Ideias fundamentais Química e materiais 26 de outubro de 2023, 12:15 26/10/2023

Química Verde – sustentabilidade em escala atômica

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher e um garoto em um laboratório químico, ambos estão de jaleco e óculos de proteção. A mulher usa luvas e segura um frasco com uma substância.

Resumo

Os químicos usam átomos como blocos de construção em reações a fim de projetar novas moléculas para materiais, medicamentos e muitas outras coisas. No entanto, como os elementos químicos de nosso planeta são um recurso finito, precisamos evitar que se esgotem ou sejam desperdiçados. De que modo os químicos fazem isso? Os princípios da Química Verde os orientam, ajudando-os a conceber novos produtos de forma eficiente e segura, ao mesmo tempo que limitam ou previnem a poluição ao longo do caminho. Os cientistas levam em conta esses princípios em todas as etapas de criação de um novo produto – desde os primeiros experimentos em laboratório até a produção industrial em grande escala. Os químicos podem comparar os materiais e processos usados para criar seus produtos usando uma Avaliação do Ciclo de Vida, que calcula fatores como água, energia e emprego de recursos, bem como a produção de poluentes como o dióxido de carbono. Tudo isso significa que podemos fazer ciência interessante e importante ao mesmo tempo que protegemos nosso planeta!

Sustentabilidade: pensando no futuro

Somos todos humanos vivendo na Terra e é importante compreendermos como nossas ações afetam o ambiente e outras pessoas em todo o planeta. Mas será que a Terra pode produzir os recursos de que necessitamos com a mesma rapidez com que os consumimos? E como podemos garantir que esses recursos sejam utilizados de forma adequada, segura e sustentável? O objetivo da sustentabilidade é evitar o desperdício de recursos que não podem ser repostos tão rapidamente quanto se esgotam. 

A sustentabilidade é essencial na sociedade, pois preserva e protege a vida na Terra para as futuras gerações. Há uma longa lista de palavras começadas com “R” que descrevem possíveis estratégias para melhorar a sustentabilidade: reduzir, reutilizar, reparar, recuperar, reciclar… e muitas mais. Mas como é que os cientistas obtêm sustentabilidade em seus experimentos?

Os químicos elaboram e quebram ligações em reações químicas para criar novos produtos com propriedades específicas, como tintas de cores mais brilhantes ou substâncias medicinais úteis. Você já deve ter ouvido falar de elementos químicos como carbono, nitrogênio, magnésio e ferro. A crosta e a atmosfera terrestre contêm quantidades variadas de cada um desses elementos, que são um recurso finito: geralmente não podem ser criados ou destruídos. Se um produto vai para o aterro, os elementos de que foi feito são absorvidos e desperdiçados. Alguns elementos, para começar, são de difícil acesso: podem estar presos ao subsolo ou em áreas onde há guerras ou conflitos. Isso representa um enorme desafio, por exemplo, para a obtenção dos metais preciosos usados em celulares, computadores e outros dispositivos. 

Os princípios da Química Verde

A química que pretende ser tão sustentável quanto possível, proteger a Terra e seus recursos para as gerações futuras, e evitar o desperdício de átomos, é chamada de Química Verde. Um conjunto de diretrizes denominado 12 Princípios da Química Verde foi publicado em 1998. Essas diretrizes ajudam os químicos a desenvolver processos sustentáveis e produtos ecologicamente corretos [1]. A Figura 1 mostra as perguntas que os cientistas fazem ao projetar um novo processo, começando pelas matérias-primas e avançando em direção ao novo produto. Os princípios se enquadram em duas categorias principais: projetos para eficiência e projetos para segurança ambiental. 

Figura 1. Ao criar um produto a partir de matérias-primas, os cientistas devem fazer diversas perguntas ao longo do processo para garantir que estão seguindo os 12 Princípios da Química Verde. 
Nem sempre é possível criar imediatamente o produto desejado. Às vezes, outras substâncias, chamadas de intermediários, devem ser produzidas primeiro e seu impacto também precisa ser medido. Produtos residuais (setas amarelas) também podem ser criados. 

Projeto eficiente

Primeira pergunta: o que é a eficiência, e como os cientistas a medem? Para que seja eficiente, um projeto deve gerar o produto desejado e, ao mesmo tempo, limitar o desperdício de átomos, materiais, energia e dinheiro. A primeira coisa a considerar é a quantidade de produtos gerada (o chamado rendimento de reação). Nem todas as reações geram 100% do produto desejado. Por exemplo, também podem aparecer produtos indesejados (subprodutos) ou a reação ficar inconclusa, não atingindo assim um rendimento de 100%.

A eficiência pode ser medida de muitas maneiras. A melhor, em termos de sustentabilidade na química, é considerar o que acontece a cada um dos átomos em um processo. A eficiência do átomo compara o número de átomos envolvidos em um processo com o número presente no produto final. Isso permite que os cientistas determinem quantos átomos do material inicial foram incorporados ao produto desejado. Durante uma reação química, os átomos podem ser perdidos como subprodutos ou resíduos (setas amarelas na Figura 1).

Ao melhorar a eficiência de um processo e reduzir o número total de etapas, os cientistas conseguem limitar a formação de subprodutos e resíduos desnecessários. No entanto, às vezes, os subprodutos podem ser úteis em outra reação ou para outro propósito. Por exemplo, o vapor (água gasosa) surgido como subproduto de uma reação pode ser aproveitado para girar uma turbina e gerar eletricidade ou condensar-se em água a ser usada para outros fins. 

A utilização eficiente da energia – e a utilização de energia de fontes renováveis, como a solar ou eólica – também são importantes. Uma reação que funciona à temperatura ambiente e não exige alta pressão consumirá menos energia. Uma forma de reduzir a quantidade de energia necessária para um processo químico é usar um produto químico chamado catalisador, que ajuda a reação a acontecer mais facilmente.

Um catalisador permite que a temperatura e/ou o tempo da reação sejam reduzidos sem impactar o produto final, para cuja estrutura os átomos do catalisador não passam. No entanto, precisamos separar o catalisador do produto final e depois recicla-lo para uso repetido, o que pode consumir muita energia e recursos. Além disso, muitos catalisadores comuns são feitos de elementos raros (frequentemente metais), de acesso às vezes difícil e caro, devendo, portanto, ser empregados em pequenas quantidades e recuperados para novos usos. 

Finalmente, os cientistas recorrem a matérias-primas renováveis para gerar produtos recicláveis e manter os átomos em um sistema circular. Quando os materiais são jogados fora após o uso, os elementos são desperdiçados e não podemos reaproveitá-los, precisando extrair novos recursos. Isso é conhecido como economia linear. A reciclagem de materiais permite que os elementos continuem disponíveis para uso futuro. Essa é a parte principal de uma economia circular.

Passar de uma economia linear para uma economia circular é importante, pois garante que os elementos finitos estejam disponíveis no futuro. Matérias-primas vegetais podem ser regeneradas muito mais rapidamente do que matérias-primas como petróleo ou gás natural. As plantas até removem dióxido de carbono (CO2) da atmosfera à medida que crescem. No entanto, para ser uma escolha sustentável, a terra destinada à produção de alimentos não pode ceder espaço ao cultivo de matérias-primas a partir da matéria vegetal, e, quando esse processo for necessário, deverá ser bastante simples. 

Projeto para a segurança ambiental

Os princípios da química verde relacionados à segurança permitem que o impacto de todas as etapas de um processo químico nos seres humanos, na vida selvagem e no meio ambiente seja avaliado e minimizado. Isso inclui o modo como os produtos atuarão por longos períodos de tempo. Projetar produtos tendo em mente sua futura degradação (quebra) também é fundamental. A degradação pode ser física (quebra em pedaços menores) ou química (quebra em diferentes moléculas). 

A degradação às vezes ocorre naturalmente (por exemplo, compostagem) ou com ajuda externa (fusão, moagem ou reações químicas). 

É importante ressaltar que o produto original e seus produtos de degradação não devem ser tóxicos nem ambientalmente persistentes. O ideal é que todas as etapas do processo, bem como as matérias-primas, produtos e subprodutos, sejam tão seguros e não tóxicos quanto possível. Considerando as implicações de segurança de um processo ao projetá-lo, podemos evitar danos às pessoas e ao meio ambiente. 

As considerações de segurança também incluem riscos devidos ao uso de altas temperaturas ou pressões durante o processo de reação. Os riscos de incêndio, lesões ou doenças dos trabalhadores devem ser minimizados para manter a todos seguros e para limitar os danos ao ambiente provocados pela formação ou liberação de poluentes. Ao pensar nas possíveis consequências dos produtos e processos durante as fases de concepção, os cientistas podem remover ou minimizar os perigos mesmo antes de começarem. Utilizando os 12 Princípios da Química Verde [1], eles trabalham para reverter os impactos da poluição passada e evitar a poluição futura. 

Avaliação do impacto dos processos químicos nas pessoas e no planeta

Os cientistas precisam ser capazes de comparar diferentes produtos químicos e processos para compreender e classificar seu impacto e utilidade. 

Compreender como diferentes produtos químicos podem afetar as pessoas que os utilizam é muito importante. Alguns produtos químicos são prejudiciais aos seres humanos ou ao meio ambiente. As informações contidas nos alertas de segurança das substâncias químicas permitem aos cientistas decidirem quais delas são mais sustentáveis e seguras para a utilização nos seus produtos. Os cientistas considerarão: 

  • Que danos um produto químico pode causar às pessoas ou ao meio ambiente,
  • Que quantidade da substância química precisaria estar presente para causar esse dano e,
  • Como reduzir o risco de emprego da substância pelo acompanhamento da exposição ou o uso de equipamento de proteção individual. 

Os químicos costumam comparar a quantidade de resíduos ou subprodutos “indesejados” que um processo gera com a quantidade de produto desejado produzido, como forma de avaliar o impacto ambiental do produto. Isso é chamado de Fator E [2]. Porém, o Fator E não considera a toxicidade de nenhum subproduto, apenas a quantidade gerada. Mas e quanto à quantidade de CO2, um gás de efeito estufa responsável pelas alterações climáticas, que é criada durante a produção? E quanto ao tempo que um produto leva para se decompor no ambiente? 

A Figura 2 ilustra as etapas do ciclo de vida de um produto que os cientistas devem levar em conta, além das reações químicas usadas para criá-lo. 

Figura 2. O ciclo de vida de um produto inclui diversas etapas, sendo que o transporte deve ocorrer entre cada etapa. Na primeira etapa, extração de recursos, são coletadas matérias-primas. A etapa de fabricação é a criação do produto; o varejo é a venda. Depois de utilizados, os produtos são jogados fora (descarte) ou reciclados para que seus recursos sejam reutilizados – isso é preferível, pois substitui a economia linear pela circular [2]. 

Os cientistas podem comparar produtos de forma mais completa fazendo uma avaliação do ciclo de vida (ACV) [2]. Os fatores avaliados para cada fase do ciclo de vida de um produto incluem a quantidade de energia necessária, a quantidade de água utilizada ou, mais comumente, a quantidade de CO2 produzida. As recomendações de segurança de todos os produtos químicos utilizados na fabricação do produto são avaliadas, bem como as fontes desses produtos químicos. As ACVs permitem aos cientistas considerar e comparar todas as fases de um processo, para garantir a escolha do processo mais sustentável, o que é especialmente importante no desenvolvimento de processos industriais em grande escala. 

Conclusões

Os elementos da Terra são um recurso finito. Todos nós partilhamos a responsabilidade de utilizá-los da forma mais eficiente possível e de gerar o mínimo de danos ambientais ou resíduos no processo. Os 12 Princípios da Química Verde e os métodos de medição do impacto, como as avaliações do ciclo de vida, fornecem aos cientistas ferramentas que os ajudam a tomar decisões bem-fundamentadas sobre a sustentabilidade quando eles concebem e conduzem reações químicas. Enfatizar a sustentabilidade nos processos atuais e futuros é vital para a sociedade. Devemos desenvolver tecnologias benéficas sem prejudicar as gerações futuras e o planeta. 

Glossário

Sustentabilidade: Prática de proteger os recursos da Terra e garantir que ainda estejam disponíveis para as gerações futuras. Se algo é sustentável, significa que existirá por muito tempo, sem causar danos ao meio ambiente. 

Subproduto: Produto adicional resultante, juntamente com o desejado, de uma reação química. Historicamente, os subprodutos são vistos como resíduo, mas alguns têm usos próprios. 

Catalisador: Substância usada em uma reação química que faz com que esta aconteça mais facilmente sem se esgotar. 

Economia Circular: Sistema que tenta diminuir o desperdício ou a poluição e conservar os materiais; uma alternativa à economia linear tradicional, em que os materiais são jogados fora depois de utilizados. 

Degradação:  Divisão de um produto em partes menores e mais simples. 

Ambientalmente Persistente:  Classificação de produtos químicos tóxicos ou prejudiciais e resistentes à degradação. Uma vez fabricados, são difíceis de remover do meio ambiente e podem continuar a causar danos por muito tempo. 

Fator E: Proporção entre o desperdício total de um processo e a quantidade de produto útil conseguida. O Fator E ideal é 0 e Fatores E mais altos indicam um processo com mais desperdício. 

Avaliação do Ciclo de Vida: Análise detalhada do impacto de um produto no meio ambiente ao longo de sua vida útil, incluindo a extração das matérias-primas necessárias, a fabricação e a utilização do produto e seu descarte. 

Agradecimentos

Agradecemos ao EPSRC e SFI Center for Doctoral Training in Sustainable Chemistry (EP/S022236/1) pelo financiamento da bolsa de estudos. JS é também associado ao EPSRC Prosperity Partnership entre Lubrizol e as Universidades de Nottingham e Warwick (EP/V037943/1). 

Referências

[1] Anastas, P. T. e Warner, J. C. 1998. Green Chemistry: Theory and Practice (Oxford: Oxford University Press), p. 30. 

[2] Sheldon, R. A. 2017. “The E fator 25 years on: the rise of Green Chemistry and sustainability.” Green Chem. 19, 18–43. DOI: 10.1039/C6GC02157C. 

Citação

Streets J., Johnston, A., Ali H., Azim H. e Licence, P. (2023). “Green Chemistry – sustainability at the atom scale.” Front. Young Minds. 11.1045345. DOI: 10,3389/frym.2023.1045345. 

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