Um breve retrospecto da evolução humana para jovens
Autores
Regine Vercauteren Drubbel, Theophile Godfraind
Jovens revisores
Resumo
Boa parte do que sabemos sobre a origem do homem vem da pesquisa dos paleoantropólogos, que são os cientistas que estudam os fósseis de seres humanos. Eles identificam os sítios onde esses fósseis podem ser encontrados. Determinam sua idade e descrevem as características dos ossos e dentes descobertos. Há pouco, os paleoantropólogos passaram a usar a tecnologia genética para testar suas hipóteses. Neste artigo, vamos contar para você algumas coisas sobre a pré-história, um período de tempo que inclui pré-humanos e humanos, e que durou cerca de 10 milhões de anos. Durante o período pré-histórico, os acontecimentos não foram registrados por escrito. Muito da informação sobre a pré-história é obtido graças ao estudo dos fósseis.
O que é a evolução?
Evolução é o processo pelo qual os organismos vivos se transformam a partir de outros, mais antigos e simples. Segundo o cientista Charles Darwin (1809-1882), a evolução depende de um processo chamado seleção natural. A seleção é o resultado da capacidade reprodutiva cada vez maior de organismos mais bem-adaptados às condições do lugar onde vivem. Segundo a teoria de Darwin, os organismos evoluem como resultado de inúmeras e pequenas modificações ao longo do tempo. Neste artigo, discutiremos a evolução durante a era pré-histórica e a pré-história humana. Na pré-história, a escrita ainda não fora inventada. Entretanto, muitas informações sobre essa época são obtidas por meio de estudos do registro fóssil [1].
Como o ser humano evoluiu?
Os primatas são mamíferos, assim como os humanos. Há cerca de dez ou doze milhões de anos, partindo de um ancestral comum, a linhagem primata ancestral se dividiu, por intermédio da especiação, em dois grandes grupos. Essas linhagens evoluíram separadamente e se tornaram as diversas espécies que vemos hoje. Os membros de um dos grupos foram a versão primitiva daquilo que conhecemos hoje como os grandes símios (gorilas, chimpanzés e bonobos na África; orangotangos na Ásia) (Figuras 1 e 2).
Ou seja, os grandes macacos modernos evoluíram a partir desse grupo ancestral. Em sua maioria, permanecem nas florestas, levando um estilo de vida arbóreo, isto é, vivem em árvores. Os grandes símios são também quadrúpedes, quer dizer, andam pelo chão com quatro pernas (ver Figura 2). O outro grupo evoluiu de maneira diferente. Tornou-se terrestre, passando a viver no chão e não nas árvores. De quadrúpedes, tornaram-se bípedes, isto é, andam com as duas pernas anteriores. Além disso, o tamanho de seu cérebro aumentou. É o grupo que, após longa evolução, originou os humanos de hoje. Muitos fósseis descobertos na África são do gênero chamado Australopithecus (palavra que significa “macaco do sul”). Esse gênero está extinto, mas estudos de fósseis revelaram aspectos interessantes de sua adaptação ao estilo de vida terrestre.
Australopithecus afarensis e Lucy
Na Etiópia (África Oriental), existe um sítio de nome Hadar, onde foram encontrados vários fósseis de diferentes espécies animais. Alguns deles eram do Australopithecus afarensis. Em 1974, os paleoantropólogos desenterraram um esqueleto quase completo de um espécime dessa espécie e deram-lhe o nome de Lucy, tirado da música dos Beatles “Lucy in the Sky with Diamonds”. O mundo inteiro ficou sabendo de Lucy e ela marcou presença em todos os periódicos, tornando-se uma celebridade global. Essa pequenina fêmea (de mais ou menos 1,1 m de altura) viveu há 3,2 milhões de anos. A análise de seus fêmures (ossos das coxas) mostrou que ela usava a locomoção terrestre.
Mas Lucy pode ter usado também os dois tipos de locomoção, a terrestre e a arbórea, pois os ossos dos pés de outro indivíduo A. afarensis tinham uma curva similar à encontrada nos pés dos humanos modernos [2]. Os autores dessa descoberta sugeriram então que o Australopithecus afarensis era exclusivamente bípede e deve ter sido caçador-coletador.
Homo habilis, Homo erectus e Homo neanderthalensis
Homo é o gênero (grupo de espécies) que inclui os humanos modernos (como nós) e nossos ancestrais extintos mais próximos. Organismos que pertencem à mesma espécie produzem descendentes viáveis. Um paleoantropólogo famoso, Louis Leakey, descobriu com sua equipe o Homo habilis (“homem habilidoso”) em 1964. O Homo habilis não é a espécie mais antiga de Homo já encontrada. Ele apareceu na Tanzânia (África Oriental) há uns 2,8 milhões de anos, extinguindo-se há mais ou menos 1,5 milhão. Estima-se que esses indivíduos tivessem 1,40 m de altura e fossem terrestres. Distinguiam-se do Australopithecus pelo formato do crânio, que não era piriforme (em formato de pera), mas esferoide (redondo), como o do homem de hoje. O Homo habilis fabricava ferramentas de pedra, um indício de criatividade [3].
Na Ásia, em 1891, Eugène Dubois (também paleoantropólogo) descobriu o primeiro fóssil do Homo erectus (“homem ereto”), que viveu há 1,8 milhão de anos. O fóssil recebeu vários nomes. O mais conhecido é Pithecanthropus (“homem-macaco”) e Sinanthropus (“homem chinês”). O Homo erectus surgiu na África Oriental e migrou para a Ásia, onde fabricava ferramentas sofisticadas de pedra [4]. Dubois também levou algumas conchas da época do H. erectus de Java para a Europa. Cientistas contemporâneos estudaram essas conchas e descobriram nelas incisões que datam de 430 e 540 mil anos. Concluíram que os indivíduos H. erectus eram capazes de se expressar usando símbolos [5].
Diversas espécies Homo surgiram depois do H. erectus e umas poucas coexistiram durante algum tempo. A mais conhecida é a do Homo neanderthalensis (Figura 3), cujos indivíduos são comumente chamados neandertais. Ficaram conhecidos como o ramo europeu originado de duas linhagens que se diferenciaram há mais ou menos 400 mil anos, sendo que o segundo ramo (linhagem), o do Homo sapiens, recebeu o nome de ramo africano. O primeiro fóssil neandertal, datado de cerca de 430 mil anos, foi encontrado em La Sima de los Huesos, na Espanha, e parece ter se originado de um ancestral comum, o Homo heidelbergensis [6].
Os neandertais se aproveitavam de muitos dos recursos naturais de seu ambiente: animais, plantas e minerais. Caçavam animais terrestres e marinhos, o que exigia toda uma variedade de armas. Dezenas de milhares de utensílios de pedra encontrados em sítios neandertais são exibidos em vários museus. Eles deixaram pinturas na caverna La Pasiega, no sul da Espanha, e decoravam seus corpos com joias e desenhos coloridos. Foram encontrados sepulcros, o que significa que executavam cerimônias fúnebres.
Os denisovanos são um acréscimo recente à árvore humana. Em 2010, o primeiro espécime foi encontrado na caverna Denisova, no sudoeste da Sibéria. Pouco se sabe de seu comportamento. Serão necessários mais estudos sobre suas interações com os neandertais e outras espécies Homo (ver abaixo) [7].
Homo sapiens
Fósseis recentemente descobertos no Marrocos (África do Norte) intensificaram o debate sobre a disseminação do H. sapiens depois que ele surgiu, há 315 mil anos [8]. A localização desses fósseis pode significar que o Homo sapiens percorreu a África inteira. Do mesmo modo, a dispersão de fósseis fora da África revelou suas migrações para vários continentes [9].
Embora bastante polêmicas, as hipóteses giram em torno de uma única dispersão ou várias dispersões para fora do continente africano [10, 11]. Todavia, mesmo com a origem da migração para a Europa sendo ainda um tema de debate [12], parece que o H. sapiens esteve presente em Israel [13] há 180 mil anos. Pode ser, então, que a migração para a Europa não tenha ocorrido diretamente a partir da África, mas indiretamente, após uma permanência em Israel-Ásia. Esses indivíduos chegaram à Europa há cerca de 45 mil anos e lá encontraram os neandertais (ver acima). Estudos de DNAs antigos revelaram que os H. sapiens tiveram filhos com neandertais e denisovanos. Atualmente, povos da Europa e da Ásia partilham de 1 a 4% de seu DNA com neandertais ou denisovanos [15].
Há muitos milênios, o H. sapiens já fazia arte, como por exemplo as pinturas parietais da caverna de Chauvet (36 mil anos atrás) (Figura 4) e da caverna de Lascaux (19 mil anos atrás), ambas na França. A qualidade das pinturas mostra grande habilidade artística e forte desenvolvimento intelectual. O Homo sapiens continuou explorando a Terra. Cruzou o estreito de Bering, conectando a Sibéria e o Alasca, e desceu para a região hoje chamada Chile há 12.500 anos. Aos poucos, colonizou o planeta inteiro (Figura 5).
A revolução neolítica
O Período Neolítico é conhecido como a Nova Idade da Pedra, em alusão à nova tecnologia do tratamento de pedras que foi desenvolvida na época. O Período Neolítico começou no fim da Era Glacial, há 11.700 anos. Houve uma mudança em relação ao modo como os humanos viviam durante o Período Neolítico. Ruínas descobertas na Mesopotâmia revelam que os antigos humanos viviam em vastas aldeias. Com o início da agricultura, muitos caçadores-coletadores nômades se tornaram fazendeiros sedentários. Em vez de usar os cães de caça dos caçadores-coletadores, passaram a empregar os cães pastores [16].
No Neolítico, os humanos caçavam e criavam cabras e ovelhas. Os auroques (bois selvagens extintos), mostrados nas pinturas da caverna de Lascaux, são ancestrais primitivos dos bois que temos hoje [17]. Os primeiros produtos agrícolas que os antigos humanos começaram a cultivar na Mesopotâmia (região histórica da Ásia Oriental, situada entre os rios Tigre e Eufrates) foram a ervilha e o trigo. Gado e produtos agrícolas eram comercializados, havendo registros escritos dessas transações. Plaquinhas de argila foram o primeiro dinheiro usado.
O Período Neolítico assistiu à criação do comércio, do dinheiro, da matemática e da escrita [Figura 6] na Suméria, uma região da Mesopotâmia. O nascimento da escrita dá início ao período que chamamos “histórico”, no qual os fatos eram registrados e os grandes acontecimentos, assim como os detalhes do cotidiano, podiam ser transmitidos. Essa formidável mudança no estilo de vida humano costuma ser chamada de Revolução Neolítica.
Conclusão
Desde a época do Homo erectus, a espécie Homo migrou para fora da África. O Homo sapiens ampliou esse movimento para todo o planeta. Nos séculos XV e XVI, os europeus exploraram o mundo, deparando-se, nos vários continentes, com populações desconhecidas. Perguntaram-se então se aqueles seres eram humanos ou não. Mas, na verdade, tais populações descendiam dos homens e mulheres que colonizaram a Terra nos primórdios da humanidade. Há muito tempo, surgiu uma teoria, baseada principalmente na cor da pele, segundo a qual existiam várias raças de humanos, mas essa teoria não foi corroborada pela ciência. Modernos estudos de DNA revelaram que os mais de sete bilhões de pessoas que hoje vivem na Terra não são de raças diferentes. Existe apenas uma espécie humana hoje em dia, chamada Homo sapiens.
Glossário
Especiação: Formação de espécies novas e distintas no curso da evolução.
Gênero: Na classificação da biologia, o gênero é uma subdivisão da família e agrupa organismos vivos dotados de uma ou mais características comuns. Na nomenclatura binomial, o nome científico universalmente usado de cada organismo compõe-se de seu gênero (em maiúscula) e de um identificador da espécie (em minúscula), como em Australopithecus afarensis e Homo sapiens.
Eurásia: Termo usado para descrever a massa continental combinada da Europa e da Ásia.
Argila: Terra finamente granulada que se pode moldar quando úmida e com a qual, uma vez seca e cozida, se fabrica cerâmica.
Revolução: Mudança fundamental ocorrida de maneira relativamente rápida na sociedade humana.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Emma Clayton (Frontiers) por sua assistência e leitura cuidadosa. A foto da estátua do Neandertal foi tirada por Stephane Louryan, que também contribuiu para o projeto da obra [Faculdade de Medicina, Universidade Livre de Bruxelas (ULB), Bruxelas, Bélgica].
Referências
[1] Godfraind, T. 2016. Hominisation et Transhumanisme. Bruxelas: Académie Royale de Belgique.
[2] Ward, C. V., Kimbel, W. H. e Johanson, D. C. 2011. “Complete fourth metatarsal and arches in the foot of Australopithecus afarensis.” Science 331:750 – 3. DOI: 10.1126/science.1201463.
[3] Harmand, S., Lewis, J. E., Feibel, C. S., Lepre, C. J., Pratt, S., Lenoble, A. et al. 2015. “3.3-million-year-old stone tools from Lomekwi 3, West Turkana, Kenya.” Nature 521:310 – 5. DOI: 10.1038/nature14464.
[4] Carotenuto, F., Tsikaridze, N., Rook, L., Lordkipanidze, D., Longo, L., Condemi, S. et al. 2016. “Venturing out safety: the biogeography of Homo erectus dispersal out of Africa.” J. Hum. Evol. 95:1 – 12. DOI: 10.1016/j.jhevol.2016.02.005.
[5] Joordens, J. C., d’Errico, F., Wesselingh, F. P., Munro, S., de Vos, J., Wallinga, J. et al. 2015. “Homo erectus at Trinil on Java used shells for tool production and engraving.” Nature 518:228 – 31. DOI: 10.1038/nature13962.
[6] Arsuaga, J. L., Martinez, I., Arnold, L. J., Aranburu, A., Gracia-Tellez, A., Sharp, W. D. et al. “Neanderthal roots: cranial and chronological evidence from Sima de los Huesos.” Science 344:1358 – 63. DOI: 10.1126/science.1253958.
[7] Vernot, B., Tucci, S., Kelso, J., Schraiber, J. G., Wolf, A. B., Gittelman, R. M. et al. 2016. “Excavating Neanderthal and Denisovan DNA from the genomes of Melanesian individuals. “ Science 352:235 – 9. DOI: 10.1126/science.aad9416.
[8] Richter, D., Grun, R., Joannes-Boyau, R., Steele, T. E., Amani, F., Rue, M. et al. 2017. “The age of the hominin fossils from Jebel Irhoud, Morocco, and the origins of the Middle Stone Age.” Nature 546:293 – 6. DOI: 10.1038/nature22335.
Citação
Godfraind, T. e Vercauteren Drubbel, R. (2019). “A Brief Account of Human Evolution for Young Minds.” Front. Young Minds. 7:22. DOI: 10.3389/frym.2019.00022.
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