Saúde Humana 23 de novembro de 2022, 09:21 23/11/2022

Por que é importante aperfeiçoar vacinas contra a tuberculose latente?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de três crianças. À esquerda, um menino tosse e espirra perdigotos na cara do outro. À direita, uma menina com uma camiseta escrita

Resumo

A tuberculose (TB) é uma doença contagiosa disseminada pelas pessoas que carregam a bactéria Mycobacterium tuberculosis nos pulmões. Ela é expelida pela tosse. A TB pode ser fatal, sobretudo em crianças, de modo que a vacinação após o nascimento é recomendada nos países que contam com grande número de infectados. Hoje, a única vacina disponível não funciona contra a forma latente da infecção. Durante o período latente da TB, a M. tuberculosis permanece “adormecida” na pessoa infectada, sem causar problemas; mas, se o sistema imunológico (as defesas) dessa pessoa enfraquecer, a bactéria “despertará” e provocará a doença, acompanhada de tosse, e pode contaminar quem esteja por perto. Neste artigo, proponho algumas ideias para aperfeiçoar vacinas e prevenir a TB latente, como um meio de reduzir as chances de novos ciclos infecciosos após o “despertar” da bactéria adormecida.

Introdução

O que é uma vacina? Na definição mais simples possível, é uma mistura de um ou mais micróbios(vírus ou bactérias), ou de partes desses organismos, para estimular as defesas do corpo e ajudá-lo a eliminar o micróbio invasor ou reduzir o dano causado por qualquer doença que ele provoque [1] (por exemplo, tosse descontrolada, perda de peso, paralisia, febre alta, etc.).

O objetivo da vacina é prevenir doenças, e um dos maiores desafios para se criar uma consiste em estimular o corpo de forma suficiente para permitir que suas defesas contra o micróbio invasor entrem em ação sem provocar efeitos colaterais indesejáveis, como sudorese e dor. Em geral, os cientistas fazem experiências a fim de determinar até que ponto uma possível vacina protegerá contra uma infecção e em que medida ela é segura.

As vacinas funcionam de forma diferente em pessoas diferentes devido a fatores ambientais (por exemplo, outros micróbios infecciosos a que a pessoa possa estar exposta ou a qualidade e a quantidade de alimento que ela ingere), bem como a diferenças básicas no modo como a defesa de cada uma reage. Devido a essas diferenças, é boa ideia testar vacinas em grupos variados de pessoas nos chamados estudos clínicos. Também é importante considerar que uma vacina talvez não funcione em alguns países porque, neles, os micróbios podem ser ligeiramente diferentes dos usados para desenvolvê-la.

O que é necessário para descobrir uma vacina melhor contra a tuberculose?

A tuberculose (TB) é um problema de saúde pública bastante grave. Calcula-se que, em 2014, 9,6 milhões de pessoas desenvolveram a doença e quase 2 milhões morreram, e Índia, Indonésia e China respondem por quase metade dos casos ocorridos no mundo [1]. A TB é provocada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, que é disseminada de pessoa a pessoa por meio do ar, quando alguém contaminado com a doença tosse, conversa ou espirra. Estima-se que um terço das pessoas infectadas com essa bactéria não fica doente, mas conserva-a escondida em seus corpos, no que os médicos chamam de estado “latente” (ou inativo).

Atualmente, só há uma vacina contra a TB aprovada para humanos, chamada Mycobacterium bovis Bacillus Calmette-Guérin (BCG). Ela foi ministrada a mais de três bilhões de pessoas desde seu desenvolvimento em 1921, e cerca de 115 milhões de doses são aplicadas em recém-nascidos anualmente. A vacina BCG é feita de bactérias vivas, mas enfraquecidas em laboratório para não causarem a doença. Esse tipo de vacina, que usa bactérias enfraquecidas mas ainda vivas, recebe o nome de vacina viva atenuada. 

Vacinas vivas atenuadas, como a BCG, geralmente funcionam muito bem na prevenção de infecções causadas pelo micróbio real. Infelizmente, a vacina viva BCG não protege bem as pessoas contra todos os diferentes tipos de TB que existem na natureza – protege contra uns, contra outros, não. E nas pessoas com TB latente, não evita por completo que as bactérias adormecidas “acordem” e provoquem a doença. Portanto, se quisermos proteger todos contra a TB, precisaremos de uma vacina mais forte e melhor.

Vacinas candidatas contra a tuberculose latente

Nos últimos cinco anos, mais ou menos, os cientistas têm tentado criar uma vacina que impeça as pessoas com TB latente de adoecerem. As estratégias e motivos que os levam a pensar que essas novas vacinas candidatas serão melhores do que a atual BCG estão descritos na Tabela 1. Uma delas é feita de uma mistura de duas substâncias encontradas em ratos com TB: uma dessas substâncias é produzida pelas bactérias TB quando o rato está de fato doente e a outra durante a infecção crônica. Até agora, essa vacina já foi testada em ratos e macacos. Em ambos, ela parece impedir que os animais com infecção latente fiquem enfermos. Outros tipos de vacina também estão sendo testados em animais, embora até o momento nenhum deles pareça promissor.

Tabela 1. Estratégias para desenvolver novas vacinas contra a tuberculose.

Meu grupo de pesquisa também tem trabalhado arduamente para desenvolver uma vacina melhor contra a TB. Pegamos a mesma bactéria da BCG usada na vacina existente e a modificamos em laboratório, eliminando um de seus genes. Genes são “instruções” presentes no interior das células que a ajudam a viver, crescer e desempenhar suas funções. Descobrimos que eliminar um gene específico faz com que o corpo detecte mais facilmente a bactéria e ela seja, portanto, mais eficientemente combatida pelo sistema imunológico. Descobrimos também que, pelo menos em ratos, essa vacina BCG modificada impede até certo ponto que a bactéria adormecida desperte e provoque a doença. Isso significa que nossa nova vacina talvez seja melhor que a disponível atualmente.

Acabamos de obter autorização para publicar nossos resultados num periódico científico e estamos planejando novos experimentos para ter certeza de que essa vacina realmente ajudará a controlar a TB latente. Esperamos ter criado uma vacina que finalmente funcione para proteger as pessoas contra todos os diferentes tipos de TB. E esperamos também que ela seja segura e útil para o tratamento de outras doenças, como o HIV. As pessoas com HIV têm mais probabilidade de contrair a TB porque seu sistema imunológico é fraco. Talvez uma vacina nova consiga diminuir ou deter a disseminação da TB no mundo. A Figura 1 mostra os aspectos básicos da infecção latente da TB e o desenvolvimento da vacina.

Figura 1. Representação sumária da infecção tuberculosa latente e do desenvolvimento da vacina.

Glossário

Vacina: Mistura feita de um ou mais micróbios (vírus ou bactérias) ou de partes desses organismos com o objetivo de estimular as defesas do corpo e ajudá-lo a eliminar o invasor ou reduzir os danos causados por qualquer doença provocada por micróbios [1] (por exemplo, tosse descontrolada, perda de peso, paralisia, febre alta, etc.).

Micróbios: Organismos minúsculos (da ordem de um milionésimo de metro ou até menores) que só podem ser vistos com instrumentos chamados microscópios. Alguns micróbios podem provocar doenças em pessoas, animais ou plantas; outros são usados para fabricar iogurte, queijo, pão e vinho, entre outros alimentos.

BCG: Bacilo de Calmette-Guérin, uma forma atenuada de Mycobacterium bovis que não provoca doença em pessoas saudáveis.

Atenuado: Micróbio normalmente capaz de provocar doença, mas que foi enfraquecido em laboratório e deixou de ser prejudicial, podendo assim ser usado pelo sistema imunológico a fim de estimular as defesas.

Infecção latente: Condição em que o micróbio permanece dentro da pessoa ou animal (e mesmo planta) sem lhes causar nenhum dano visível. 

Gene: Parte do material hereditário presente em toda célula viva e que a ajuda a trabalhar em sua capacidade máxima quando necessário.

Agradecimentos

Agradeço a meu filho, Xavier A. Flores-Barba, por ter sido uma inspiração para este trabalho e por sua ajuda na criação da Figura 1. O National Council of Science and Technology (CONACYT, projeto # 86396), no México, proporcionou ajuda financeira para o início de minha pesquisa de novas candidatas a vacinas contra a tuberculose. Sou grato ao dr. Rogelio Hernández-Pando e a César Pedroza-Roldán, meus colegas na exploração dessas ideias, por seu apoio constante.

Referências

[1] Disponível em: http://www.cdc.gov/vaccines/vac-gen/imz-basics.htm.

[2] Disponível em: http://www.who.int/tb/publications/global_report/gtbr15_main_text.pdf.

[3] Lin, P. L., Dietrich, J., Tan, E., Abalos, R. M., Burgos, J., Bigbee, C. et al. 2012. “The multistage vaccine H56 boosts the effects of BCG to protect cynomolgus macaques against active tuberculosis and reactivation of latent Mycobacterium tuberculosis infection.” J. Clin. Invest. 122:303–14. DOI: 10.1172/JCI46252.

Citação

Flores-Valdez, M. (2016). “Why is it important to improve vaccines against latent tuberculosis?” Front. Young Minds. 4:19. DOI: 10.3389/frym.2016.00019.

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