Biodiversidade 8 de novembro de 2023, 14:26 08/11/2023

Por que algumas plantas são “peludas”? 

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma planta com tricomas, dois insetos estão sobre suas folhas.

Resumo

Quer vivamos numa metrópole extensa ou numa fazenda, as plantas e os insetos fazem parte de nossa vida cotidiana, e em muitos casos dependem uns dos outros para sobreviverem. Os insetos ajudam as plantas a se reproduzir por meio da polinização e as plantas proporcionam aos insetos alimento e abrigo. No entanto, as plantas também necessitam de nutrição para crescer, desenvolver-se e reproduzir-se; e insetos herbívoros podem danificá-las. Ao longo de milhões de anos de convivência, as plantas desenvolveram múltiplas estratégias de defesa para se proteger dos insetos. Uma dessas defesas consiste em pequenas projeções semelhantes a cabelos, chamadas tricomas. Neste artigo, explicaremos como as plantas usam seus tricomas como uma arma exclusiva e criativa para se proteger dos insetos herbívoros. Os tricomas podem causar lesões físicas, liberar compostos químicos tóxicos e até provocar problemas internos nos insetos. Também discutiremos como os insetos herbívoros combatem essas defesas das plantas usando as suas próprias defesas – o que leva a um cabo de guerra pela sobrevivência!

Por que as plantas são tão importantes?

As plantas, espinha dorsal do planeta Terra, são consideradas por muitos meros organismos estacionários e desinteressantes. No entanto, estudos já mostraram o quanto elas são complexas e interessantes, e as pesquisas nos apresentaram uma vasta gama de características físicas e químicas que utilizam para prosperar na Terra, onde vivem rodeadas por organismos que se alimentam delas. As plantas não são apenas fonte de alimento para animais: elas também moldam, de muitas maneiras, o ambiente que nos cerca, e a maioria dos demais seres não poderia sobreviver sem elas. Por exemplo, as plantas absorvem o dióxido de carbono (CO2), um gás que os animais exalam ou produzem quando queimam combustíveis fósseis, e utilizam-no na fotossíntese.

Esse processo remove o CO2 da atmosfera. Sem a remoção do CO2, a vida na Terra seria impossível. Como você deve saber, o excesso de CO2 na atmosfera está causando problemas ambientais como o aquecimento global [1]. Além disso, quando se trata de agricultura, as plantas chamadas culturas de cobertura minimizam os efeitos da erosão do solo, conservando a camada superficial de terra no lugar por meio de suas estruturas radiculares. Isso ajuda a manter o solo saudável. No entanto, para desempenhar esses serviços ecossistêmicos, as plantas devem prosperar bem em vários ambientes e proteger-se contra seus inimigos mortais, os insetos herbívoros, que as prejudicam e até matam devorando suas raízes, frutos, flores e folhas. 

Insetos e plantas

Os insetos, independentemente de seu tamanho relativamente pequeno, são organismos importantes no reino animal. A diversidade dos insetos é sem par, e reflete-se também no fato de algumas espécies seguirem dietas baseadas em animais, enquanto outras recorrem a plantas.

Diversas espécies de insetos se alimentam exclusivamente de plantas (Figura 1) enquanto outras só se alimentam delas durante certas fases do seu ciclo de vida. Pense em uma lagarta eclodindo do ovo na superfície de uma folha, alimentando-se da planta até que esteja pronta para formar uma pupa e, em seguida, fixando-se na planta ou ocultando-se no solo próximo até poder emergir como mariposa ou borboleta. Nessa disputa por esperteza, insetos e plantas vêm evoluindo juntos há milhões de anos e, em muitos casos, não conseguem viver ou reproduzir-se sem se ajudar mutuamente. Enquanto muitas espécies de insetos se alimentam de plantas, estas também dependem dos insetos para a reprodução, por meio da polinização. Sem os insetos, muitas espécies de plantas deixariam de existir.

Mas como as plantas puderam prosperar se o seu número é superado, em muito, pelo de insetos, alguns exclusivamente herbívoros, que existem na Terra? 

Figura 1. (A) A imagem de plantas de erva-moura (PEM) brotando no campo como erva-daninha. (B) Imagem ampliada da folha de PEM. (C) Imagem de microscopia eletrônica de varredura (IMEV) da mesma folha ampliada 100 vezes, com tricomas (pelos) visíveis. (D) A imagem ampliada de um único tricoma destaca sua estrutura afilada com uma cabeça espigada e partes pontiagudas (cerca de 25), responsáveis por fazer buracos em insetos predadores herbívoros. (E) Lagarta-do-tabaco em uma planta de urtiga. (F) Uma lagarta de borboleta com bordas em uma planta de girassol. (G) Uma lagarta de borboleta-de-repolho em uma folha de agrião. (H) Uma lagarta-do-cartucho em um tomateiro. Todas as plantas hospedeiras possuem tricomas que variam em tipo e densidade. (Créditos da imagem: Rupesh Kariyat e Ishveen Kaur.)

As defesas das plantas contra os insetos

As plantas são na sua maioria estáticas, e aos olhos destreinados parecem indefesas. Porém, uma análise mais profunda pode mostrar-nos uma vasta gama de defesas químicas e físicas empregadas por elas para se proteger de insetos prontos para comê-las e possivelmente dizimá-las. As plantas têm defesas químicas invisíveis para nós, que as usam para impedir os ataques dos insetos. Essas defesas incluem a emissão de compostos voláteis para atrair outros organismos que se alimentam de insetos e que, assim, protegem indiretamente a planta [2]. Algumas plantas são tóxicas ou têm um sabor horrível e, por isso, se defendem diretamente dos insetos.

Além do mais, como você deve saber, algumas plantas possuem espinhos grossos que podemos ver e – pior ainda – sentir. Elas também dispõem de defesas físicas que não são tão facilmente percebidas. Insetos herbívoros, como a lagarta que acabou de eclodir do ovo, devem encontrar um local na superfície da folha para começar a se alimentar: é onde está a primeira linha de defesa, os chamados tricomas (Figuras 2E, F). Muitas vezes pensamos que os animais são os únicos organismos com pelos ou cabelos, mas cerca de 80% das plantas também os possuem em muitas de suas estruturas. 

Figura 2. Imagem IMEV de (A) cabaça com ampliação de 400 vezes, mostrando tricomas não glandulares (1) e glandulares (2). (B, C) Um tricoma glandular ampliado 600 e 800 vezes, respectivamente. (D) A mesma folha ampliada 450 vezes. Podem ser observados tricomas glandulares volumosos e globulares que abrigam toxinas químicas (1) e tricomas não glandulares em forma de gancho (2). (E) Folha de girassol ampliada 200 vezes. (F) Folha de abóbora ampliada 100 vezes. 

Como as plantas usam os tricomas para se defender de insetos

Os tricomas estão presentes em várias partes das plantas, como folhas, caules e frutos, e funcionam, de maneira verdadeiramente fascinante, como barreiras formidáveis contra uma ampla gama de insetos herbívoros. Mas possuem outras funções, também.

Por exemplo, se fizer muito calor, servem de cobertura para produzir sombra, reduzir a perda de água e proteger contra a radiação ultravioleta do sol. Entretanto, sua função de proteção contra os insetos é a parte mais interessante. Os tricomas das plantas variam muito em tamanho, forma e número (Figura 2). Um tapete de tricomas na superfície da folha pode atrasar a alimentação da lagarta, dependendo da densidade [3], ou seja, se uma planta tiver mais tricomas, as lagartas demorarão mais para encontrar um local ou atravessar esses pelos até chegar à epiderme – a primeira camada foliar nutricional. Alguns tricomas são pontiagudos e podem fazer buracos nos corpos moles da lagarta (Figuras 2A, D). Surpreendentemente, algumas plantas podem até mesmo aumentar o número de tricomas nas folhas novas enquanto as velhas estão sendo comidas – preparando essas folhas jovens contra danos futuros! 

De modo geral, os tricomas se dividem em dois tipos: o glandular e o não glandular. Os tricomas não glandulares são apêndices pontiagudos e espinhosos que dificultam o movimento dos insetos herbívoros, agindo como uma barreira física (Figuras 2A, D) [4, 5]. Em muitos casos, eles parecem estrelas. Essas agulhas afiadas também são enriquecidas com substâncias duras como sílica e carbonato de cálcio, que podem embotar os dentes da lagarta e dificultar sua mastigação. Além de restringir a capacidade de alimentação da lagarta, os tricomas também são prejudiciais quando entram no intestino da lagarta. Eles perfuram a parede intestinal, fazendo com que a comida se misture ao sangue. Isso pode provocar infecções perigosas e ativar o sistema imunológico da lagarta [6].

Os tricomas glandulares, por outro lado, têm cabeças globulares inchadas (como tanques de água) que contêm compostos tóxicos ou pegajosos capazes de capturar herbívoros ou matá-los quando ingeridos (Figuras 2A–C). Em alguns casos, as cabeças globulares produzem também compostos malcheirosos que repelem os herbívoros. Assim, podemos dizer que esses minitanques de água espirram toxinas assim que recebem um sinal de perigo de qualquer tipo de ataque de inseto. Em resumo, os tricomas – os pelos de aparência inofensiva nas folhas das plantas – protegem-nas de várias maneiras, antes e depois dos ataques de lagartas e de outros insetos. 

Como os insetos tentam resolver esse problema “peludo”? 

Quer dizer então que as plantas vencem com facilidade a batalha contra os insetos? Na verdade, não. Os insetos coevoluíram de várias maneiras para vencer as defesas das plantas.

Alguns insetos podem raspar tricomas de partes das folhas, como se cortassem grama. Se você observar atentamente uma lagarta-do-tabaco em um tomateiro, verá que ela navega ao longo da superfície da folha até encontrar um bom local, com menos tricomas, ou viaja ao longo das bordas para evitá-los. Alguns insetos, como a lagarta da borboleta-tigre, tecem fibras de seda sobre os tricomas para criar uma superfície lisa que os ajude a atravessar uma área áspera da folha. O sistema digestivo de algumas lagartas permite-lhes comer tricomas sem quaisquer efeitos tóxicos, de modo que elas sempre podem se alimentar dessas plantas [7]. Outros insetos espalham uma espessa camada de secreção sobre os tricomas, evitando assim o contato direto com eles [8]. 

Para que estudar esses “pelos”? 

Em suma, os tricomas exercem diversas funções e suas estruturas únicas têm o potencial de proteger as plantas de diversas maneiras contra os herbívoros que desejam se alimentar delas. No entanto, alguns insetos desenvolveram maneiras próprias de contornar essas defesas das plantas. Isso é fascinante porque descreve claramente como as plantas e os insetos competem entre si em uma corrida evolutiva pela sobrevivência e também porque podemos manipular os tricomas a fim de proteger as plantas, o que faz deles uma interessante área de pesquisa.

Seria ótimo que os cientistas estudassem o papel de cada tipo de tricomas com mais profundidade, para entender por que existem variações tão grandes em sua densidade e tipo entre as famílias de plantas. Talvez essa variação ajude as plantas a se defender contra vários grupos de insetos. Por exemplo, se um percevejo, e não uma lagarta, se alimentasse de uma planta, diferentes tipos de tricomas ajudariam mais contra um inseto do que contra o outro? À medida que as espécies de pragas se multiplicam em consequência das alterações climáticas globais, precisamos compreender melhor como os tricomas trabalham em conjunto para proteger as plantas, pois isso nos ajudará a elaborar estratégias integradas de controle de pragas para combater os insetos prejudiciais que se alimentam das culturas agrícolas. 

Glossário

Fotossíntese: Processo biológico pelo qual as plantas produzem e armazenam alimento na forma de açúcares. 

Serviços Ecossistêmicos: Ações praticadas por organismos em benefício do ecossistema. 

Herbívoros: Comedores de plantas.

Polinização: Transferência do pólen dos órgãos reprodutores masculinos para os órgãos reprodutores femininos. 

Compostos voláteis: Compostos químicos liberados pelas plantas, neste caso para pedir a ajuda dos predadores dos insetos que as estão atacando. 

Tricomas: Protuberâncias semelhantes a pelos usadas pelas plantas para sua defesa. 

Tricomas não glandulares: Tipo de tricomas cuja função primária é deter insetos mecanicamente, para que eles não ataquem a planta. 

Tricomas glandulares: Tipo de tricomas que contêm toxinas ou substâncias prejudiciais aos predadores de insetos. 

Referências

[1] Fernando, W. G. D. 2012. “Plants: an international scientific open access journal to publish all facets of plants, their functions and interactions with the environment and other living organisms.” Plants 1:1–5. DOI: 10.3390/plants1010001. 

[2] Peñaflor, M. F. G. V. e Bento, J. M. S. 2013. “Herbivore-induced plant volatiles to enhance biological control in agriculture.” Neotrop. Entomol. DOI: 10.1007/s13744-013-0147-z.

[3] Kaur, J. e Kariyat, R. 2020. “Role of trichomes in plant stress biology”, em Evolutionary Ecology of Plant-Herbivore Interaction (Cham: Springer International Publishing), pp. 15–35. 

[4] Kariyat, R. R., Hardison, S. B., Ryan, A. B., Stephenson, A. G., De Moraes, C. M. e Mescher, M. C. 2018. “Leaf trichomes affect caterpillar feeding in an instar-specific manner.” Commun. Integr. Biol. 11:1–6. DOI: 10.1080/19420889.2018.1486653.

[5] Kariyat, R. R., Raya, C. E., Chavana, J., Cantu, J., Guzman, G. e Sasidharan, L. 2019. “Feeding on glandular and non-glandular leaf trichomes negatively affect growth and development in tobacco horworm (Manduca sexta) caterpillars.” Arthropod. Plant Interact. 13:321–33. DOI: 10.1007/s11829-019-09678-z.

[6] Kariyat, R. R., Smith, J. D., Stephenson, A. G., De Moraes, C. M. e Mescher, M. C. 2017. “Non-glandular trichomes of Solanum carolinense deter feeding by Manduca sexta caterpillars and cause damage to the gut peritrophic matrix.” Proc. Biol. Sci. 284:20162323. DOI: 10.1098/rspb. 2016.2323.

[7] Kaur, I., Watts, S., Raya, C., Raya, J. e Kariyat, R. 2022. “Surface warfare: plant structural defenses challenge caterpillar feeding”, em Caterpillars in the Middle (Cham: Springer), pp. 65–92. 

[8] Wheeler, A. G. Jr. e Krimmel, B. A. 2015. “Mirid (Hemiptera: Heteroptera) specialists of sticky plants: adaptations, interactions, and ecological implications.” Annu. Rev. Entomol. 60:393–414. DOI: 10.1146/annurevento-010814–020932. 

Citação

Vasquez, A., Kaur, I. e Kariyat R, (2022). “Why are some plants hairy?” Front. Young Minds. 10:739393. DOI: 10.3389/frym.2022.739393. 

Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br