O que significa fazer escolhas racionais?
Autores
Isabelle Brocas, Juan D. Carrillo
Jovens revisores
Resumo
É possível saber quais escolhas fazem sentido e quais não fazem? Neste artigo, examinaremos uma propriedade importante que precisa ser satisfeita para que uma combinação de escolhas seja racional. Também analisaremos alguns estudos que discutem a idade em que as crianças começam a fazer escolhas racionais.
Escolha e racionalidade
Qual seria a sua preferência se eu lhe pedisse para escolher entre uma maçã e uma banana? E se fosse entre uma banana e uma cereja? Tenho certeza de que você seria capaz de me dizer qual opção lhe agrada mais. Também tenho certeza de que alguns de seus amigos, como é de se esperar, fariam escolhas diferentes. Como diz o ditado, “gosto não se discute”: algumas crianças gostam de bananas, outras de maçã e algumas até de salada de couve.
No entanto, existe um ramo da economia, chamado teoria da decisão, que estuda quais escolhas são racionais e quais não são. As referências para este artigo [1, 2] oferecem boas introduções ao assunto.
O que queremos dizer quando empregamos a palavra “racional”? Voltemos ao nosso exemplo. Imagine que eu lhe ofereça pares de frutas diferentes e você tenha que escolher apenas uma de cada vez. Digamos que você escolha uma maçã em vez de uma banana e uma banana em vez de uma cereja. Se escolher uma maçã em vez de uma cereja, não haverá problema. Deduzirei que você gosta mais de maçã, menos de cereja e menos de banana que de maçã, mas mais que de cereja. Suas escolhas são racionais. Esse caso é ilustrado na Figura 1A.
Porém, se você escolher a cereja em vez da maçã (como mostrado pela seta vermelha na figura 1B), então haverá um problema com suas escolhas. Qual é a sua fruta favorita? Qual é a sua fruta menos favorita? Não sabemos. Suas escolhas não são racionais porque, dependendo da pergunta que eu lhe faça, acabo chegando a deduções diferentes sobre sua fruta favorita e aquela de que menos gosta.
Em suma: cada escolha entre pares de frutas é boa: trata-se apenas de uma questão de gosto. No entanto, algumas combinações de escolhas não parecem fazer muito sentido. Como explicamos abaixo, para uma combinação de escolhas ser racional, as escolhas devem ser transitivas.
O que são escolhas transitivas e por que a transitividade é importante?
A fim de explicar a transitividade, vejamos um exemplo totalmente diferente que tem muito a ver com transitividade, mas nada com racionalidade. Suponha que eu coloque seus amigos Antônio e Benedito lado a lado e constate que Antônio é mais alto que Benedito. Depois coloco Benedito e Carlos lado a lado e vejo que Benedito é mais alto que Carlos. Você pode me dizer quem é mais alto, Antônio ou Carlos? Antônio, certamente. Como sabemos? Simplesmente usamos a transitividade: se Antônio é mais alto que Benedito e Benedito é mais alto que Carlos, então Antônio é mais alto que Carlos. Isso significa também que posso classificar seus três amigos de acordo com a altura: do mais alto (Antônio) ao mais baixo (Carlos).
Bem, ocorre o mesmo com as escolhas. A transitividade é muito útil porque, quando as escolhas de alguém são transitivas – como na Figura 1A –, isso significa que as opções podem ser classificadas. No exemplo da Figura 1A, a maçã é preferida à banana e depois à cereja. Ao contrário, quando as escolhas de alguém não são transitivas – como na Figura 1B –, as opções não podem ser classificadas.
Ser capaz de classificar opções é muito importante para a tomada de decisões. Permite que um observador externo entenda as preferências de uma pessoa e saiba qual escolha a deixará mais ou menos feliz. Quando as opções não podem ser classificadas, um observador externo não consegue descobrir as preferências da pessoa. Além disso, se o indivíduo que coloca as perguntas for maldoso, ele consegue manipular a escolha da pessoa ao escolher a sequência de perguntas que serão feitas. Por exemplo, suponha que o observador externo primeiro ofereça uma escolha entre duas frutas e, em seguida, diga à pessoa que ela pode comer a fruta preferida daquela escolha ou a fruta restante. No caso da Figura 1A, não importa como as questões sejam formuladas: a pessoa acabará comendo sua fruta preferida, a maçã (tente qualquer combinação!).
Porém, no caso da Figura 1B, o “malvado” decidirá qual fruta a pessoa comerá apenas escolhendo a ordem das perguntas. De fato, a pessoa acabará comendo a maçã se lhe for solicitado primeiro que escolha entre banana e cereja e depois entre banana e maçã. Ela acabará comendo a cereja se lhe for solicitado primeiro que escolha entre a maçã e a banana, depois entre a maçã e a cereja. E acabará comendo a banana se primeiro lhe for solicitado que escolha entre a maçã e a cereja, depois entre a cereja e a banana. Estranho, não? Como é possível que a opção selecionada dependa da ordem das perguntas? Dizemos que as preferências dessa pessoa são ambíguas, o que significa que não podemos usar suas escolhas para identificar o que ela prefere ou não. No geral, isso é desejável quando as pessoas podem classificar alternativas, ou seja, quando suas escolhas são transitivas.
Dizemos então que a transitividade é um ingrediente básico da racionalidade e usamos a transitividade como um teste de racionalidade.
Verificar a falta de transitividade é fácil: basta procurar circuitos do tipo “maçã preferida a banana, banana preferida a cereja, cereja preferida a maçã” (na Figura 1B, o circuito é formado pelas três setas). Sempre que há um circuito, as escolhas entre essas opções não são transitivas; e, sempre que as escolhas não são transitivas, as preferências por esses itens não são racionais. Por outro lado, quando não há circuito entre três opções, as escolhas são transitivas e, portanto, as preferências são racionais.
Esses conceitos se estendem a todos os tipos de escolhas. Se as escolhas de uma pessoa são transitivas, é possível determinar seu gosto por videogames, filmes, equipe esportiva, atividades de lazer, etc. A transitividade também é importante no caso de problemas cotidianos mais complicados, como escolhas que envolvam risco (qual caminho devo seguir em caminhadas ou escaladas), escolhas que envolvam tempo (quanto da minha mesada devo economizar e quanto devo gastar) ou escolhas envolvendo outras pessoas (quanto esforço devo despender ajudando meus amigos). A racionalidade é a base de todos os modelos econômicos. Esses modelos são usados para prever e testar como as pessoas economizam para a aposentadoria, investem em planos de saúde, compram seguros, consomem produtos e até votam em eleições.
As pessoas são racionais?
Essa pergunta é importante. Com efeito, uma das chaves para confiarmos no julgamento de uma pessoa é saber se suas escolhas são racionais – e, como vimos neste artigo, a racionalidade exige transitividade. Felizmente, os testes de transitividade mostram que os adultos são amplamente racionais: na maioria das vezes, suas escolhas são transitivas. Isso é fundamental porque, quando analisamos escolhas, presumimos que a pessoa que as faz é racional. Não poderíamos confiar nessas escolhas se a pessoa não fosse racional. Mas como se desenvolve a racionalidade? As crianças são racionais?
Em nosso laboratório, estudamos o desenvolvimento da escolha racional em crianças pequenas [3] (você também pode consultar [4] para um projeto anterior relacionado). Queríamos determinar a idade em que as crianças começam a fazer escolhas racionais. Para responder a essa pergunta, pegamos muitas bugigangas de que meninos e meninas gostam, emparelhamos aleatoriamente duas delas e pedimos a crianças de cinco a onze anos para nos dizerem qual das duas preferiam. Fizemos esse procedimento com todos os pares de bugigangas e verificamos quantos circuitos havia (do tipo mostrado na Figura 1B) porque, como discutimos acima, um circuito significa uma escolha irracional.
Constatamos que muitas crianças de cinco anos não eram racionais. Havia muitos circuitos, especialmente quando as bugigangas não eram as mais nem as menos favoritas. Os circuitos, no entanto, eram vistos com muito menos frequência quando as escolhas envolviam bugigangas favoritas ou menos favoritas. Isso significa que as crianças pequenas sabiam bem do que gostavam mais e menos, mas tinham problemas para classificar as bugigangas “no meio”. Constatamos também que o número de escolhas irracionais diminuía com a idade. Nas crianças de onze anos, as escolhas foram tão racionais quanto as dos adultos, quase sem circuitos.
O ponto principal é que, se você for um adolescente, poderá dizer a seus pais que suas escolhas são racionais. A evidência científica o apoia. Mas lembre-se, diferentes pessoas racionais podem e farão escolhas diferentes. Portanto, assim como seus amigos podem gostar de frutas diferentes daquelas de que você gosta, seus pais até podem concordar que colocar videogames acima do jantar em família, jantar em família acima do dever de casa e videogames acima do dever de casa é racional. Meu palpite, no entanto, é que eles não ficarão felizes com essa classificação!
Glossário
Racionalidade: Uma combinação de escolhas é racional se um observador puder deduzir as preferências de outra pessoa (ou seja, saber do que essa pessoa gosta mais, menos ou pouco) apenas observando suas escolhas.
Modelo econômico: Uma versão simplificada da realidade que os pesquisadores usam para estudar como as pessoas fazem suas escolhas.
Conflito de interesses
Os autores declaram que a pesquisa foi conduzida sem qualquer relação financeira ou comercial que possa gerar um conflito de interesses.
Agradecimentos
Agradecemos aos membros do Los Angeles Behavioral Economists Laboratory (LABEL) por suas sugestões nas várias fases do projeto. Agradecemos a Sobhana Atluri, Jean Guo e alunos do ensino médio Arthur Acker, Rhea Baba, David Carrilo, Stephanie Cook, Kirill Lanski, Eena Ohannessian e Mihir Parekh por seus comentários. Somos gratos pelo apoio financeiro da National Science Foundation (subvenção SES-1851915). O estudo mencionado na referência foi conduzido com a Universidade do Sul da California (aprovação IRB UP-12-00528.
Referências
[1] Kreps, D. M. 1988. Notes on the Theory of Choice (Underground Classics in Economics). Boulder, CO; London: Westview Press.
[2] Mas-Colell, A., Whinston, M. D. e Green, J. R. 1995. Microeconomic Theory. Vol. 1. New York, NY: Oxford University Press.
[3] Brocas, I., Carrillo, J. D., Combs, D. T. e Kodaverdian, N. 2019. “The development of consistent decision-making across economic domains.” Games Econ. Behav. 116:217–40. DOI: 10.1016/j.geb.2019.05.003.
[4] Harbaugh, W. T., Krause, K. e Berry, T. R. 2001. “GARP for kids: on the development of rational choice behavior.” Am. Econ. Rev. 91:1539–45. DOI: 10.1257/aer.91.5.1539.
Citação
Brocas, I. e Carrillo, J. (2020) “What Does It Mean to Choose Rationally?”. Front. Young Minds. 8:162. DOI: 10.3389/frym.2019.00162.
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