemento de uma rede neural artificial que funciona como a versão digital de um neurônio.

Intensidade: Ferramenta especial que permite modificação de sinais.

Referências

[1] Gerstner, W., Kistler, W. M., Naud, R. e Paninski, L. 2014. “Neuronal dynamics: from single neurons to networks and models of cognition.” Cambridge: Cambridge University Press.

[2] Ghosh-Dastidar, S. e Adeli, H. 2009. “Spiking neural networks.” Int. J. Neural Syst. 19:295-308. DOI: 10.1142/S0129065709002002.

Citação

Pregowska, A. e Osial, M. (2021). “What is an artificial neural network and why do we need it?” Front. Young Minds. 9:560631. DOI: 10.3389/frym.2021.560631. Agnieszka Pregowska.

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