Ideias fundamentais Saúde Humana 17 de julho de 2024, 17:29 17/07/2024

O som ao redor de nós nas cidades e nos edifícios

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher em um ambiente urbano cercada de pessoas. Ela usa fones de ouvido, e um balão de diálogo revela que ela está ouvindo sons da natureza.

Resumo

O som nos rodeia todos os dias, quer estejamos dentro de edifícios ou nas ruas de nossas cidades. Mas o que é “som” e o que é “barulho”? Que efeitos podem surgir da exposição a um ou a outro? Este artigo irá apresentar o complexo e fascinante mundo do som, destacando as oportunidades que os cientistas acústicos têm para reduzir a poluição sonora e projetar cidades e edifícios que soem bem aos nossos ouvidos, a fim de melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas.

Som vs. barulho

Não importa quanto tentemos, nunca encontraremos um lugar completamente silencioso. Se algo se move, produz som – anda que os humanos não consigam ouvi-lo. Os sons estão em toda parte, ao nosso redor. Os que geralmente percebemos são produzidos por pessoas ou por coisas que as pessoas utilizam. Pense no tráfego rodoviário ou nas indústrias, por exemplo. No entanto, a natureza também pode ser muito barulhenta! Imagine quão barulhento pode ser um vulcão em erupção ou um tornado! 

Em geral, os sons não são nem bons nem maus. O que os ouvintes pensam deles, porém, faz toda a diferença. Se um som nos deixa infelizes ou irritados, pensamos nele como barulho. (Em inglês, a palavra para “barulho” é noise, que vem do latim nausea, isto é, “enjoo”.) Quando ouvimos um som de que não gostamos, ficamos incomodados e, portanto, “enjoados”. Mas o barulho pode ser apenas um som no lugar errado ou na hora errada. 

Nas cidades, falamos frequentemente de poluição sonora, que se refere aos níveis de ruído que deixam algumas pessoas infelizes. Você pode ficar surpreso ao saber que barulho não é um problema moderno. Muitas cidades do passado eram também lugares barulhentos. No século VI a. C., a antiga colônia grega de Síbaris era tão barulhenta que o conselho da província ordenou aos ceramistas e funileiros que fossem se estabelecer fora das muralhas da cidade porque eram muito barulhentos! À medida que as civilizações humanas se desenvolveram, as cidades continuaram a crescer e tornaram-se mais populosas.

Hoje, a maioria das pessoas vive em cidades – e, quanto mais gente há, mais barulho se ouve! De fato, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que, na Europa, cerca de uma em cada cinco pessoas está exposta a níveis de ruído que são muito altos e, potencialmente, perigosos para sua saúde.

Medindo o som

Quando se trata de som, o que significa “muito alto”? A que altura ele se torna um problema? Os níveis de ruído são usualmente medidos em uma unidade chamada decibéis (dB). 

Imagine uma pessoa parada a um metro de distância de você, falando com voz normal. O som então produzido mede cerca de 60 dB quando entra em seus ouvidos (Figura 1). Medir o som pode ser uma tarefa muito complicada. Isso ocorre porque o decibel é uma unidade logarítmica, o que significa que não podemos adicionar ou subtrair níveis de decibéis do mesmo modo que faríamos com números “normais”. Por exemplo, duas fontes sonoras emitindo 50 dB cada uma não se somarão para produzir 100 dB de som: produzirão só 53 dB!

Figura 1. Valores de níveis de som para certas fontes sonoras.

A OMS publicou recomendações sobre a quantidade de barulho aceitável em vários locais e circunstâncias. Por exemplo, imagine-se do lado de fora de uma casa à noite, com pessoas dormindo lá dentro. Você mede os sons à sua volta com um microfone e um medidor de nível de som. A OMS diria que o barulho do tráfego rodoviário não deve ser superior a 45 dB, o barulho ferroviário não deve ser superior a 44 dB e o ruído das aeronaves deve ser inferior a 40 dB [1]. Esses limites são diferentes porque alguns barulhos são mais irritantes que outros!

Os sons podem enriquecer nossas vidas

A maioria das pessoas concordaria que um mundo totalmente silencioso talvez não fosse nada agradável. Muitos sons enriquecem nossas vidas e tornam nossas experiências cotidianas interessantes e significativas. Assim, é importante que nós nem sempre consideremos o ruído como uma coisa ruim ou um “poluente” – alguns sons podem ser positivos [2]. Por exemplo, ouvir sons naturais como o canto dos pássaros ou o murmúrio da água corrente pode ajudar a reduzir o estresse, melhorando o bem-estar e o ânimo [3,4]. Tente ouvir o som do Regent’s Park de Londres no Vídeo 1. Como você se sente?

Do mesmo modo, ouvir música em espaços públicos pode ajudar as pessoas a se sentirem mais felizes, mais animadas e mais conectadas com seus semelhantes. Tente escutar os sons vibrantes do Covent Garden de Londres no Vídeo 2. Como esses sons fazem você se sentir? 

Muitos sons podem ser tão exclusivos que se tornam a “impressão sonora” de um lugar. Quando escutamos esses sons, instantaneamente nos lembramos de sua localização, sem precisar estar lá ou até mesmo ver o lugar. Por exemplo, muitas pessoas reconhecem o som de uma torcida de futebol e sabem que ele vem de um estádio durante a partida. Você pode pensar em alguma outra impressão sonora facilmente identificável?

Controlando sons internos

Até agora falamos sobre cidades e espaços ao ar livre. Mas a maioria de nós passa muito tempo dentro de prédios. Ouvimos sons tanto de dentro quanto de fora dos recintos onde estamos. Por exemplo, se você está sentado no sofá, pode ouvir risos vindos da televisão, os passos de alguém subindo as escadas, o farfalhar do vento na árvore do lado de fora da janela ou o som de uma sirene vindo do outro lado da rua. 

Quando estamos dentro de casa, os sons que ouvimos viajam pelo ar, mas também pelas paredes dos prédios, do vidro das janelas ou de materiais que compõem o teto. Quando o som atinge uma parede, parte dele é refletida, parte é absorvida por ela e o resto a atravessa. Algumas superfícies são boas para absorver o som, enquanto outras funcionam mais como espelhos, refletindo o som. 

Se você já esteve dentro de uma igreja ou do saguão amplo e vazio de uma escola, sabe que o som dos seus passos pode parecer muito alto. Isso acontece porque o som de seus passos é refletido várias vezes pelas paredes e pisos duros de pedra. Esses sons refletidos chegam aos seus ouvidos em momentos ligeiramente diferentes, dependendo da distância percorrida por cada reflexo. O resultado é que você ouve um eco que parece saltar pela sala. Às vezes, essas superfícies refletoras de som são moldadas e posicionadas especificamente para direcionar o som, por exemplo, rumo aos ouvintes em uma sala de concertos. 

Em contraste, superfícies macias e porosas absorvem a maior parte do som que as atinge. O som penetra nas cavidades cheias de ar dessas superfícies, perdendo parte de sua energia no processo. Você pode encontrar esses materiais que absorvem o som nos cinemas, por exemplo – assentos macios, paredes acolchoadas e cortinas pesadas. Materiais macios evitam ecos, facilitando muito a compreensão e a apreciação do filme. Outros materiais que absorvem o som incluem painéis finos que vibram quando atingidos por ondas sonoras, para enfraquecer o som refletido. 

Mas e se quisermos minimizar a quantidade de som que viaja de um espaço interior para outro? Uma das maneiras é recorrer ao “isolamento acústico”. As paredes podem fornecer um bom isolamento acústico, embora algumas façam isso melhor que outras! Se você mora em um apartamento e pode ouvir seus vizinhos conversando, cantando, espirrando ou gritando, as paredes não estão fornecendo um isolamento acústico muito bom! Bons isolantes acústicos incluem materiais rígidos e pesados, com superfície contínua não porosa. Uma excelente estratégia para erguer uma parede com isolamento acústico é fazê-la como um sanduíche: as “fatias de pão” externas são de materiais rígidos, enquanto o “recheio” interno é de material macio e absorvente de som. 

Quando os sons e ruídos finalmente chegam até nós, são transmitidos pelos canais auditivos e captados por sensores especiais dentro dos ouvidos internos. Esses sinais então viajam para nossos cérebros, que os processam e os interpretam de maneiras fascinantes e complicadas. Alguns sons capturam nossa atenção, enquanto outros passam despercebidos. Alguns são tão altos que encobrem ruídos mais baixos. Dá-se a isso o nome de mascaramento acústico, usado para tornar ambientes barulhentos mais confortáveis. Você já esteve em uma loja ou em um café grande e movimentado?

Esses lugares estão cheios de sons: pessoas conversando, panelas caindo, carrinhos sendo empurrados, caixas registradoras tilintando e itens sendo empilhados nas prateleiras. Muitas lojas tocam música para mascarar esses sons desagradáveis e para tornar sua experiência de compra mais agradável.

Diversidade auditiva – Todo mundo é diferente

Quando estamos dentro de prédios, o que é “som” e o que é “barulho” dependem do que estejamos fazendo no momento. O som das vozes pode ser agradável enquanto você está jantando ou relaxando em casa, mas irritante se estiver na escola tentando ouvir seu professor. Você pode gostar de paz e sossego enquanto lê um bom livro, mas, se estiver saindo com seus amigos, talvez prefira ouvir música alta. Algumas pessoas preferem estudar em silêncio, enquanto outras acham mais fácil se concentrar com música ou som de televisão ao fundo. Há quem prefira a tranquilidade do campo e há quem prefira a agitação de uma cidade vibrante. Chamamos essas diferenças de diversidade auditiva, o que significa que cada qual vivencia os sons à sua maneira [5]. 

No entanto, há alguns sons dos quais praticamente todos gostam. Muitos deles são sons naturais, como o canto dos pássaros ou o murmúrio da água corrente. Arquitetos e engenheiros que projetam ou modificam edifícios e espaços externos têm de pensar nos tipos de sons que as pessoas ouvirão nesses espaços e como esses sons serão afetados pelas estruturas em construção. Devido à diversidade auditiva, não existe uma “receita” perfeita para todos.

Conclusão

Os sons ambientes são muito complexos e, embora possamos ser levados a pensar que todo barulho é ruim, os ruídos e sons certos podem, na verdade, tornar nossas cidades e edifícios lugares melhores para ficar. Os cientistas acústicos ajudam a medir os sons e a determinar quais deles são benéficos ou prejudiciais para a nossa saúde. Arquitetos e engenheiros podem usar essas descobertas para projetar espaços agradáveis e saudáveis. As combinações certas de sons ou paisagens sonoras [6] podem ajudar as pessoas a permanecerem física e mentalmente saudáveis e até mesmo a prosperarem [7].

Medir a intensidade do som é apenas uma parte da história – devemos também considerar os tipos de sons que nos rodeiam, como cada tipo de som se move e como todos esses sons afetam nossos pensamentos, sentimentos e emoções. Quanto mais aprendermos sobre o som e como ele é importante em nossas vidas, maior será a probabilidade de desfrutarmos verdadeiramente um mundo de sons. 

Glossário

Barulho: Som que deixa alguém infeliz ou irritado, com potencial para afetar gravemente a saúde. 

Decibel: Unidade que indica a intensidade ou o volume de um som, com sons mais altos correspondendo a níveis mais altos de dB. 

Vídeo 1: Sons do Regent’s Park de Londres. A fonte das gravações é o International Soundscape Database. 

Vídeo 2: Sons do Convent Garden de Londres. A fonte das gravações é o International Soundscape Database. 

Absorção sonora: Fenômeno relacionado à redução do som refletido quando ele atinge uma superfície. 

Isolamento acústico: Fenômeno relacionado à redução de um som transmitido através da parede ou do teto quando ele atinge uma superfície. 

Mascaramento acústico: Fenômeno que ocorre quando a percepção de um som é afetada pela presença de outros sons. 

Diversidade auditiva: Diferença na audição entre indivíduos. 

Cientista acústico: Aquele que se ocupa de medição e controle de sons, considerando seus efeitos sobre humanos, animais e ecossistemas. 

Paisagem sonora: O ambiente sonoro que cada pessoa percebe.

Conflito de interesses

Os autores declaram que a pesquisa foi realizada sem nenhuma relação capaz de gerar um conflito de interesses.

Referências

[1] WHO. 2018. Environmental Noise Guidelines for the European Region. Genebra: WHO.

[2] Kang, J., Aletta, F., Gjestlant, T. T., Brown, L.A., Botteldooren, D., Schulte-Fortkamp, B. et al. 2016. “Ten questions on the soundscapes of the built environment.” Build. Environ. 108:284–94. DOI: 10.1016/j.buildenv.2016.08.011.

[3] Zhang, Y., Kang, J. e Kang, J. 2017. “Effects of soundscape on the environmental restoration in urban natural environments.” Noise Health 19:65. DOI: 10.4103/nah.NAH_73_16.

[4] Kaplan, S. 1995. The restorative benefits of nature: toward an integrative framework.” J. Environ. Psychol. 15:169–82. DOI: 10.1016/0272-4944(95)90001-2.

[5] Drever, J. L. e Hugill, A. (orgs.). (2022). Aural Diversity. Milton Park: Taylor and Francis.

[6] ISO. 2014. 12913-1:2014-Acoustics-Soundscape Part1: Definition and Conceptual Framework. Genebra. 

[7] United Nations Environment Programme. Frontiers 2022 Report: Emerging Issues of Environmental Concern. Nairóbi.

Citação

Aletta, F. e Torresin, S. (2022). “The sounds around us in cities and buildings.” Front. Young Minds. 10:910059. DOI: 10.3389/frym.2022.910059.

Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br