Astronomia e Física 18 de janeiro de 2023, 10:00 18/01/2023

Ondas gravitacionais captadas por uma rede de pulsares do tamanho de uma galáxia

Autores

Jovens revisores

Desenho de um menino e um homem segurando um cobertor. Em cima do cobertor está a miniatura da Terra e do Sol.

Resumo

Até recentemente, a única maneira de observar o Universo era por meio da luz recebida pelos telescópios. Mas agora conseguimos medir ondas gravitacionais, que são encrespamentos no tecido do Universo previstos por Einstein. Dois objetos muito densos (como os buracos negros) e muito próximos, quando giram em torno um do outro, deformam o espaço e emitem ondas gravitacionais. Para buracos negros com massa equivalente a bilhões de vezes a do Sol, os cientistas monitoram uma rede de estrelas de nêutrons que giram muito rapidamente (pulsares) na Via Láctea. Qualquer onda gravitacional, ao passar por ali, altera o tempo que os sinais de rádio emitidos por esses pulsares levam para chegar à Terra. O NANOGrav Collaboration monitorou 34 desses pulsares ao longo de 11 anos, numa tentativa de detectar ondas gravitacionais provenientes de buracos negros gigantes.

Introdução

Você já deve ter ouvido a frase “tudo o que sobe, desce”. Mas por quê? Porque a gravidade atrai tudo (você, eu, foguetes, gotas de água) na direção da Terra. Essa atração aumenta proporcionalmente com o tamanho dos objetos, mas diminui conforme a distância que os separa. Os foguetes só conseguem escapar à força gravitacional terrestre porque queimam enormes quantidades de combustível para criar um “empurrão” para cima que seja mais forte do que o “puxão” da gravidade.    

Um fato interessante é que a gravidade não existe apenas na Terra: todos os objetos do Universo possuem esse mesmo tipo de força, que mantém juntos estrelas, sistemas solares e galáxias. Mesmo há 100 anos, os astrônomos já conseguiam determinar onde, no céu noturno, objetos do sistema solar iriam aparecer. Mas não sabiam exatamente o que era a gravidade.

Foi então que Albert Einstein teve uma grande ideia: o que chamamos de gravidade não é realmente uma força que “puxa”, como por uma corda. Na teoria de Einstein, o espaço lembra mais uma manta elástica do que uma mesa dura: todo objeto faz uma depressão na manta, mas os objetos grandes fazem uma depressão maior. Assim, uma estrela como o Sol faz uma depressão enorme, enquanto a Terra faz uma depressão bem menor (Figura 1). A Terra se move devagar o bastante para girar em volta da depressão provocada pelo Sol, mas, ao mesmo tempo, rápido o bastante para não se chocar com ele: isso é o que se chama uma órbita.

Figura 1. A Terra provoca uma depressão no tecido do espaço, como qualquer outro objeto. Quanto mais maciço for o objeto, maior será a depressão. É isso que causa o puxão da gravidade, permitindo que outros objetos (como os satélites) descrevam suas órbitas. Crédito da imagem: NASA.

Ondas gravitacionais

Como o espaço lembra mais uma manta que uma mesa dura, ele pode se contrair e se esticar para produzir ondas. Imagine que você está postado num círculo com um grupo de amigos, cada qual segurando uma parte de uma manta redonda. Se seu amigo do lado oposto sacudir a parte dele para cima e para baixo, a sua também vai se sacudir. Parecerá que sua parte se sacode ao mesmo tempo que a de seu amigo, mas na verdade a onda demora um pouquinho para chegar até você. A mesma coisa acontece no espaço, exceto pelo fato de este ser muito rígido, de modo que apenas objetos gigantes geram uma onda grande. Se dois objetos girarem em torno um do outro em uma órbita, poderão sacudir suficientemente o espaço para provocar ondas, que são chamadas de ondas gravitacionais e se movem na velocidade da luz.

Enquanto viaja, a onda gravitacional faz o espaço se esticar e contrair. Todavia, o esticamento e a contração não acontecem na direção do movimento da onda e sim na direção perpendicular a esse movimento (Figura 2). Os cientistas utilizaram há pouco tempo, para conduzir importantes experiências, aparelhos especiais com sensibilidade suficiente para medir o esticamento e a contração das ondas gravitacionais, como o LIGO [1] e o Virgo [2]. Mas, como dissemos acima, o espaço é muito rígido, de modo que só conseguimos medir ondas de determinados tipos de objetos astronômicos densos, que estejam muito próximos uns dos outros. Esses objetos são chamados de estrelas de nêutrons e buracos negros.

Figura 2. As ondas gravitacionais viajam à velocidade da luz. Elas esticam e contraem o tecido do espaço no plano perpendicular à direção do movimento. Crédito da imagem: Markus Pössel/Einstein-online.info.

Estrelas de nêutrons e buracos negros

Como um foguete, as estrelas precisam queimar grandes quantidades de combustível a fim de gerar um empurrão para fora que impeça a gravidade de fazê-la entrar em colapso. Quando uma estrela fica sem combustível, começa a entrar em colapso para dentro, mas consegue evitar o colapso total duas vezes ao longo do processo. A primeira vez é quando os átomos em seu interior já não podem mais ser espremidos uns contra os outros. Isso salva a estrela por algum tempo, mas, se ela for grande demais, a gravidade é tão forte que continua a espremer os átomos.

A última chance que a estrela tem de sobreviver ao colapso devido à gravidade é quando os pequenos “tijolos” do átomo, conhecidos como nêutrons, param de se espremer uns contra os outros. Isso cria a chamada estrela de nêutrons, onde a matéria está tão condensada que uma colher dela pesa tanto quanto um arranha-céu! Finalmente, se tivermos uma estrela realmente gigantesca, nem sequer a resistência dos neutros à condensação impedirá seu colapso total. O colapso de uma estrela forma um buraco negro. Os buracos negros não são feitos de matéria, mas sim da própria gravidade, que cria uma depressão no tecido do espaço tão profunda que nem a luz escapa à sua atração; por isso recebem o nome de buracos “negros”.

Como medir os buracos negros mais maciços do universo

Às vezes, dois buracos negros formam um par e giram em torno um do outro. Quando se aproximam muito em sua órbita, podem emitir ondas gravitacionais. Uma equipe de cientistas chamada NANOGrav (sigla de North American Nanohertz Observatory for Gravitational Waves) [3] tem procurado ondas gravitacionais emitidas por pares dos mais maciços buracos negros do Universo.

Esses buracos negros podem ter massa um bilhão de vezes maior do que a do Sol e só são encontrados no centro das galáxias gigantes. Ao longo da história do Universo, galáxias colidiram entre si, formando outras ainda maiores. Nessas colisões, os buracos negros do centro da galáxia formaram pares, emitindo ondas gravitacionais com um período (o tempo decorrido entre cada pico de onda) de anos a décadas. Como os buracos negros não emitem luz, a única maneira de detectá-los é por meio das ondas gravitacionais. Medi-las é uma forma radicalmente nova de observar o Universo e elas nos darão mais informações sobre a verdadeira natureza da gravidade.

Figura 3. Dois buracos negros que se orbitam provocam encrespamentos no espaço, chamados de ondas gravitacionais. Elas tiram energia da órbita dos buracos negros, fazendo com que ambos acabem por se fundir. Crédito da imagem: LIGO/T. Pyle. https://ligo.caltech.edu/image/ligo20160615f.

O NANOGrav procura ondas gravitacionais usando a chamada matriz de temporização de pulsar (pulsar-timing array, PTA) [4]. Um pulsar é um tipo especial de estrela de nêutrons que gira muito rápido (centenas de vezes por segundo) e emite raios de ondas de rádio (ver o lado esquerdo da Figura 4). Sempre que gira, um pulsar envia esses raios para a Terra, que medimos como “pulso” de rádio. É como um farol, que está sempre aceso à noite, mas cuja luz só avistamos quando ela se volta em nossa direção. Os pulsares são muito confiáveis: podemos prever com bastante segurança quando os pulsos de rádio chegarão à Terra. Isso significa que podemos usar os pulsares como um cronômetro, marcando a passagem do tempo pelo número de pulsos de rádio observados em um deles. E esses cronômetros continuam altamente confiáveis por muitos anos.

Figura 4. Os pulsares (à esquerda) são tipos muito especiais de estrelas de nêutrons que giram em torno de si mesmas centenas de vezes por segundo. Eles enviam regularmente sinais de rádio que, na Terra, podem ser medidos com extrema precisão. Observando vários pulsares na galáxia da Via Láctea (à direita), conseguimos detectar quaisquer alterações comuns no tempo de chegada dos pulsos de rádio. Essas alterações podem ser causadas por ondas gravitacionais que percorrem a Via Láctea. A figura à direita é uma ilustração de quatro pulsares na Via Láctea (regiões cinzentas com estrelas amarelas) enviando ondas de rádio na direção de nosso sistema solar. Crédito da imagem: Tonia Klein/Jeffrey Hazboun/The NANOGrav Physics Frontier Center.

Se uma onda gravitacional cruzar o espaço entre a Terra e um pulsar, ela esticará e contrairá esse espaço. Caso o espaço esteja esticado, o sinal de rádio demorará mais do que o esperado para chegar até nós; o pulso chegará atrasado! O contrário é verdadeiro quando o espaço está contraído, pois o pulso de rádio chegará antes do esperado. Podemos subtrair nossas predições de quando os pulsos de rádio deverão chegar de nossas observações reais e examinar a diferença – que talvez se deva às ondas gravitacionais! A NANOGrav (e outras equipes na Europa, Austrália, Índia, África do Sul e China) têm usado radiotelescópios a fim de observar grandes quantidades de pulsares para tecer uma enorme “rede” capaz de captar ondas gravitacionais.

Nova descoberta do NANOGrav

Durante a mais recente “caçada” do NANOGrav [5], tecemos uma rede de 34 desses pulsares, observados por astrônomos a cada duas semanas pelos últimos 11 anos. Não encontramos nenhuma onda gravitacional, mas sabemos que nossos sinais levam muito tempo para sobrepujar o barulho e as coisas estranhas que podem afetar os pulsares. Apesar de não termos detectado nada até agora, achamos que em três anos isso vá acontecer, ou talvez em sete anos no máximo [6].

Podemos não ter visto nenhuma onda ainda, mas isso nos permitiu contestar predições feitas por outros cientistas, segundo os quais deveríamos já ter detectado alguma coisa. Nossos dados ajudarão esses cientistas a revisar e atualizar suas predições. Os resultados obtidos também nos permitirão entender como, muitas vezes, buracos negros maciços se fundem no Universo. Descobrimos igualmente que ondas gravitacionais com períodos de 1 ano provocam esticamentos e contrações no espaço muito pequenas – tão pequenas que a mudança por elas provocada no tamanho da Terra é só cerca de 10 vezes a largura de uma cadeia de DNA humano (Figura 5)! 

Figura 5. O NANOGrav estabeleceu os limites do tamanho da contração fracionária provocada pelas ondas gravitacionais. Tudo na área vermelha ficou fora de nossa análise de 11 anos de dados de temporização de pulsar. A área verde mostra o alcance das predições de ondas gravitacionais feitas por outros cientistas.

O futuro

Esperamos que o futuro da astronomia de ondas gravitacionais seja muito excitante, permitindo-nos chegar a partes do Universo fora do alcance de outros telescópios. A detecção de ondas gravitacionais por matrizes de temporização de pulsar, em futuro próximo, será uma fantástica descoberta. No NANOGrav, estamos buscando outros tipos de ondas gravitacionais na rede de pulsares e divulgaremos os resultados no próximo ano. Estamos também, o tempo todo, procurando novos pulsares para preencher lacunas em nossa rede, de modo a poder encontrar ondas gravitacionais com mais facilidade. Nossos resultados, até agora, foram expressivos e já nos preparamos para o dia não muito distante em que comunicaremos ao mundo ter visto ondas gravitacionais oriundas dos buracos negros mais maciços do Universo!

Financiamento

ST é financiada pelo NANOGrav Physics Frontier Center, apoiado pela NSF, número de prêmio 1430284. O Green Bank Observatory é uma instalação da National Science Foundation operada por acordo de cooperação pelas Associated Universities, Inc. O Arecibo Observatory é uma instalação da National Science Foundantion operada por acordo de cooperação pela University of Central Florida juntamente com a Yang Enterprises, Inc., e a Universidad Metropolitana.

Glossário

Onda gravitacional: Um encrespamento no espaço e no tempo provocado pela aceleração de objetos maciços.

LIGO: Sigla de Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory. São dois grandes detectores de ondas gravitacionais localizados em Hanford, Washington, e Livingston, Luisiana. Eles captaram pela primeira vez ondas gravitacionais em 2015.

Virgo: Detector de ondas gravitacionais semelhante ao LIGO, mas localizado na Itália.

Estrela de nêutrons: Objeto muito denso formado quando uma estrela normal fica sem combustível e colapsa sobre si mesma devido à gravidade. O colapso pode ser detido pela pressão de nêutrons que oferecem resistência à gravidade.

Buraco negro: Quando uma estrela não consegue evitar o colapso total provocado pela gravidade, um buraco negro se forma. Trata-se de um ponto dotado de densidade infinita. Nem a luz consegue escapar dele.

NANOGrav: Sigla de North American Nanohertz Observatory for Gravitational (ondas). Um grupo de cientistas dos Estados Unidos e Canadá que procuram ondas gravitacionais usando matrizes de temporização de pulsar.

Matriz de temporização de pulsar: O pulsar é um tipo especial de estrela de nêutrons giratória que emite sinais de rádio. Quando as ondas gravitacionais alcançam nossa galáxia, provocam mudanças no tempo de chegada dos sinais de rádio oriundos dos pulsares. Examinamos inúmeros pulsares para descobrir se essas mudanças são causadas por ondas gravitacionais e não por ruído.

Conflito de interesses

O autor declara que a pesquisa foi conduzida sem nenhuma relação comercial ou financeira que possa gerar um conflito de interesses.

Fonte original do artigo

Arzoumanian, Z., Baker, P. T., Brazier, A., Burke-Spolaor, S., Chamberlin, S. J., Chatterjee, S. et al. The NANOGrav Collaboration. 2018. “The NANOGrav 11 year data set: pulsar-timing constraints on the stochastic gravitational-wave background.” Astrophys. J. 859:47. DOI: 10.3847/1538-4357/aabd3b.

Referências

[1] LIGO. Disponível online em: https://www.ligo.caltech.edu/page/what-is-ligo.

[2] VIRGO. Disponível online em: http://public-virgo-gw.eu/virgo-in-a-nutshell.

[3] NANOGrav Website. Disponível online em: http://nanograv.org.

[4] Lommen, A. N. 2015. “Pulsar timing arrays: the promise of gravitational wave detection.” Rep. Prog. Phys. 78:124901. DOI: 1088/0034-4885/78/12/124901.

[5] Arzoumanian, Z., Baker, P. T., Brazier, A., Burke-Spolaor, S., Chamberlin, S. J., Chatterjee, S. et al. The NANOGrav Collaboration. 2018. “The NANOGrav 11 year data set pulsar-timing constraints on the stochastic gravitational-wave background.” Astrophys. J. 859:47. DOI: 10.3847/1538-4357/aabd3b.

[6] Taylor, S. R., Vallisneri, M., Ellis, J. A., Mingarelli, C. M. F., Lazio, T. J. W. e van Haasteren, R. 2016. “Are we there yet? Time to detection of nanohertz gravitational waves based on pulsar-timing arrays limits.” Astrophys. J. Lett. 819:L6. DOI: 10.3847/2041-8205/819/1/L6.

Citação

Taylor, S. (2019). “Catching gravitational waves with a galaxy-sized net of pulsars.” Front. Young Minds. 7:80. DOI: 10.3389/frym.2019.00080.

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