Astronomia e Física 12 de abril de 2023, 17:33 12/04/2023

Uma estrela incrivelmente manchada

Autores

Jovens revisores

Ilustração de um homem com uma estrela na mão, em sua frente há um recipiente de vidro com outra estrela dentro girando em torno de seu eixo. 

Resumo

Estrelas como o Sol apresentam manchas escuras em suas superfícies. Essas manchas escuras são importantes para nós, astrônomos, porque nos permitem rastrear a rapidez com que uma estrela está girando, o que está relacionado a sua idade. Como a Terra está próxima do Sol, é fácil enxergá-las, mas, no caso das estrelas distantes, nossos telescópios não são poderosos o suficiente para observá-las. É por isso que os astrônomos começaram a empregar planetas no estudo das manchas estelares. Quando um planeta eclipsa sua estrela, a quantidade de luz que desaparece está ligada ao fato de que o planeta esteja bloqueando uma parte brilhante ou uma parte escura (como uma mancha estelar) da estrela. Ao usar essa técnica, os astrônomos determinaram que a HAT-P-11, uma estrela vinte por cento menor que o Sol, possui manchas tal como ele, mas sua superfície possui cem vezes mais manchas.

Estrelas que giram em torno do próprio eixo e possuem manchas

Todas as estrelas giram em torno do próprio eixo. Quando uma estrela parecida com o Sol nasce, gira a uma velocidade vertiginosa, e completa uma rotação em poucas horas. À medida que envelhece, passa a girar mais lentamente. O Sol é uma estrela de meia-idade e completa uma rotação em cerca de vinte e seis dias. Algumas estrelas mais velhas podem girar muito mais devagar do que o Sol. 

Imagine por um momento que você esteja girando uma bola de futebol branca, com apenas uma mancha preta em sua superfície. Você pode dizer que a bola está girando porque pode ver a mancha preta se movendo da esquerda para a direita e desaparecendo no lado oposto para depois reaparecer no lado esquerdo.

Agora, imagine que a bola esteja a milhares de quilômetros de distância e você a observe por meio do telescópio. Você pode não conseguir mais ver a mancha preta se movendo da esquerda para direita na bola, mas, quando a mancha preta está voltada para você, a bola parece mais escura do que quando a mancha preta está do outro lado e você só pode ver as partes brancas. Assim, medindo o brilho da bola com cuidado enquanto ela gira, você enxerga a bola mais brilhante quando o lado branco está voltado para você, e mais escura quando o lado preto aparece; em seguida, a bola fica mais brilhante novamente quando a mancha preta vai para o outro lado mais uma vez e você só consegue ver as partes brancas. O mesmo vale para as estrelas: uma vez que apresentam manchas escuras, parecem ficar mais brilhantes ou mais escuras à medida que giram. 

Se você medir o brilho de uma estrela com muito cuidado, descobrirá que seu brilho varia de alto a baixo e a alto novamente, à medida que as manchas aparecem e desaparecem. Assim, medindo quanto tempo leva para o brilho da estrela variar de alto a baixo e de novo a alto, podemos medir a rapidez com que ela está girando, mesmo não podendo ver os detalhes de sua superfície! 

Planetas revelam segredos da superfície estelar

A maioria das estrelas tem planetas orbitando à sua volta. Às vezes temos sorte, e o planeta parece eclipsar (bloquear a luz) a estrela hospedeira enquanto se move ao redor dela em sua órbita. Se você medir o brilho da estrela com muito cuidado nesse momento, observará um evento de “transito”, descrito em detalhes neste artigo da Frontiers for Young Minds. Durante um trânsito, o planeta bloqueia parte da luz da estrela e os astrônomos, na Terra, observam uma queda na quantidade total de luz estelar, que dura algumas horas [1].

A quantidade de luz que desaparece durante um evento de trânsito depende principalmente de duas coisas: o tamanho do planeta e a intensidade do brilho da estrela. Se o planeta é do tamanho de Júpiter, ele pode bloquear 2% ou mais da luz da estrela. Se o planeta é pequeno, como a Terra, ele só pode bloquear 0,008% da luz da estrela. O tamanho do planeta altera a quantidade de luz estelar que se perde. 

Imagine que você esteja diante de uma tela de televisão brilhante em um quarto escuro. Do outro lado da sala, seu irmãozinho vem andando devagar e passa na frente da TV. Seu irmão eclipsou a TV – a quantidade total de luz que você veria na tela ficará diminuída enquanto ele estiver ali. Mas e se a TV estivesse desligada? Então, quando seu irmão passasse na frente, nenhuma luz iria faltar, pois a tela já estaria escura. Assim, com base na quantidade de luz que desapareceria quando seu irmão passasse na frente da TV, você poderia dizer quão brilhante a tela estaria (e, provavelmente, quão irritado ficaria com seu irmãozinho também). 

Agora, vamos imaginar um planeta do tamanho de Netuno orbitando uma estrela um pouco menor do que o Sol, como o planeta HAT-P-11b, o qual orbita uma estrela chamada HAT-P-11. A HAT-P-11 gira uma vez a cada 29 dias. O planeta bloqueia 0,3% de sua luz uma vez a cada cinco dias, enquanto gira em torno dela em uma órbita rápida e próxima. Se a estrela possuir uma mancha escura – tal como uma tela de TV que foi parcialmente desligada –, a quantidade de luz que desaparecerá quando o planeta passar na frente da região brilhante da estrela será maior do que a quantidade de luz que desaparecerá quando o planeta passar na frente de uma mancha escura da estrela. Então, se medirmos o brilho de uma estrela com muita precisão durante o trânsito do planeta, poderemos descobrir o quanto ela está brilhando atrás do planeta, com base na quantidade de luz que o planeta estiver bloqueando quando parecer passar na frente da estrela. 

HAT-P-11: uma estrela supermanchada 

O telescópio espacial Kepler, da NASA, captou uma imagem da HAT-P-11 uma vez a cada minuto durante quatro anos, para medir seu brilho com extrema precisão. O exoplaneta HAT-P-11b passou na frente de sua estrela mais de duzentas vezes durante a missão, o que permitiu aos astrônomos medir as variações de brilho na superfície da estrela usando a técnica do irmão e da TV que acabamos de descrever. Quando o planeta passou sobre as manchas estelares escuras na superfície estelar, menos luz desapareceu do que quando o planeta passou sobre partes brilhantes da estrela. O planeta, portanto, permitiu que os astrônomos estudassem em detalhes as manchas escuras individuais, ainda que o telescópio não fosse poderoso o suficiente para ampliar e ver as manchas diretamente [2]! 

O que os astrônomos descobriram foi que as manchas na HAT-P-11 são muito parecidas com as manchas do nosso Sol (veja Figura 1) [3]. Essas manchas emergem de locais semelhantes na superfície da estrela, mais próximos do centro da estrela do que dos polos (extremidades). As manchas da HAT-P-11 são escuras como as manchas solares, cerca de 30% mais escuras do que o resto da superfície da estrela. As manchas, também, possuem tamanho semelhante às manchas do Sol, que em geral possuem dez vezes o tamanho da Terra. 

Figura 1. Este diagrama mostra como o sistema HAT-P-11 deve parecer. A estrela tem uma cor vermelho-alaranjada, com várias manchas escuras em sua superfície. Um exoplaneta do tamanho de Netuno orbita muito perto da estrela. 

Talvez a mais notável descoberta seja o número de manchas que os astrônomos encontraram na HAT-P-11. Parece que a área total coberta por manchas em HAT-P-11 é cem vezes superior à área coberta no Sol [3]. É possível que até 14% da superfície da HAT-P-11 esteja coberta por manchas [4]. Ou seja, manchas em grande quantidade! Essa descoberta está de acordo com nossa expectativa de que estrelas ligeiramente menores que o Sol, com períodos de rotação semelhantes, deveriam apresentar mais manchas do que ele. 

A vista a partir de HAT-P-11b 

Se você visitasse HAT-P-11b, um planeta extremamente quente, teria uma vista e tanto do céu diurno, porque o planeta orbita muito perto de sua estrela. Se olhasse para a estrela, ela apareceria quinze vezes maior, no céu, do que o Sol que vemos na Terra. As maiores manchas estelares que os astrônomos observaram na HAT-P-11 teriam o dobro do tamanho do Sol, tal qual observado da Terra. Claro, seria muito difícil visitar o planeta HAT-P-11b, porque é um planeta gigante gasoso sem superfície: não haveria onde ficar e, como está tão perto de sua estrela, a atmosfera seria de milhares de graus. O HAT-P-11b não deve ser um lugar muito agradável para se visitar. 

E o que mais?

Depois de ler este artigo, você aprendeu que as estrelas em rotação têm manchas escuras em suas superfícies e que estrelas um pouco menores do que o Sol provavelmente possuem manchas que se comportam como manchas solares. Você aprendeu como os astrônomos podem usar planetas que orbitam estrelas distantes para estudar as manchas de suas estrelas. 

Para descobrir se a HAT-P-11 realmente se comporta como o Sol, há mais uma coisa que os astrônomos gostariam de observar. O Sol passa por um ciclo de onze anos, durante o qual aparecem poucas manchas solares, depois muitas e de novo poucas. Gostaríamos de saber se a HAT-P-11 tem um ciclo semelhante de onze anos, mas só a observamos há cerca de onze anos, então é muito cedo para saber se ela tem um ciclo como o do Sol [5]. Os astrônomos continuarão a usar telescópios nos próximos anos para observar a HAT-P-11 e verificar se seu ciclo é igual ao do Sol. 

Glossário

Eclipse: Quando um objeto astronômico bloqueia a luz de outro. 

Estrela hospedeira: Aquela que é orbitada por um exoplaneta. 

Trânsito: Quando um exoplaneta bloqueia a luz de sua estrela hospedeira. 

Exoplaneta: Planeta em órbita ao redor de uma estrela que não seja o Sol. 

Manchas Estelares: Manchas escuras na superfície das estrelas causadas por fortes campos magnéticos. 

Manchas Solares: Manchas escuras na superfície do Sol causadas por fortes campos magnéticos. 

Referências

[1] Morris, B. M. 2019. “How to discover a planet orbiting a distant star.” Front. Young Minds 7:74. DOI: 10.3389/frym.2018.00074.

[2] Sanchis-Ojeda, R. e Winn, J. N. 2011. “Starspots, spin–orbit misalignment, and active latitudes in the HAT-P-11 extraplanetary system.” Astrophys. J. 743:61. DOI: 10.1088/0004-637X/743/1/61.

[3] Morris, B. M., Hebb, L., Davenport, J. R. A., Rohn, G. e Hawley, S. L. 2017. “The starspots of HAT-P-11: evidence for a solar-like dynamo.” Astrophys. J. 846:99. DOI: 10.3847/1538-4357/aa8555.

[4] Morris, B. M., Hawley, S. L. e Hebb, L. 2018. “Large starspot groups on HAT-P-11 in activity cycle 1.” Res. Notes Am. Astron. Soc. 2:26. DOI: 10.3847/2515-5172/aaac2e.

[5] Morris, B. M., Hawley, S. L., Hebb, L., Sakari, C., Davenport, J. R. A., Isaacson, H. et al. 2017. “Chromospheric activity of HAT-P-11: an unusually active planet-hosting K star.” Astrophys. J. 848:58. DOI: 10.3847/1538-4357/aa8cca. 

Citação

Morris, B. (2019). “A spectacularly spotted star.” Front. Young Minds. 7:139. DOI: 10.3389/frym.2019.00139.

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