A importância dos ecossistemas de lagoas costeiras
Autores
Alice Newton, Badr El Mahrad, Nicholas Murray
Jovens revisores
Resumo
As lagoas costeiras são parte das linhas costeiras de nosso planeta onde o oceano se encontra com a terra. São zonas importantes tanto para os seres vivos quanto para a economia. Encerram diversos tipos de habitats que servem de abrigo para inúmeros animais e plantas. Assim, proporcionam inúmeros recursos naturais às pessoas que moram e trabalham nessas áreas. Aqui, descreveremos o que torna essas lagoas atraentes e vitais para plantas, animais e pessoas. Também daremos exemplos de atividades e pressões humanas que prejudicam as lagoas próximas a zonas residenciais. Apesar dos danos provocados pelas atividades humanas nas lagoas, se os países responderem com medidas de manutenção corretas temos esperança de que suas condições possam melhorar e elas continuem existindo no futuro.
O que são as lagoas costeiras?
Uma lagoa costeiraé um lençol de água raso ao longo da costa, separado do oceano, mas ligado a ele por uma ou mais enseadas (Figura 1A) [1]. A lagoa que cerca a cidade de Veneza, na Itália, é um bom exemplo. O tamanho das lagoas costeiras varia de 0,01 km2 a 10.000 km2 e elas são encontradas em 13% das costas da Terra [1, 2]. Por exemplo, a lagoa Ria Formosa, em Portugal, onde temos nosso instituto (CIMA), cobre uma área de 180 km2.
Como as lagoas são ligadas ao mar (Figura 1B), suas águas são predominantemente salgadas. As lagoas costeiras incluem zonas úmidas como pântanos salinos e manguezais, além de áreas com plantas marinhas. Esses são habitats essenciais para muitas espécies.
As características das lagoas costeiras
Lagoas são comumente encontradas ao longo das costas. São rasas (<2 m de profundidade) e sua água é uma mistura de ondas e correntes. São encontradas no mundo inteiro. A Figura 2 fornece exemplos de lagoas na bacia do Mediterrâneo, onde vivemos e trabalhamos. A Laguna de Veneza, cidade conhecida como a “Rainha do Adriático” e a “Cidade Flutuante”, é uma das lagoas mais famosas do mundo. Veneza é famosa pela beleza natural, a arquitetura e as obras de arte.
Há três tipos principais de lagoas costeiras [1]. Lagoas fechadas se formam ao longo das costas, onde as ondas têm alta energia. Possuem um único canal de entrada, longo e estreito (Figura 2A). Lagoas semiabertas podem ter vários canais ou enseadas. Consistem de um largo lençol de água usualmente paralelo à costa (Figura 2B). Lagoas abertas são lençóis de água alongados paralelos à costa, com inúmeros canais de entrada oceânicos. Nelas, as correntes de maré são fortes (Figura 2C).
Como as pessoas usam as lagoas?
As lagoas são o lar de inúmeras espécies de plantas e animais. Há, por exemplo, mais de 621 espécies de plantas aquáticas e 199 espécies de peixes nas lagoas costeiras do Mediterrâneo. Essa biodiversidade faz delas lugares atraentes para as pessoas que ali praticam muitas atividades de lazer e econômicas: pesca, aquicultura, agricultura, turismo, passeios de barco, construção de marinas e portos (Figura 3A). Mais de três mil pessoas, na região de Sacca di Goro, trabalham com agricultura [3]. O aeroporto internacional de Faro foi construído em um terreno recuperadoda lagoa Ria Formosa, para que o turismo pudesse se desenvolver na região. Além disso, muitas pessoas (como nós!) acham as lagoas bons lugares para viver e relaxar!
As lagoas estão sob pressão
As atividades humanas podem resultar em múltiplas pressões contra as lagoas costeiras. Exemplos disso são o barulho subaquático feito pelos motores dos barcos, os pesticidas vindos das plantações próximas, os poluentes lançados pelas fábricas e a conversão das lagoas em terrenos chamados de “recuperados” (Figura 3B). Há incontáveis exemplos de como mudanças no uso da terra têm afetado as lagoas. Um deles foi a decisão de se plantar arroz em Sacca di Goro (Itália), que levou ao aumento na quantidade de nutrientes despejados na lagoa próxima. Em certos casos, o modo como a terra foi usada no passado continua gerando consequências. As atividades de mineração cessaram há muitos anos nas áreas em volta da lagoa Mar Menor (Espanha), mas ainda há poluição metálica no local, produzida por aquelas atividades.
Pessoas afetam lagoas, lagoas afetam pessoas
As atividades e pressões humanas podem mudar os ecossistemas das lagoas [4]. Exemplos disso não faltam. Projetos imobiliários alteram a forma de uma enseada, o que por sua vez modifica a troca de água entre o mar e a lagoa. A construção de portos ou estruturas chamadas espigões pode alterar o modo como as ondas fustigam a linha costeira nas proximidades de uma lagoa, provocando erosão. Esta costuma aumentar os riscos de enchentes e tempestades e, assim, afetar os humanos. Mudanças na qualidade da água provocam também mudanças no ecossistema das lagoas. Por exemplo, se o ecossistema de uma lagoa costeira é danificado, muitos peixes morrem, prejudicando os pescadores locais e as pessoas que normalmente consomem os peixes que pegam. Há muitos outros exemplos de como a degradação de lagoas afeta o bem-estar humano (Tabela 1) [5, 6].
Como podemos proteger as lagoas?
Identificar lagoas costeiras vulneráveis permite aos administradores priorizar respostas e medidas de proteção para elas. As respostas podem ocorrer em nível local (por exemplo, uma lagoa e suas imediações) ou em larga escala (por exemplo, toda a região mediterrânica). Felizmente, existem várias medidas que, implementadas uma a uma ou muitas ao mesmo tempo, podem melhorar a saúde das lagoas costeiras. Eis aqui alguns exemplos.
Em primeiro lugar, soluções naturais usam plantas como o junco para reduzir o excesso de nutrientes numa lagoa. Isso melhora a qualidade da água e a quantidade de oxigênio que há nela. Em segundo lugar, campanhas de conscientização promovidas pelos habitantes locais podem ser bastante eficientes. As pessoas podem, por exemplo, trabalhar com as escolas locais a fim de organizar visitas educacionais de campo e mutirões de limpeza em volta das lagoas. Em terceiro lugar, todos os tipos de taxas, multas e outras formas de arrecadação podem ser usados para administrar lagoas. Assim, haveria multas por apanhar ou colher espécies protegidas como cavalos-marinhos e pepinos-do-mar. Em quarto lugar, redes de cientistas podem trocar achados e informações úteis, capazes de proporcionar novos conhecimentos sobre a melhor maneira de proteger as lagoas costeiras.
Nesse sentido, uma comunidade de cientistas italianos preocupados com as lagoas montou uma rede chamada Lagunet que incentivou o surgimento de outras redes na França, Grécia, Espanha, Portugal, África do Norte e países bálticos, culminando na formação da EuroMegLag, uma rede internacional de cientistas dedicados à proteção das lagoas costeiras1. Por fim, é necessário realizar novas pesquisas para proteger essas lagoas. Exemplos de projetos importantes são o DITTY2, que estuda lagoas do sul da Europa [5, 7], e o SouthMedLag, que estuda as do norte da África. O projeto SouthMedLag (sigla de South Mediterranean Lagoons) analisou 21 lagoas norte-africanas no Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egito, 11 das quais detalhadamente [4, 8]. A pesquisa foi conduzida por cientistas africanos e europeus, que buscaram soluções para os problemas dessas lagoas.
O futuro das lagoas
A população da Terra vem aumentando, as temperaturas estão ficando mais elevadas, o tempo normal começa a ser substituído por tempestades inesperadas e o nível do mar sobe a olhos vistos. A mudança climática é real e isso afetará lagoas no mundo inteiro.
Como cientistas, acreditamos que as lagoas costeiras continuarão a existir por muitos anos, mas que suas características se modificarão rapidamente nas próximas décadas. Se cidadãos e governos agirem agora, poderemos ajudá-las, aprendendo a trabalhar com a natureza e não contra ela. Lendo este artigo, você aprendeu por que as lagoas costeiras existem, quais são seus aspectos principais, por que elas são importantes, quais os problemas que enfrentam e como podemos ajudar a resolvê-los. Todos devemos aprender com a história e contribuir para assegurar o futuro dessas espetaculares lagoas costeiras. É tão fácil quanto o ABC: (A) Aja agora, mesmo sozinho. (B) Beneficie o meio ambiente, comportando-se de maneira responsável para com ele. (C) Converse com seus amigos e familiares sobre esta história, divulgue-a para que todos possamos proteger as lagoas costeiras!
Glossário
Lagoa costeira: Lençol de água raso ao longo da costa, separado do oceano, mas ligado a ele por uma ou mais enseadas.
Enseada: Recorte numa linha costeira, geralmente longo e estreito. Uma entrada.
Salino: Aquilo que é feito de sal ou o contém.
Aquacultura: Cultivo controlado de organismos aquáticos como peixes, mariscos, etc., e outros organismos.
Recuperação de terrenos: Processo pelo qual se criam novas terras com o afastamento do mar.
Espigões: Estruturas de proteção da costa construídas perpendicularmente a ela.
Erosão: Processo geológico pelo qual materiais da terra são desgastados e levados por forças naturais como o vento ou a água.
Junco: Planta que, em grande quantidade, forma habitats naturais encontrados em planícies aluviais como as lagoas costeiras.
Agradecimentos
Este artigo é dedicado à memória de dois grandes cientistas que estudaram as lagoas, nossos caros colegas José-Manuel Zaldivar Comenges Josema e Thang Do Chi. O artigo se baseia no conceito de lagoas costeiras como Sistemas Ecológico-Sociais, de europeus sulistas do projeto DITTY, subsequentemente aplicado a lagoas norte-africanas no projeto SouthMedLag. AN agradece à Future Earth Coasts, IMBer e Ocean KAN. BE agradece à BlueMed Initiative e ao Sustainable Blue Growth Program.
Notas de rodapé
1. http://www.euromedlag.eu.
2. O projeto DITTY contempla o “desenvolvimento de uma tecnologia de informação para o controle de lagoas do sul da Europa sob a influência do escoamento de bacias hidrográficas”.
Referências
[1] Kjerfve, B. 1994. “Coastal lagoons”, em Coastal Lagoon Processes. (Elsevier Oceanography Series), 1–15. DOI: 10.1201/EBK1420088304-c1.
[2] Anthony, A., Atwood, J., August, P., Byron, C., Cobb, S., Foster, C. et al. 2009. “Coastal lagoons and climate change: ecological and social ramifications in U. S. Atlantic and Gulf Coast Ecosystems.” Ecol. Soc. 14:8. DOI: 10.1890/0012-9658(2007)88[2947:ETACHH]2.0.CO;2.
[3] Vincenzi, S., Caramori, G., Rossi, R. e De Leo, G. A. 2006. “A GIS-based habitat suitability model for commercial yield estimation of Tapes philippinarum in a Mediterranean coastal lagoon (Sacca di Goro, Italy).” Ecol. Modell. 193:90–104. DOI: 10.1016/j.ecolmodel.200507.039.
[4] El Maharad, B., Kacimi, I., Satour, N., Newton, A., Icely, J. D., Snoussi, M. et al. 2020. “Environmental conditions, vulnerability and future perspective of coastal water bodies in Morocco”, em Proceedings of the 4th Edition of International Conference on Geo-IT and Water Resources 2020, Geo-IT and Water Resources 2020 GEOIT4W-2020. (New York, NY: ACM), 1–8. DOI: 10.1145/3399205.3399241.
[5] Murray, N. 2003. “ELOISE-how the land-ocean interaction operates, and how this is influenced by human activities.” Cont. Shelf. Res. 23:1615. DOI: 10.1016/S0278-4343(03)000205-X.
[6] Sousa, C. A. M., Cunha, M. E. e Ribeiro, L. 2020. “Tracking 130 years of coastal wetland reclamation in Ria Formosa, Portugal: opportunities for conservation and aquaculture.” Land use policy. 94:104544. DOI: 10.1016/j.landusepol.2020.104544.
[7] Newton, A., Brito, A. C., Icely, J. D., Derolez, V., Clara, I., Angus, S. et al. 2018. “Assessing, quantifying and valuing the ecosystem services of coastal lagoons.” J. Natl. Conserv. 44:50–65. DOI: 10.1016/J.JNC.2018.02.009.
[8] El Mahrad, B., Abalansa, S., Newton, A., Icely, J. D., Snoussi, M. e Kacimi, I. 2020. “Social-environmental analysis for the management of coastal lagoons in North Africa.” Front. Environ. Sci. 8:37. DOI: 10.3389/fenvs.2020.00037.
Citação
El Mahrad, B., Newton, A. e Murray, N. (2022). “Coastal lagoons: important ecosystems.” Front. Young Minds. 10:637578. DOI: 10.3389/frym.2022.637578.
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