Neurociências e Psicologia 3 de agosto de 2022, 16:27 03/08/2022

Por que algumas pessoas têm mais facilidade para reconhecer rostos do que outras?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de dois rapazes participando de um jogo de adivinhação. O cérebro animado é o apresentador

Resumo

Imagine que você se afaste de seus amigos (ou pais) durante um momento enquanto passeiam no parque. Olha em volta e os vê a distância. Com facilidade, os distingue das outras pessoas que estão por lá e os identifica corretamente. Esse processo é chamado de “reconhecimento de rostos conhecidos”. Para a maioria de nós, é um processo fácil; a maioria das pessoas consegue reconhecer rostos conhecidos sem problemas. No entanto, algumas precisam se esforçar para reconhecer quem está por perto. Outras são “super-reconhecedoras”, dotadas de extraordinária capacidade de reconhecer rostos com a máxima precisão. E você, reconhece rostos facilmente? Neste artigo, explicamos por que algumas pessoas são melhores (ou piores) em reconhecer rostos e investigamos se diferenças no cérebro, em processos mentais e na personalidade afetam essa capacidade.

Introdução

A maioria de nós consegue reconhecer pessoas à nossa volta; nossos amigos, familiares e professores. Quando adultos, quase todos conseguimos reconhecer, com precisão, centenas de pessoas diferentes. Essa capacidade se deve ao nosso ambiente social: as pessoas em geral acham mais fácil reconhecer rostos de seu mesmo grupo racial e etário. Mas por que o reconhecimento facial é importante? Ele nos ajuda a agir da maneira correta em situações sociais: por exemplo, para contar uma piada a um amigo e prestar atenção ao professor, e não o contrário! Uma pesquisa recente analisou as diferenças individuais na capacidade de reconhecimento facial. Algumas pessoas são notoriamente inábeis nessa área enquanto outras, chamadas super-reconhecedoras, podem se lembrar e reconhecer rostos com grande exatidão. As super-reconhecedoras têm, inclusive, ajudado a polícia a identificar suspeitos de crimes!

A maioria de nós está entre esses extremos – não somos muito ruins para reconhecer rostos, mas também não somos muito bons. Ou seja, estamos na parte média do nível normal de desempenho (Figura1). Em um estudo no qual os participantes deveriam dizer se duas imagens mostravam a mesma pessoa ou pessoas diferentes, o nível de desempenho variou entre 62% e 100% de respostas corretas fornecidas por indivíduos observadores [1]. Por que algumas pessoas são melhores em reconhecer rostos?

Figura 1. As pessoas variam em sua capacidade de reconhecer rostos. O nível normal de desempenho na capacidade de reconhecimento facial revela que a maioria das pessoas apresenta essa capacidade em um nível intermediário. Umas poucas reconhecem rostos com muita dificuldade, um distúrbio chamado prosopagnosia. Na outra ponta do espectro, algumas pessoas são extremamente hábeis em reconhecer rostos e são chamadas super-reconhecedoras.

Diferenças no cérebro

As diferenças no cérebro entre os indivíduos são um dos motivos possíveis para explicar as diferenças na capacidade de reconhecer rostos. Será que pessoas eficientes nesta tarefa têm cérebros maiores, mais conectados ou, de algum modo, melhores do que os das pessoas que não são tão boas nisso? Diversas áreas do cérebro importantes para o reconhecimento facial se encontram nos lobos temporais, localizados dos dois lados do cérebro, acima das orelhas (Figura 2). Sabemos que pessoas com danos nessas áreas podem apresentar um distúrbio chamado prosopagnosia. A prosopagnosia já foi chamada de “cegueira facial” e caracteriza-se pela dificuldade em reconhecer rostos conhecidos.

Figura 2. Os lobos temporais se situam acima das orelhas e têm um papel no reconhecimento facial. A figura acima se baseia na que foi publicada no website BodyParts3D/Anatomography. © The Database Center for Life Science, sob licença de Creative Commons Attribution 2.1 Japan.

As pessoas boas em reconhecer rostos possuem, em seus cérebros, áreas de reconhecimento facial mais desenvolvidas do que as demais? A resposta curta é que não sabemos ao certo. Alguns trabalhos sugeriram que um grau superior de atividade nessas áreas cerebrais se relaciona a um melhor reconhecimento facial [2]. Outros pesquisadores descobriram apenas que pessoas com fraca capacidade de reconhecimento facial talvez tenham menos conexões entre as diversas áreas relacionadas a essa capacidade no cérebro [3]. De modo geral, mais pesquisas serão necessárias para determinar se diferenças na atividade e conectividade do cérebro desempenham um papel em nossa capacidade de reconhecer rostos.

Processamento cognitivo

Um segundo motivo possível para diferenças individuais no reconhecimento facial é que essa capacidade esteja relacionada a fatores como inteligência ou memória – que são tipos de processamento cognitivo. O termo processamento cognitivo indica os processos mentais (coisas que acontecem em nossas cabeças) envolvidos na aquisição de conhecimento e compreensão. Então pessoas mais inteligentes são melhores em reconhecimento facial? Em pesquisas sobre esse tópico, voluntários são solicitados a tomar parte em um teste de inteligência e uma tarefa de reconhecimento facial. Os resultados são comparados e, geralmente, nenhuma relação importante é notada. Portanto, nem sempre as pessoas mais inteligentes são as melhores em reconhecer rostos.

Parece haver uma relação entre reconhecimento facial e capacidade de processamento visual, que é a capacidade do cérebro de entender e lembrar coisas que vemos. Por exemplo, a pesquisa constatou que o desempenho de reconhecimento facial está relacionado à memória visual de curto prazo [4].

Você já deve ter participado de um jogo de memória visual. Nesse jogo, você vê um grupo de objetos – imagens de comidas, roupas, instrumentos, animais, plantas, veículos, etc. Esses objetos são mostrados rapidamente, em geral por apenas alguns segundos, e depois cobertos. Sua tarefa é lembrar a maior quantidade possível deles (Figura 3). O número de objetos de que alguém pode se recordar é a medida de sua memória visual de curto prazo. Os pesquisadores descobriram que os resultados desse tipo de teste de memória estão relacionados à capacidade de reconhecimento facial – quando uma capacidade aumenta, a outra aumenta também.

Figura 3. Usa-se esse jogo mnemônico para testar a capacidade da memória visual. Os participantes olham para os objetos durante um curto espaço de tempo e são instados a se lembrar deles quando os objetos são cobertos.

Personalidade e interação social

Também é possível que a o grau de capacidade para reconhecer rostos esteja ligado à personalidade ou ao nível de interação social. Talvez pessoas mais interessadas em conviver e conversar com outras tenham mais prática em reconhecer rostos e por isso os reconhecem melhor. Ao contrário, as que não são boas em reconhecer rostos costumam evitar o contato com outras, não se sentindo assim embaraçadas por sua incapacidade de reconhecer rostos conhecidos. O que você acha?

Segundo a pesquisa, pessoas que pensam mais nas outras e partilham as emoções de seus semelhantes – um traço chamado empatia – reconhecem rostos com mais facilidade.

Pediu-se que voluntários respondessem a uma série de perguntas para se medir sua empatia e que participassem também de uma tarefa de reconhecimento facial. Os resultados mostraram que o grupo de “alta empatia” se saiu melhor na tarefa de reconhecimento facial do que o grupo de “baixa empatia” [5]. E a pesquisa revelou que pessoas preocupadas e ansiosas em situações sociais são mais fracas no reconhecimento facial do que as confiantes [6]. Pessoas mais abertas e sociáveis (extrovertidas) reconhecem melhor rostos do que as introvertidas [7]. Há também alguns indícios de que a tendência ao pessimismo influencia negativamente o reconhecimento facial. Que tipo de pessoa você é? Gosta de interagir com gente à sua volta ou é do tipo mais reservado?

A capacidade de reconhecimento facial pode variar?

A capacidade de reconhecer rostos pode mudar com o tempo? Podemos fazer alguma coisa para melhorar essa capacidade? Parece que ela realmente melhora com o tempo, dos 5 anos até a maturidade, mas apresentando uma possível diminuição no início da adolescência. Há uma diminuição também dos 30 anos em diante, à medida que a pessoa envelhece.

Muitas habilidades se aperfeiçoam com a prática – o reconhecimento facial será uma delas? Os pesquisadores ainda não sabem. Talvez, quanto mais pessoas conheçamos, mais aptos fiquemos para o reconhecimento facial. Entretanto, o mero aumento de contato com rostos não melhora necessariamente o desempenho. Por exemplo, um estudo mostrou que cuidadoras de creches e professoras primárias, acostumadas a ver inúmeros rostos de crianças, não são melhores para identificar rostos do que pessoas sem grande experiência com crianças [8].

Pessoas afetadas pela prosopagnosia muitas vezes confessam que têm dificuldade em reconhecer seus colegas e fazer amizades. É possível ajudá-las? Algumas dessas pessoas empregam estratégias de enfrentamento (truques para conseguirem reconhecer pessoas), inclusive memorizando detalhes de penteado ou roupa. Mas treinar pessoas para melhorarem seu reconhecimento facial é algo difícil, e tratar a prosopagnosia geralmente não produz resultados duradouros. Sabemos também que muitos funcionários encarregados do controle de passaportes e agentes de polícia acham difícil reconhecer rostos – e o treinamento não melhora a capacidade de reconhecimento.

Conclusão

Vivemos rodeados de pessoas e reconhecer seus rostos nos permite fazer amizades e interagir adequadamente, seja no lazer ou no trabalho. Mas nem todos somos igualmente bons em reconhecer rostos. Diferenças individuais nessa capacidade podem estar relacionadas a diferenças em nossos cérebros: por exemplo, com a medida com que certas áreas do cérebro são ativadas quando vemos rostos, e até que ponto algumas dessas áreas funcionam juntas. Essas diferenças podem também estar ligadas à capacidade de processamento visual ou à personalidade, como os níveis de abertura e sociabilidade da pessoa.

Compreender as diferenças individuais é importante. Alguns empregos, como o dos controladores de passaportes em aeroportos e fronteiras ou o dos examinadores de rostos da polícia, exigem um alto grau de reconhecimento facial – mas não parece que essa capacidade possa ser facilmente melhorada com a prática. Para esses empregos, seria então conveniente selecionar as pessoas naturalmente boas em reconhecimento facial. Talvez você!

Glossário

Nível normal de desempenho:  Nível de pontos obtidos pelas pessoas em testes de uma determinada tarefa ou capacidade (em nosso caso, reconhecimento facial).

Lobos temporais: Uma das quatro regiões principais do cérebro. Há um lobo temporal de cada lado do cérebro, perto das orelhas. Essa área do cérebro é responsável pela memória visual, pela compreensão da linguagem e pelo processamento das emoções.

Prosopagnosia:  Condição neurológica caracterizada pela incapacidade de reconhecer rostos conhecidos.

Processamento cognitivo:  Processos mentais (coisas que acontecem em nossas cabeças) responsáveis pela aquisição de conhecimento e compreensão de fatos. Incluem percepção, codificação e memória.

Capacidade de processamento visual:  Capacidade que o cérebro tem de usar e interpretar informação oriunda de coisas vistas no mundo à nossa volta.

Empatia: Capacidade de entender e partilhar os sentimentos de nossos semelhantes.

Agradecimentos

Nosso muito obrigado aos revisores e também à revisora Angelina, de 17 anos. Seus comentários foram muito úteis na elaboração deste artigo.

Artigo original

 Lander, K., Bruce, V. e Bindemann, M. 2018. “Use-inspired basic research on individual differences in face identification: implications for criminal investigation and security.” Cogn. Res. Princ. Implic. 3:26. DOI: 10.1186/s41235-018-0115-6.

Referências

[1]  Burton, A. M., White, D. e McNeill, A. 2010. “The Glasgow Face Matching Test.” Behav. Res. Methods. 42:286–91. DOI: 10.3758/BRM.42.1.286.

[2]  Rotshtein, P., Geng, J. J., Driver, J. e Dolan, R. J. 2007. “Role of features and second-order spatial relations in face discrimination, face recognition, and individual face skills: Behavioral and functional magnetic resonance imaging data.” J. Cogn. Neurosci. 19:1435–52. DOI: 10.1162/jocn.2007.19.9.1435.

[3]  Rosenthal, G., Tanzer, M., Simony, E., Hasson, U., Behrman, M. e Avidan, G. 2017. “Altered topology of neural circuits in congenital prosopagnosia.” Elife. 6:e25069. DOI: 7554/eLife.25069.

[4]  Megreya, A. M. e Burton, A. M. 2006. “Unfamiliar faces are not faces: evidence from a matching task.” Mem. Cogn. 34:865–76. DOI: 10.3758/bf03193433.

[5]  Bate, S., Parris, B., Haslam, C. e Kay, J. 2010. “Socio-emotional functioning and face recognition ability in the normal population.” Pers. Indiv. Diff. 48:239–42. DOI: 10.1016/j.paid.2009.10.005.

[6]  Davis, J. M., McKone, E., Dennett, H., O’Connor, K. B., O’Kearney, R. e Palermo, R. 2011. “Individual differences in the ability to recognize facial identity are associated with social anxiety.” PLoS ONE. 6:e28800. DOI: 10.1371/journal.pone.0028800.

[7]  Lander, K. e Poyarekar, S. 2015. “Famous face recognition, face matching, and extraversion.” Q. J. Exp. Psychol. 68:1769–76. DOI: 10.1080/17470218.2014.988737.

[8]  Bate, S., Bennetts, R., Murray, E. e Portch, E. 2020. “Enhanced matching children’s faces in ‘super-recognisers’ but not high-contact controls.” i-Perception. 11:2041669520944420. DOI: 10.1177/2041669520944420.

Citação

Lander, K. e Bindemann, M. (2021). “Why are some people better at recognising faces than others?” Front. Young Minds. 9:597541. DOI: 10.3389/frym.2021.597541.

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