Matemática 16 de novembro de 2022, 10:56 16/11/2022

Qual é a personagem mais importante em Frozen? O que as redes sociais podem nos dizer sobre o mundo

Autores

Jovens revisores

Uma menina pesando os personagens da animação

Resumo

Como determinamos a importância das personagens de um filme como Frozen – Uma Aventura Congelante? Podemos assistir, é claro, mas há também outras maneiras – usar matemática e computadores – para descobrir o que é importante na rede social de uma história. A ideia é computar números chamados centralidades, que são meios de avaliar o que realmente tem importância nas redes sociais. Neste artigo, averiguamos como diferentes tipos de centralidades medem a importância de diferentes maneiras. Também explicamos que as pessoas usam centralidades para estudar diversos tipos de redes, não apenas as sociais. Os cientistas estão aprimorando medidas de centralidade que levam em conta também mudanças ao longo do tempo e variados tipos de relações. Qual é a personagem mais importante em Frozen? O que as redes sociais podem nos dizer sobre o mundo.

O filme Frozen e as redes sociais

Você assistiu ao filme Frozen? Ele conta a história de duas irmãs órfãs, Elsa e Anna, que são princesas do reino de Arendelle. Elsa possui um poder mágico que lhe permite criar neve e gelo, mas essa mágica é perigosa tanto para as pessoas à sua volta quanto para ela própria.

A fim de proteger Anna, Elsa passou a evitá-la desde que eram bem jovens. No aniversário de 21 anos de Elsa, ela é coroada rainha de Arendelle. Na festa da coroação, a jovem perde o controle sobre sua mágica e lança sobre Arendelle um feitiço de inverno eterno. Mas, atormentada, deixa o reino. Anna sai em busca da irmã para trazê-la de volta e dar fim ao feitiço do inverno. Em caminho, encontra personagens memoráveis, como o montanhês Kristoff, seus trolls e, é claro, o boneco de neve Olaf. Anna também foi afetada pelo feitiço de Elsa e condenada a congelar-se aos poucos, de modo que é realmente importante para ela e todo o reino de Arendelle desfazer esse feitiço.

Em Frozen, muitas das personagens se conhecem, tanto antes do início da história quanto no desenrolar do filme. Elsa, é claro, conhece sua irmã Anna, que conhece Kristoff, que conhece seus trolls. Um grupo de pessoas que se conhecem, em combinação com as relações entre elas, se chama uma rede social. As redes sociais são importantes. Por exemplo, ajudam a disseminar o conhecimento, pois as pessoas contam coisas ou passam mensagens umas para as outras quando conversam. Em Frozen, por exemplo, Anna fica sabendo graças a uma rede social que seu feitiço pode ser desfeito somente por um ato de amor verdadeiro. Isso ela aprende dos trolls, que conheceu por intermédio de Kristoff.

Ideias básicas de medidas de centralidade

As redes sociais nos dizem muita coisa sobre as pessoas que as integram. Quando alguém está em uma situação difícil, pode obter ajuda de seus amigos. Quem tem mais amigos em Frozen?

Isso é difícil de responder apenas vendo o filme, mas podemos estudar outro tipo de rede social – a rede de quem fala com quem. Essa rede, que mostramos na Figura 1, não é exatamente uma rede de amizade, mas é bem mais fácil determinar com precisão quem fala com quem no filme do que decidir, exatamente, quem é amigo de quem e quão sólidas são essas relações. Como, nessa rede de conversa, Anna fala com nove pessoas, vamos supor que ela tem nove amigos. Os matemáticos afirmam que Anna é um nessa rede, que ela tem um grau 9 e que os nove amigos são seus vizinhos. Já Elsa recebe um grau 8 porque tem oito amigos e Kristoff, um grau 6. Calcular o grau de alguém é uma maneira de avaliar sua importância, mas há também outros meios.

Figura 1. Rede das principais personagens de Frozen. Essa rede mostra quem fala com quem no filme. Quanto mais coisas uma personagem diz a outra, mais grossa é a linha entre elas. Realçamos em negrito as personagens mais importantes. Cada personagem, como Olaf, é um “nó” na rede. Olaf fala com três personagens – Anna, Elsa e Sven – na rede, por isso dizemos que tem uma nota 3. Anna, Elsa e Sven são “vizinhos” de Olaf na rede.

Examine bem a Figura 1. Podemos saber quem é a personagem mais importante em Frozen apenas analisando a rede ali representada? Pessoas importantes geralmente têm muitos amigos. Além disso, os amigos de pessoas importantes costumam ser, eles próprios, importantes.

Para avaliar isso com números, começamos presumindo que todas as personagens (isto é, os nós) são igualmente importantes, com um valor inicial de 1. Em seguida, atualizamos a importância (chamada centralidade pelos estudiosos de redes) de cada uma somando as importâncias delas para as pessoas com quem estão conectadas (em outras palavras, seus vizinhos). Feito isso, o resultado inicial equivale ao grau – isto é, ao número de amigos de cada nó. Dividimos esses números pela soma das importâncias de todos os nós (impedindo assim que os números fiquem muito altos) para obter um novo conjunto de importâncias. Repetindo essa operação várias vezes, substituindo a importância de cada nó pela soma das importâncias de seus vizinhos e dividindo os resultados pela soma de todas as importâncias na rede, as importâncias finalmente deixam de mudar.

Tente fazer isso usando a Figura 2 como base de cálculo; para redes pequenas, os números em geral deixam logo de mudar. Os números que obtemos ao fim do cálculo são chamados de centralidades eigenvector, um nome de fantasia para o tipo especial de importância que estamos avaliando.

Em se tratando da rede na Figura 1, se levarmos em conta a frequência com que as personagens conversam, Ann tem o valor mais alto, com 0,295; Kristoff vem em segundo lugar, com 0,210; e Elsa em terceiro, com 0,151. De acordo com esses números, Anna continua sendo a personagem mais importante, mas agora Kristoff está à frente de Elsa. Se ignorarmos a frequência com que as personagens conversam entre si, os números mudarão um pouco: Anna continuará na frente, com 0,146; Elsa virá em segundo lugar, com 0,132, e Kristoff cairá para terceiro, com 0,112.

Figura 2. Procedimento passo a passo para calcular as centralidades eigenvector dos nós em uma rede. Ilustramos esse procedimento com uma rede simples. Podemos usá-la para avaliar as importâncias de diferentes personagens no filme Frozen.

A esta altura, você deve estar se perguntando: por que alguém se daria o trabalho de calcular números como a centralidade eigenvector para avaliar importâncias? Fica claro, quando se assiste ao filme, que muitas coisas acontecem devido ao poder mágico de Elsa: talvez então ela seja a personagem mais importante? Mas olhe de novo a rede na Figura 1: é uma rede de quem fala com quem, não de quem faz alguma coisa que provoca um acontecimento decisivo. A rede na Figura 1 nos diz quem é importante para o enredo do filme Frozen, não quem é importante por provocar acontecimentos em Arendelle.

Podemos fazer um cálculo parecido para uma rede de narrativa, que conta quais eventos provocam outros [1]. Mas é uma rede bem mais difícil de elaborar. A Figura 3 tenta começar uma rede dessas: que tal se você a completasse? Numa rede assim, os eventos provocados por Elsa podem ter realmente graus e centralidades eigenvector muito altos. Portanto, embora Anna seja a personagem mais importante para o enredo de Frozen, é Elsa a mais importante para os acontecimentos em si que constituem a história.

Figura 3. Rede de narrativa simples, mas incompleta, dos acontecimentos bem no início de Frozen.

As redes estão por todo lado

Agora que ilustramos a ideia de calcular números como as centralidades, recuemos um pouco. Por que nos preocuparmos com esses cálculos e redes sociais? O motivo é que as redes estão por todo lado em nosso cotidiano e aprender sobre elas ajuda a entender uma ampla variedade de coisas [2, 3]. Daremos alguns exemplos.

Um exemplo realmente importante de rede é a Internet. Esta é uma rede complexa e mundial de computadores, tablets, celulares e outros dispositivos ligados por conexões com ou sem fio. Podemos considerar a Internet uma rede social de computadores. Cada computador tem seus “amigos” (outros computadores conectados a ele) e esses amigos são portas para diferentes partes da rede, como a rede social das personagens de Frozen. Quando você envia uma mensagem de texto de um celular, um tablet ou um computador, ela passa para um dos amigos de seu dispositivo, para um amigo desses amigos e assim por diante, até chegar ao destinatário (seu amigo).

Conhecer as propriedades dessa rede gigantesca de computadores é importante por várias razões práticas. Por exemplo, os engenheiros querem saber quais dispositivos têm maior importância (centralidade) e quantos passos, em média, são necessários para ir de um a outro. Em uma rede vasta como a Internet, os passos são muitos ou poucos [3]?

Outros exemplos de redes são as interações ecológicas na natureza. Espécies biológicas interagem de diversas maneiras. Uma das interações mais importantes é “quem devora quem”, a chamada “predação”. Podemos tomar uma espécie (um sapo, digamos) e fazer uma lista das espécies que o comem (cobras e guaxinins, por exemplo) e das que são comidas por ele (insetos ou vermes). Se fizermos também uma lista dessa para cada espécie, chegaremos por fim a um amplo conjunto de relações (chamado “cadeia alimentar”) que ilustrará as relações de predação entre inúmeras espécies. Aqui, temos coisa bem diferente das amizades e conversas que discutimos acima, mas podemos aprender muito sobre ecologia estudando esse tipo de rede. Por exemplo, a centralidade de uma espécie pode mostrar quanto dano ecológico resultaria de sua extinção.

Esses exemplos revelam o poder de representações matemáticas como as redes. Podemos utilizar as mesmas ferramentas matemáticas para estudar várias outras redes, embora seus componentes reais – como personagens, computadores ou espécies biológicas – sejam diferentes. Há muitas outras redes além das que examinamos aqui. Você consegue pensar em alguma?

O que mais podemos estudar sobre as redes?

Nos exemplos de redes que vimos acima, não permitimos que elas mudassem, ainda que as pessoas façam amigos o tempo todo, como quando entram numa escola nova. Também não distinguimos entre diferentes tipos de relações. Em Frozen, Elsa e Anna são irmãs, mas Anna e Olaf são amigos.

Atualmente, os cientistas estão estudando ativamente maneiras de ampliar os cálculos a situações mais complicadas, como redes nas quais os nós e as conexões são acrescentados, modificados ou removidos com o tempo [4]. Uma vez que a rede de quem fala com quem, em Frozen, se desenvolve no tempo, acompanhando o desenrolar da história, é desejável avaliar as personagens importantes de modo a permitir que as importâncias acabem mudando.

Outro traço de destaque das redes sociais é que existem inúmeros tipos de relações ao mesmo tempo e não apenas amizades; por isso, os pesquisadores estão desenvolvendo com afinco recursos para avaliar nós importantes de um modo que combine relações múltiplas. Isso é útil não apenas para redes sociais, mas também para outros tipos de redes. Na natureza, por exemplo, os animais não se limitam a comer uns aos outros; eles também interagem de outras maneiras e suas complexas estruturas sociais dependem dessas relações diferenciadas [5].

O estudo de redes é uma área excitante de pesquisa que liga ideias da matemática, da ciência social, da física, da ciência da computação, da ecologia e de muitas outras matérias. Um dos grandes problemas de sua análise consiste em determinar as melhores maneiras de avaliar a importância de pessoas, animais e outras entidades. Com nosso exemplo da história de Frozen, demos a você um vislumbre dessa atraente área de estudo.

Glossário

Rede:Coleção de nós e de conexões entre eles.

: Numa rede, coisas conectadas a outras. Por exemplo, na rede social do filme Frozen, as personagens são nós.

Grau: Número total de vizinhos de um nó.

Vizinhos: Nós aos quais um nó está conectado.

Centralidade: Número que revela a importância de um nó.

Centralidade eigenvector: Tipo de centralidade baseado na ideia de que nós importantes têm vizinhos importantes.

Agradecimentos

Agradecemos a Nia Chiou, Maria Chrysafis, Ana Gershenson, Anthony Jin, Veda Montgomery, Martha New, Kate Van Hooser e Austin Wu pelos oportunos comentários ao rascunho deste artigo. Agradecemos também a seus pais e professores – Lyndie Chiou, Christina Chow, Carlos Gershenson, Marlon Montgomery, Steve New e Steve Van Hooser – por nos terem posto em contato com eles e possibilitado que lhes pedíssemos ajuda. Nossos agradecimentos às duas revisoras e seus mentores em Ciência pelos comentários construtivos e inestimáveis. Finalmente, somos gratos a Susan Debad pelo cuidadoso preparo do manuscrito, tornando-o mais acessível ao nosso jovem público.

Referências

[1] Bearman, P., Moody, J. e Faris, R. 2003. “Networks and history.” Complexity 8:61–71. DOI: 10.1002/cplx.10054.

[2] NetSciEd. (orgs.) 2015. Network Literacy: Essential Concepts and Core Ideas. Disponível online em: http://tinyurl.com/networkliteracy. (Acessado em 5 de julho de 2019.).

[3] Newman, M. E. J. 2018. Networks, 2ª ed. Oxord: Oxford University Press.

[4] Taylor, D., Myers, S. A., Clauset, A., Porter, M. A. e Mucha, P. J. 2017. “Eigenvector-based centrality measures for temporal networks.” Multiscale Model. Simul. 15:537–74. DOI: 10.1137/16M1066142.

[5] Finn, K. R., Silk, M. J., Porter, M. A. e Pinter-Wollman, N. 2019. “The use of multilayer network analysis in animal behaviour.” Anim. Behav. 149:7–22. DOI: 10.1016/j.anbehav.2018.12.016.

Citação

Holme, P., Porter, M. e Sayama, H. (2019). “Who is the most important character in Frozen? What networks can tell us about the world.” Front. Young Minds. 7:99. DOI: 10.3389/frym.2019.00099.

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