Astronomia e Física 28 de setembro de 2022, 12:25 28/09/2022

Por que você não pode escapar de um buraco negro?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma cachoeira e de um buraco negro

Resumo

Você já ouviu falar em buracos negros? Essa expressão soa como certos objetos de histórias de ficção científica. Eles são regiões densas e escuras do universo; sua força gravitacional é tão grande que nada lhes escapa – nem mesmo a luz! Por isso os buracos negros são tão negros: sem luz, não conseguimos vê-los. No entender dos físicos, eles são alguns dos objetos do universo mais excitantes para se estudar. Por quê? Porque, se uma coisa cair num buraco negro, jamais retornará. E ainda mais fantástico: as leis da física não nos dizem o que acontece quando algo cai num buraco negro e chega a seu centro. Ou seja, os buracos negros são grandes mistérios cósmicos. Neste artigo, apresentamos uma analogia que ajudará você a entender um pouco esses mistérios. Ela oferece uma maneira nova de pensar o tempo e o espaço.

O que é um buraco negro?

Os Buracos negrossão alguns dos objetos mais fascinantes do universo. Essas regiões escuras e densas do espaço possuem uma força de gravidade tão grande que nada lhes escapa – nem mesmo a luz. Por isso, não podemos ver buracos negros: são invisíveis aos nossos olhos. Como nada escapa deles, os físicos têm enorme dificuldade em entendê-los. Sequer as leis da física nos informam (pelo menos até agora) o que acontece quando alguma coisa cai num buraco negro. Assim, eles continuam um mistério cósmico, que inúmeros cientistas se esforçam para solucionar.

A fim de entender o que são os buracos negros (Figura 1), precisamos primeiro aprender um pouco mais sobre espaço e tempo. Dificilmente alguém teve uma ideia mais clara sobre espaço e tempo do que Albert Einstein, o famoso físico de cabelos desgrenhados. Embora Einstein usasse matemática avançada para desenvolver suas ideias a respeito do universo, podemos captar os elementos básicos delas recorrendo a ilustrações, analogias e imaginação. As analogias são ferramentas valiosas em física porque comparam conceitos científicos abstratos com noções familiares, do dia a dia [1]. O artigo usa a analogia de um rio para explicar por que não podemos escapar de um buraco negro [2].

Figura 1. Os buracos negros são regiões no espaço-tempo onde a gravidade é tão forte que nada lhes escapa – nem mesmo a luz. Por isso eles são negros e só podemos ver a matéria circundante nesta imagem. (Crédito da foto: Event Horizon Telescope CC BY 4.0.)

O que é o espaço-tempo?

Comecemos pela relatividade geral, a teoria de Einstein que liga o espaço e o tempo à gravidade. A teoria se baseia na ideia de Einstein segundo a qual não devemos pensar o espaço e o tempo como entidades separadas, mas como elementos conectados que formam o espaço-tempo. O espaço-tempo é nossa maneira de descrever todos os eventos do universo: onde acontecem e quando acontecem. Por exemplo, se você quer encontrar seus amigos depois da escola, é necessário combinarem onde (lugar) e quando (tempo) se encontrarão. Pensar conjuntamente em todos os lugares e tempos que há no universo constitui um tremendo desafio conceitual: o universo é grande demais! Como poderemos descrevê-lo?

O espaço-tempo flui como um rio

Felizmente, uma analogia pode vir em nosso socorro para entendermos o espaço-tempo. Ela compara a estrutura do espaço-tempo com o fluxo da água [2–4]. O espaço-tempo, longe dos planetas e estrelas, é achatado e liso, sem nenhum movimento, mais ou menos como um lago extenso e calmo. Você pode ficar parado ou nadar em qualquer direção, sem problemas. Esse cenário lembra o dos astronautas flutuando livremente no espaço exterior, onde podem com a maior facilidade ir para cima ou para baixo, para a direita ou para a esquerda.

Mas o cenário muda quando contemplamos o espaço-tempo rodeando objetos maciços como planetas, estrelas e buracos negros. Nas imediações desses objetos cósmicos, ele já não é achatado e liso, mas encurvado e turbilhonante, da mesma forma que rios ou correntes violentas. Imagine algumas correntes impetuosas fluindo por algumas partes de um lago. Você não consegue ver ou perceber a presença delas quando está muito longe dali, pois a água à sua volta permanece calma. Mas, se nadar para uma parte diferente do lago, perto de uma das correntes, começará a sentir que está sendo arrastado por ela. Da mesma maneira, os astronautas sentem a força gravitacional dos planetas quando chegam muito perto deles.

Se a corrente for muito fraca, você estará perto de um riacho-planeta, como o espaço-tempo em volta da Terra. Entretanto, a atração ficará mais forte nas cercanias de um rio-estrela, como o espaço-tempo ao redor do Sol, e mais forte ainda nas proximidades de uma torrente-buraco negro. Quanto mais perto você estiver da corrente, mais depressa precisará nadar caso queira fugir de sua poderosa atração. Precisará fazer muita força para voltar à zona calma do lago, onde poderá permanecer tranquilo, boiando e tomando sol. O mesmo se aplica ao espaço-tempo: quanto mais perto você estiver de um objeto cósmico, mais difícil achará fugir da gravidade desse objeto.

Uma explicação melhor para a gravidade

A analogia do rio ilustra uma ideia-chave da teoria de Einstein: o espaço e o tempo estão ligados à gravidade. Gravidade é aquilo que faz maçãs caírem das árvores e mantém você preso ao chão. Você certamente já ouviu dizer que gravidade é uma força de atração entre objetos maciços: a massa da Terra atrai tudo para seu centro e é essa atração que associamos à força da gravidade.

Essa descrição da gravidade é uma explicação muito boa do que acontece na Terra. Contudo, Einstein percebeu que uma explicação ainda melhor poderia descrever todos os processos no universo: uma explicação do espaço-tempo! Segundo sua teoria, a gravidade modela a estrutura do espaço-tempo. Objetos maciços como planetas e estrelas fazem o espaço-tempo se curvar e o espaço-tempo curvo faz esses objetos se moverem. Graças à analogia do rio, esse jogo entre espaço-tempo e gravidade é fácil de entender. Mover-se pelo espaço-tempo é como nadar num lago. Não havendo planeta ou estrela, você nada: a água é calma e você pode flutuar de cá para lá do mesmo modo que um astronauta flutua no espaço. Perto de um planeta, a água não é mais um lago e sim um rio. Você é puxado pelo planeta com o rio, da mesma maneira que um objeto próximo no espaço é puxado pelo chão aqui na Terra.

A teoria de Einstein sobre a gravidade foi revolucionária porque oferecia uma forma melhor de pensar o universo. A relatividade geral também previu a existência de buracos negros, esses lugares onde a torrente do espaço-tempo é tão forte que nada lhe escapa, nem sequer a luz. É como uma rua cósmica de mão única: objetos podem cair num buraco negro, mas nada pode voltar. Esquisito, não? A princípio, Einstein achou que os buracos negros eram estranhos demais para existir. Talvez as equações estivessem lhe pregando uma peça e ele não as tivesse compreendido por completo. Porém, quanto mais ele e outros físicos estudavam as equações, mais convencidos ficavam de que os buracos negros existiam.

Queda num buraco negro

Não iremos, é claro, usar equações para explicar os buracos negros a você. Usaremos a analogia menos complicada do rio, que nos ajudará a entender o que aconteceria se você caísse num buraco negro. Imagine que está de volta ao lago e esse lago é contíguo a um rio de forte corrente. Se você se aproximar muito do rio e não fizer nada, ele o puxará. Você começará a se mover com o rio, em velocidade cada vez maior. Então, cansado de ser levado pelo rio, decide nadar de volta ao lago. Mas nota que, quanto mais se distancia do lago, mais depressa precisa nadar para voltar. E seu esforço depende do lugar onde se encontra: escapar de um riacho-planeta exige menos esforço do que escapar de um rio-estrela. Todavia, se você estiver em forma, conseguirá!

Já as torrentes-buracos negros possuem um fluxo bem mais forte que os riachos-planetas e os rios-estrelas. Além disso, são torrentes especiais em outro sentido: formam cachoeiras! Quando você se aproxima da cachoeira, nada lhe parece estranho ou inusitado: sua velocidade continua aumentando e você vai sendo levado cada vez mais longe pelo rio. Mas, ultrapassada a cachoeira, constata que já não pode voltar (Figura 2). Mesmo que nade freneticamente, não consegue subir pela cachoeira – a corrente é forte demais e continua levando-o para longe. Seus amigos não podem ajudá-lo, pois estão no alto da cachoeira e você embaixo: não o veem nem o ouvem.

Figura 2. A analogia do rio compara o horizonte de eventos de um buraco negro a uma cachoeira: depois que você despencou por ela, não pode nadar de volta até o alto. O mesmo é verdadeiro para os buracos negros: você não conseguiria sair depois de cruzar o horizonte de eventos.

Os físicos observam um fenômeno similar em redor dos buracos negros, que chamam de horizonte de eventos. Assim como a cachoeira assinala o ponto de não retorno em nosso lago imaginário, o horizonte de eventos assinala o ponto de não retorno em volta de um buraco negro. Em vez da água, é a gravidade que o puxará e o impedirá de regressar.

Imagine o horizonte de eventos como uma superfície em volta do buraco negro. Tudo que estiver fora dessa superfície – inclusive astronautas, foguetes ou luz – poderá escapar do buraco negro. Mas, depois que essa superfície for cruzada, nada escapará, independentemente de sua velocidade, devido à fortíssima atração gravitacional exercida pelo centro do buraco negro. Não escapará nem a luz – que é a coisa mais rápida do universo! Ora, como a luz não consegue escapar, não se pode ver o que há dentro do horizonte de eventos. É mais ou menos como o horizonte da Terra, para além do qual não se vê coisa alguma [5]. Eis por que os físicos são tão fascinados por buracos negros: sabem que objetos continuam a existir depois de cruzar o horizonte de eventos, mas não há maneira de observarem exatamente o que acontece lá dentro porque a gravidade é forte demais.

Conclusão

A princípio, buracos negros e horizonte de eventos podem parecer misteriosos. Felizmente, a analogia do rio nos ajuda a desvendar esse mistério. Pensar por analogia é um truque sagaz que muitos cientistas empregam para explorar conceitos físicos complicados. A analogia do rio é matematicamente correta [2], mas não precisamos entender as equações do espaço-tempo para usá-la. Em vez de estudar essas complicadas equações, imaginamos o espaço-tempo como um rio em volta de um buraco negro. Depois, exploramos as propriedades dos buracos negros e do horizonte de eventos supondo que nós mesmos estávamos nesse rio e despencávamos de uma cachoeira. Sem dúvida, tamanha simplificação pode às vezes desorientar nossa imaginação [1, 4], motivo pelo qual os físicos precisam combinar imaginação e matemática para entender plenamente o mundo à sua volta.

Se você treinar sua imaginação e aprender bem matemática, quem sabe não conseguirá resolver os mistérios restantes dos buracos negros que ainda intrigam os físicos?

Glossário

Buracos negros:  Regiões do espaço-tempo onde a gravidade é tão forte que nem a luz pode escapar delas. A teoria da gravidade de Albert Einstein prediz a existência de buracos negros.

Analogias:  Comparações que descrevem uma coisa nos termos de outra. Os físicos usam analogias para entender e comunicar melhor alguns conceitos complicados (por exemplo, buracos negros), explicando-os por meio de ideias ao alcance de todos (por exemplo, rios).

Relatividade geral:  Teoria da gravidade de Albert Einstein, segundo a qual a matéria (planetas, estrelas, etc.) encurva o espaço e essa curvatura imprime movimento à matéria.

Gravidade:  Muitas vezes concebida como uma força de atração entre objetos maciços, a física moderna a descreve como a geometria curva do espaço-tempo.

Espaço-tempo:  Tecido do universo, composto pelos elementos interligados do espaço e do tempo. Os físicos empregam o conceito de espaço-tempo para descrever o que acontece no universo.

Horizonte de eventos:  Região, em torno de um buraco negro, que quando atravessada impede qualquer objeto de sair dele. É como despencar de uma cachoeira: não se pode nadar de volta.

Referências:

[1]  Kersting, M. e Steier, R. 2018. “Understanding curved spacetime – The role of the rubber sheet analogy in learning general relativity.” Sci. Educ. 27:593–623. DOI: 10.1007/s11191-018-9997-4.

[2]  Hamilton, A. J. S. e Lisle, J. P. 2008. “The river model of black hole.” Am. J. Phys. 76:519–32. DOI: 10.1119/1.2830526.

[3]  Taylor, E. F. e Wheeler, J. A. 2000. Exploring Black Holes: Introduction to General Relativity. San Francisco, CA: Addison–Wesley Longman.

[4]  Pössel, M. 2021. “Models and analogies in teaching general relativity”, em Teaching Einsteinian Physics in Schools (orgs. M. Kersting e D. Blair). New York, NY: Routledge, pp. 145-59.

[5]  Thorne, K. S. 1995. Black Holes & Time Warps. Einstein’s Outrageous Legacy. New York, NY: W. W. Norton & Company.

Citação

Kersting M. e Ruggiero, M. (2020). “Why can’t you escape a black hole?” Front Young Minds. 10:804654. DOI: 10.3389/frym.2022.804654.

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