Astronomia e Física 1 de março de 2023, 11:23 01/03/2023

Por que colocamos telescópios no topo das montanhas?

Autores

Jovens revisores

Uma montanha com uma estrada passando por ela. No alto da montanha há um domo para telescópio

Resumo

Os telescópios são os instrumentos fundamentais que os astrônomos usam para fazer descobertas sobre o Universo. Com os avanços tecnológicos dos últimos vinte anos, agora é possível criar redes de telescópios robóticos. Estas redes estão começando a revolucionar as investigações científicas e, também, a torná-las acessíveis a alunos e professores, de um modo nunca visto anteriormente.

Uma breve história do telescópio

Durante a Idade Média, se você contemplasse para o céu noturno, encontraria algo muito diferente do que vemos hoje. Isso ocorre, em parte, porque os céus agora estão muito mais claros devido aos postes de luz e a outras fontes de iluminação externa que existem em todos os lugares, exceto aqueles mais remotos. E também porque nossa compreensão moderna do Universo é totalmente diferente da compreensão dos antigos.

 Para os povos antigos, as estrelas pareciam ser pontos fixos de luz, que eram interrompidos apenas por planetas que vagavam lentamente pelo céu noturno. Ocasionalmente, havia o brilho de um meteoro, uma estrela cadente de vida curta. Muito raramente, um cometa podia ser visível no céu e, ainda mais raramente, uma explosão de supernova  clareava repentinamente o céu durante meses ou, às vezes, anos. 

Quatrocentos anos atrás houve uma revolução, pois a Europa Ocidental começou a refletir sobre arte e ciência de uma maneira muito diferente, semelhante ao pensamento dos antigos gregos. Esse período foi chamado de Renascimento. Durante o Renascimento, no início do século 17, o telescópio astronômico foi “inventado” quase simultaneamente por Thomas Harriot e Galileu Galilei (o telescópio na verdade foi inventado por Hans Lipparshey, mas Harriot e Galileu seriam os primeiros a usá-lo para a astronomia). 

A ciência mudou para sempre. Galileu observou Júpiter e descobriu ao seu redor luas que orbitavam o próprio planeta, e não o Sol e a Terra. Ficou fascinado com Júpiter e suas luas, convencendo-se de que eles eram similares ao sistema solar, porém com o Sol no centro, e não a Terra. Galileu teve muitos problemas por afirmar isso. Sua conclusão era contrária à doutrina oficial da Igreja. Estava aí a origem dos problemas que teve de enfrentar; mas pode ter sido também porque ele era um pouco agressivo ao expressar suas opiniões e fizera inimigos poderosos. De qualquer maneira, Galileu ficou em prisão domiciliar. 

Isaac Newton, famoso por sua teoria da gravidade e suas leis do movimento, também foi um pioneiro na teoria e no uso de lentes e espelhos. Inventou um telescópio que usava um espelho, em vez de apenas lentes, que se tornou a base da astronomia óptica moderna. Os telescópios de espelhos podem ser muito maiores do que os de lentes e também mais curtos do que os refratários ou baseados em lentes. 

Gradualmente, à medida que mais e melhores telescópios foram apontados para o céu noturno, nossa compreensão do Universo se expandiu. Chegou um ponto em que o telescópio ficou limitado não por sua tecnologia, mas por sua localização. Os primeiros telescópios de Galileu, Harriot e Newton foram uma grande melhoria em relação às observações a olho nu, mas, quando a tecnologia evoluiu para ajustar o processo de construção de um telescópio, outro problema apareceu. 

Telescópios remotos

A atmosfera terrestre é essencial para a sobrevivência do ser humano, pois nos permite respirar, mantém longe o frio do espaço e nos protege da radiação nociva do Sol, bem como dos raios cósmicos, dos pequenos meteoros e de outros perigos do espaço. No entanto, a atmosfera apresenta muitos problemas para os astrônomos, porque ela faz com que a luz das estrelas cintile ou “pisque”. Trata-se de um efeito muito semelhante à névoa produzida pelo calor e provém de bolsões da atmosfera que estão sempre mudando em termos de temperatura e densidade. 

O ato de minimizar o efeito da atmosfera nas observações feitas por telescópios resulta em uma enorme diferença na qualidade das imagens obtidas. A astronomia é uma ciência diferente, no sentido de ser quase totalmente passiva. Em geral, as pessoas se posicionam na Terra e coletam luz, pois isso é quase tudo que podemos fazer para aprender sobre o Universo. Para ser um astrônomo, você precisa se mostrar engenhoso e extrair cada pedacinho de dado de cada partícula de luz do espaço. Só recentemente conseguimos viajar pelo espaço, e a distância que percorremos é microscópica em comparação com a distância a que estão os objetos que observávamos ao telescópio. Ainda demorará muito para podermos visitar outras estrelas e galáxias a fim de descobrir mais sobre como elas se formaram, ou fazer medições de um buraco negro de perto. 

A necessidade de minimizar a interferência da atmosfera e extrair o máximo de informação possível da pequena quantidade de luz disponível significa que precisamos colocar nossos telescópios em locais estranhos e exóticos, como no topo das montanhas ou mesmo no cume de vulcões adormecidos. Essas localizações remotas minimizam a cintilação porque a atmosfera é mais rarefeita ali. Se um local for escolhido com cuidado, também podemos eliminar o brilho das luzes externas, que refletem na atmosfera e dão ao céu uma claridade artificial. A qualidade do ar é importante para boas observações porque qualquer partícula no ar irá refletir a luz e, também, fazer o céu brilhar. Por fim, o clima exerce um impacto substancial na qualidade das observações. O ideal é que os observatórios sejam instalados o mais alto possível, acima das nuvens. 

Levando em consideração todos esses fatores, é boa ideia instalar um observatório em um local remoto, longe de cidades e áreas construídas, alguns quilômetros acima do nível do mar (ver Figura 1). 

Figura 1. Monte Haleakala em Maui, Havaí. Esse local é o lar de muitos observatórios astronômicos, incluindo o Observatório Las Cumbres, da rede do Havaí. 

Uma vez instalado o telescópio em um local de excelente localização, o desafio passa a ser o uso eficaz desse instrumento para pesquisas científicas. Ao contrário dos telescópios que você pode comprar para usar em casa, os dos astrônomos raramente apresentam as peças chamadas oculares, e são poucos os profissionais que olham através de oculares para registrar as medições. Em vez disso, muitos telescópios captam a luz visível usando dispositivos de carga acoplada (DCAs) para capturar a luz.

Os DCAs são os dispositivos no interior de todas as câmeras digitais que detectam partículas de luz. Conectar uma câmera digital de alta qualidade a um telescópio oferece aos astrônomos uma maneira confiável de medir com precisão a quantidade de luz transmitida por uma fonte astronômica. Ao usar filtros coloridos com essas câmeras, os astrônomos podem avaliar o aspecto de cada alvo astronômico em cores diferentes. Combinar essa observação com o conhecimento de astrofísica permite aos astrônomos entenderem o que é o objeto, e por quais processos ele passa ao longo da vida. 

Telescópios robóticos

Se você tiver apenas um telescópio, ficará à mercê do clima. Muitos observatórios ainda exigem a presença de astrônomos no local para operá-los, o que pode ser muito frustrante se o tempo estiver ruim. 

Usando sistemas cuidadosamente projetados para monitorar coisas como clima, condições do céu e do telescópio, telemetria do telescópio, controle sobre todos os aspectos mecânicos e elétricos do observatório e sua conexão com a internet, a maioria dos observatórios pode ser operada à distância e por via robótica. Esses observatórios ainda exigem que uma pessoa tenha controle remoto de todos os aspectos de sua operação, como por exemplo abrir a cúpula do observatório, mover o telescópio e iniciar a exposição da câmera. A chave, no entanto, é que essa pessoa pode estar em qualquer lugar do mundo enquanto controla o telescópio [1]. 

Observação Robótica Automatizada

Depois que um observatório é configurado para funcionar em operação remota, a parte realmente desafiadora consiste em afastar o operador do telescópio e tornar o observatório capaz de “pensar” por si mesmo, de maneira limitada. Isso requer programas de computador sofisticados, que possam tomar decisões sobre se as condições do céu são boas e o que observar, a partir de uma sequência de passos pré-agendada. Recursos de back-up também devem ser incorporados, para o caso de algo dar errado. Se o telescópio travar durante o giro (movimento para a posição desejada), o cérebro digital do observatório tem de reconhecer os sinais e alertar uma pessoa para que o aparelho não sofra danos e possa ser consertado. 

Um observatório operado a distância exige muito esforço e investimento, mas faz a diferença entre um equipamento médio e outro mais eficiente, de primeira linha.

O ideal é que o cérebro digital do observatório também receba solicitações de observação dos astrônomos de todo o mundo e as coloque em uma programação eficiente, com um número mínimo de lacunas. Isso permitirá mais observações de mais objetos astronômicos por mais pessoas, aumentando significativamente a produtividade do observatório. Quando o observatório possui uma memória online de seus dados, os astrônomos podem observar e analisar esses dados em minutos [2]. 

Uma rede de telescópios robóticos inteligentes

Resta o problema de ter apenas um telescópio, em caso de mau tempo ou período prolongado de manutenção. A resposta é simples: construa mais telescópios e construa-os em localizações diferentes. Ter telescópios nos hemisférios norte e sul, espalhados por toda a Terra, permite a observação do céu inteiro. E, melhor ainda, adicionar uma conexão à internet e algum software especial pode criar uma rede de telescópios mais poderosa do que a soma de suas partes. Um observatório assim se torna global e seu cérebro digital conta com muito mais recursos. Uma rede de telescópios robóticos praticamente garante que sempre haverá, no globo, algum lugar adequado para a observação de importantes fenômenos astronômicos. 

Como observar o universo em mudança

Boa parte da pesquisa em astronomia moderna se ocupa de coisas que estão mudando em escalas de tempo de minutos ou dias, não milênios. Explosões de estrelas gigantes, asteroides que passam perto da Terra e novos planetas fora do Sistema Solar são exemplos de fenômenos que precisam ser investigados rapidamente. Se esses tipos de eventos não forem estudados em minúcia logo após sua descoberta, eles poderão não se repetir e a oportunidade de aprender mais a seu respeito estará perdida (veja a Figura 2). 

Figura 2. Supernova SN2011fe na distante galáxia Pinwheel. A supernova parece uma estrela brilhante pertencente à nossa própria galáxia, mas ela está na verdade milhões de vezes mais longe, em uma galáxia distante. É uma estrela muitas vezes maior do que o Sol que explodiu quando chegou ao fim da vida. A mudança de seu brilho com o tempo foi a chave para entender esse tipo de fenômeno, tarefa possível unicamente graças ao uso de uma rede de telescópios robótica. A imagem foi obtida usando-se a rede de telescópios robóticos do Observatório Las Cumbres.

A maioria desses fenômenos interessantes é encontrada por telescópios gigantes que examinam regularmente todo o céu. Dado que seu trabalho é escanear continuamente o firmamento, quando encontram algo novo, eles não têm tempo para captar os detalhes. É aqui que os telescópios robóticos desempenham um papel único. Telescópios robóticos podem ser alertados sobre uma nova descoberta e começar a observá-la de imediato. Fazer medições rapidamente é muitas vezes essencial para entender a realidade científica que está por trás desses eventos emocionantes. Essas observações e medições ajudam os astrônomos a entender o Universo de um modo que nunca foi possível antes. 

Educação

Os telescópios robóticos também têm um papel importante a desempenhar na educação. Alunos e professores agora podem usar alguns dos observatórios profissionais tecnologicamente mais avançados e de alta qualidade do mundo para suas próprias investigações. Graças a esses observatórios robóticos online, os alunos nas escolas podem fazer descobertas e publicar seus resultados de pesquisa sem sair da sala de aula. 

A capacidade dos telescópios aumenta constantemente e só tende a melhorar com o tempo. Quatrocentos anos atrás, com um telescópio de poucos palmos de comprimento, Galileu revolucionou o modo como enxergamos o Universo. Hoje, usando telescópios robóticos, astrônomos amadores e profissionais, estudantes e professores podem mudar inteiramente nossa visão do Universo fazendo suas próprias descobertas importantes. 

Glossário

Supernova:  Explosão de uma estrela gigante no fim de sua vida. 

Observação: Ação de apontar um telescópio para uma certa parte do céu e depois tirar fotos. 

Observatório: Edifício que abriga um telescópio (ou telescópios). 

Dispositivo de Carga Acoplada (DCA): Dispositivo usado dentro de câmeras digitais para gravar a luz e transformá-la em imagens digitais. 

Telemetria: Informação enviada de equipamentos de detecção como telescópios para um (muitas vezes longe) centro de controle. No caso dos telescópios robóticos, a informação pode ser sobre a posição do telescópio ou medições feitas por sensores do clima. 

Giro: Movimento de um telescópio para se posicionar e observar um alvo. 

Leitura adicional

[1] SkyNet. Disponível online em: https://skynet.unc.edu/.

[2] Las Cumbres Observatory. Disponível online em: https://lco.global.

Citação

Gomez, E. (2019). “Why Put Telescopes at the Top of Mountains and Other Strange Places?” Front. Young Minds. 7:90. DOI: 10.3389/frym.2019.00090. 

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