Por que a mosca-da-fruta diz “ai”?
Autores
Jovens revisores
The Metropolitan School of Panama
Resumo
As moscas-da-fruta são animais ideais para pesquisa biológica. Podem crescer rapidamente em laboratório e ser estudadas em grande número. Ela possui uma camada externa, assim como a pele humana, para se proteger de lesões. Como pessoas e moscas-da-fruta têm um resposta semelhante a lesões, podemos usá-las para descobrir novos recursos que melhorem a saúde humana. Usando pequenas agulhas para feri-las, podemos indagar como reparam suas feridas. Ficamos imaginando que tipo de reação as moscas-da-fruta teriam quando feríssemos sua pele. Elas são pequenas e usamos microscópios para ver a reação da ferida – Ai! O objetivo dessa pesquisa foi testar se as mudanças no ácido desoxirribonucleico da mosca-da-fruta afetavam a maneira como elas respondiam às lesões.
Lições de uma mosca-da-fruta
Todos os organismos vivos contêm ácido desoxirribonucleico (DNA), que é a informação genética de um organismo. O que é isso? A informação genética é semelhante a uma planta de engenharia para a construção de uma casa na árvore. Se as informações na planta estiverem corretas e os materiais de construção forem fortes, você poderá construir uma casa na árvore que durará muito tempo (Figura 1A). No entanto, se houver instruções confusas ou duplicadas, a casa na árvore poderá desmoronar. A mosca-da-fruta (nome latino: Drosophila melanogaster) é um ótimo animal para uso em experimentos, pois podemos fazer perguntas sobre sua planta (DNA) a fim de entender os complexos problemas ligados à construção da casa da árvore (o corpo da mosca-da-fruta) (Figura 1B).
As moscas-da-fruta têm sido usadas em pesquisas há mais de cem anos para estudar genes e seus efeitos na construção do corpo da mosca-da-fruta [1]. A pesquisa atual sobre moscas-da-fruta combina os pontos fortes de muitas técnicas biológicas com dados de DNA disponíveis no computador [2]. As moscas-da-fruta são insetos e a ciência do estudo dos insetos é chamada de entomologia.
Todo animal vivo usa algum tipo de camada externa especializada para se proteger e impedir que o interior do corpo vaze, além de evitar que perigos externos machuquem o corpo. Uma ruptura nessa camada externa desencadeia no animal uma ampla gama de reações. Quando a camada externa é danificada, o animal deve ativar imediatamente os genes que ajudam a repará-la e desativar os genes contra organismos indesejados. Muitos problemas podem acontecer quando os genes não são ativados e desativados corretamente. Por exemplo, se um gene de reparo estiver no estado “ligado” na hora errada, uma grande cicatriz pode se formar. E se o gene de proteção estiver “desligado” na hora errada, uma ferida aberta pode se tornar uma porta de entrada para organismos e infecções indesejados. Portanto, é importante entender o equilíbrio entre o reparo e a proteção da ferida.
Conduzimos nossa pesquisa com perguntas de ação/reação, ou seja, realizamos uma ação nas moscas-da-fruta (ferindo sua cutícula, que é semelhante à pele, com uma pequena agulha) e depois observamos sua reação aos ferimentos. Há várias vantagens em usar moscas-da-fruta para responder às perguntas científicas. As moscas-da-fruta podem crescer rapidamente em laboratório (elas têm um ciclo de vida de dez dias, que é o tempo para passarem de bebês a adultos) e vivem bastante (cerca de 60 dias). Não é caro criá-las em laboratório, de modo que podemos facilmente usar muitas delas, até cem, para cada um dos nossos experimentos. Uma desvantagem de usá-las é que, por seu tamanho pequeno, só podem ser vistas de perto e com o auxílio de microscópios.
Depois de considerar as vantagens e desvantagens, optamos por realizar nossos experimentos em moscas-da-fruta porque é difícil fazê-los em humanos; por exemplo, tente encontrar cem voluntários que aceitem ser “esfaqueados” para ver suas feridas cicatrizarem!
A lesão ocorre quando há danos no corpo, e pode se apresentar de várias formas. Podemos vê-la às vezes, caso ocorra na parte externa do corpo. Mas, quando acontece na parte interna do corpo, não se pode enxergar. As moscas-da-fruta são tão pequenas que precisamos usar microscópios especiais para ver os lados de fora e de dentro de seus corpos ao mesmo tempo.
Neste link de vídeo (http://www.jove.com/video/50750/microinjection-wound-assay-vivo-localization-epidermal-wound-response), você nota que uma pequena agulha perfurando uma mosca-da-fruta faz uma pequena lesão [3]. Podemos fazer perguntas sobre a reação da mosca-da-fruta a essa lesão. Usamos dois métodos diferentes para causar ferimentos: (1) punção com agulha – semelhante a uma picada de inseto que deixa um pequeno ponto dolorido em seu braço – e (2) injeção de um produto químico – semelhante a uma erupção cutânea de hera venenosa que causa pontos doloridos em todo o seu corpo.
Usamos esses dois métodos para testar o papel de certos pedaços de DNA na reação da ferida (RF). Estávamos curiosos para saber por que uma picada de inseto causa uma pequena reação, enquanto a hera venenosa causa uma reação grande.
Usamos o método científico como caminho para investigar as respostas das moscas-da-fruta a lesões. O primeiro passo no método científico é fazer uma pergunta e pensar na resposta. A resposta é sua hipótese. Nossa hipótese era que uma reação local à lesão melhoraria a sobrevivência das moscas-da-fruta. O segundo passo é fazer a experiência, estudando a ação e a reação. As ações que executamos nas moscas-da-fruta são descritas abaixo. A terceira etapa do método científico é reunir as respostas do experimento. Fizemos observando a reação das moscas-da-fruta aos ferimentos. O passo final é voltar à hipótese e repetir tudo de novo. O objetivo de nosso estudo foi testar a RF na mosca-da-fruta e, talvez, tentar melhorá-lo para que os resultados pudessem ser usados no tratamento de lesões em humanos [4].
A descoberta
Os cientistas podem aplicar uma técnica especial a alguns tipos de animais, incluindo moscas-da-fruta, que consiste em adicionar e subtrair DNA. Imagine um tipo de mosca-da-fruta que tenha a quantidade normal de DNA e uma cutícula normal (Figura 2A). Em seguida, imagine um tipo especial (ou mutante) de mosca-da-fruta com uma alteração (ou mutação) que teve algum DNA subtraído e não consegue desenvolver uma cutícula (Figura 2B). Em seguida, imagine outro tipo especial de mosca-da-fruta, com uma mutação diferente, que teve algum DNA extra adicionado e desenvolve uma camada extra de cutícula (Figura 2C). Usando técnicas de laboratório para fazer mudanças no DNA das moscas, realizamos experimentos usando os três tipos de moscas-da-fruta (cutícula normal, sem cutícula e camada extra de cutícula).
Examinamos esses três tipos de moscas-da-fruta para ver como elas reagiam a ferimentos. Agradecemos às moscas-da-fruta pelo serviço prestado, pois sabemos que elas ocupam o lugar de outros animais ou humanos em nossa pesquisa! Em biologia, a mosca-da-fruta é um animal incrível, a quem podemos fazer perguntas difíceis e que nos dão respostas.
Como uma mutação de DNA altera a reação da ferida na mosca-da-fruta?
Usamos “uma escala de ‘ai!’” para medir a reação das moscas-da-fruta a ferimentos. A “escala de ‘ai!’” é uma série de faces que mostram nenhuma dor, dor leve, dor moderada e dor intensa (Figura 3A). Uma RF global é uma grande reação na mosca da fruta, semelhante a uma erupção por hera venenosa. Rotulamos esse tipo de reação como grave na “escala de ‘ai!’”. Se usarmos o procedimento de punção com agulha em moscas-da-fruta com a quantidade normal de DNA e uma cutícula normal, a lesão por punção com agulha resultará em uma RF local, leve na “escala de ‘ai!’”. As moscas-da-fruta com a mutação de subtração, sem cutícula, respondem a lesões com um RF global, que é grave na “escala de ‘ai!’” (Figura 3B).
Outra parte importante do método científico é repetir os resultados experimentais com amostras diferentes. Fizemos isso usando uma amostra verde (RF-Verde) e uma amostra vermelha (RF-Vermelha) que forneceu os mesmos padrões de RF (Figura 3B, C). A repetição de um resultado experimental com mais de uma amostra é como ir à escola de bicicleta ou skate. Os tempos de viagem são os mesmos em qualquer uma das atividades, mas é divertido poder escolher como chegar aonde se quer ir.
Como um produto químico altera a reação da ferida na mosca- da-fruta?
Outra forma de estudar a RF em moscas-da-fruta é injetar nelas uma solução química que copie uma mutação de DNA. Esse método também nos permitiu testar se as moscas-da-fruta têm a mesma RF para lesões de duas maneiras diferentes – punção em moscas-da-fruta mutantes e injeção química. A injeção de solução química em uma mosca-da-fruta normal resultou em uma RF global, que é grave na “escala ai” (igual à das Figuras 3B, C), e é a mesma das moscas-da-fruta com a mutação de subtração que receberam a lesão por punção de agulha. O fato de termos observado o mesmo resultado como uma mutação de DNA e uma injeção química leva a novas questões sobre a sobreposição entre o DNA e a substância química na RF.
Esses tipos de experimentos foram repetidos várias vezes e de várias maneiras diferentes. O próximo passo após a descoberta das mudanças de RF na mosca-da-fruta será descobrir o que os diferentes genes envolvidos na RF podem estar fazendo. Em seguida, estudos adicionais poderão ser feitos em outros animais para ver se eles têm o mesmo tipo de RF que as moscas-da-fruta ou se animais diferentes usam estratégias diferentes para reparar suas feridas. Em última análise, esperamos que nossos resultados sejam úteis para ajudar humanos com lesões [5].
Um curativo melhor
A RF na mosca-da-fruta pode nos ajudar a entender como muitos animais diferentes, incluindo humanos, reagem e curam suas feridas. As lesões podem ter muitas causas diferentes (por exemplo, cirurgia ou infecção) e afetar diretamente partes do corpo (por exemplo, pele ou músculo). Compreender como os animais respondem às lesões e danos pode nos dar uma maneira de melhorar a saúde humana. Quanto mais entendermos sobre a planta usada para construir nossa casa na árvore, mais poderemos usar as moscas-da-fruta para melhorar o tratamento de ferimentos humanos. Além disso, como todos os organismos vivos contêm DNA, poderemos estudar as mudanças no DNA ao longo do tempo e fazer mais perguntas sobre diferentes animais (incluindo vermes, moscas-da-fruta e camundongos).
Os cientistas que estudam os animais ajudam a descobrir curiosidades sobre a biologia – a ciência de todos os seres vivos. Nosso objetivo final é entender a conexão especial entre humanos e todos os outros seres vivos – bactérias, fungos, plantas e animais.
Glossário
Ácido desoxirribonucleico (DNA): Material genético dos organismos vivos.
Informação genética: Estudo de como as mudanças no DNA podem afetar o crescimento ou o comportamento.
Entomologia: Ciência que estuda os insetos.
Ação/reação: Método de lesão para estudar ferida e dor.
Cutícula: Camada externa nas moscas-da-fruta.
Pele: Camada externa nos humanos.
Mutante: Animal com mudança no DNA.
Declaração de conflito de interesses
O autor declara que a pesquisa foi conduzida sem qualquer relação financeira ou comercial que possa gerar conflito de interesses.
Agradecimentos
A pesquisa do artigo original usado para escrever este artigo do New Discovery foi parcialmente apoiada pelos Institutos Nacionais da Saúde, NIH NIAID R03A/117671, NIH NCI U54CA137788/U54CA132378 e NIH NIMHD 8G12MD7603. Por fim, o autor agradece muito a Chiandredi e Chloe por seus brilhantes conselhos e contribuições editoriais neste artigo da New Discovery. Também contribuíram com o desenho das figuras e com o desenvolvimento de analogias para explicar as ideias científicas. Sua coragem de tentar algo novo e expor um novo público à biologia é revigorante.
Artigo original
Juarez, M. T., Patterson, R. A., Sandoval-Guillen, E., McGinnis, W. 2011. “Flotillin-2, and Src42A are required to activate or delimit the spread of the transcriptional response to epidermal wounds in Drosophila.” PLoS Genet. 7:e1002424. DOI: 10.1371/journal.pgen.1002424.
Referências
[1] Ugur, B., Chen, K., Bellen, H. J. 2016. “Drosophila tools and assays for the study of human diseases”. Dis. Model. Mech. 9:235–44. DOI: 10.1242/dmm.023762.
[2] Attrill, H., Falls, K., Goodman, J. L., Millburn, G. H., Antonazzo, G., Rey, A. J. et al. 2016. “FlyBase: establishing a Gene Group resource for Drosophila melanogaster.” Nucleic Acids Res. 44: D786–92. DOI: 10.1093/nar/gkv1046.
[3] Juarez, M. T., Patterson, R. A., Li, W., McGinnis, W. 2013. “Microinjection wound assay and in vivo localization of epidermal wound response reporters in Drosophila embryos.” J. Vis. Exp. 81:e50750. DOI: 10.3791/50750.
[4] Juarez, M. T., Patterson, R. A., Sandoval-Guillen, E., McGinnis, W. 2011. “Duox, Flotillin-2, andSrc42A are required to activate or delimit the spread of the transcriptional response to epidermal wounds in Drosophila.” PloS Genet. 7:e1002424. DOI: 10.1371/joyrnal.pgen.1002424.
[5] Sen, C. K., Gordillo, G. M., Roy, S., Kirsner, R., Lambert, L., Hunt, T. K. et al. 2009. “Human skin wounds: a major and snowballing threat to public health and the economy.” Wound Repair Regen. 17:763–71. DOI: 10.1111/j.1524-475X.2009.00543.x.
Citação
Juarez, M. (2016). “How Does a Fruit Fly Say ‘Ouch’?”. Front. Young Minds. 4:27. DOI: 10.3389/frym.2016.00027.
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