A Terra e seus Recursos 4 de janeiro de 2023, 18:17 04/01/2023

“Água fervente para nós é refresco!”: os locais preferidos para micróbios amantes do calor

Autores

Jovens revisores

Ilustração de bactérias se banhando em águas vulcânicas.

Resumo

Você gosta de ficar na praia em um dia quente de verão? De tomar banho de sol, relaxar e praticar esportes de praia? Se ficar muito quente, você pode se refrescar rapidamente no oceano morno. Alguém imaginaria que existem organismos vivos em nosso planeta que congelariam até no dia mais quente do ano? Essas pequenas criaturas são chamadas de micróbios amantes do calor e não crescem em temperaturas abaixo de 50º C, mas se sentem mais confortáveis em água fervente, perto de vulcões no fundo do oceano ou em fontes termais. Dá para acreditar que a maioria desses lugares quentes não fica em desertos, e sim em ilhas vulcânicas no oceano Atlântico e perto do Polo Norte? E você tem ideia da importância do uso desses micróbios para a indústria e em laboratórios científicos?

Você sabia que existem micróbios vivendo em lugares do nosso planeta  que são totalmente desconfortáveis? 

Os menores organismos vivos, chamados micróbios ou micro-organismos, são invisíveis a olho nu [1]. Há mais de trezentos anos, o microbiologista holandês Antoni van Leeuwenhoek foi a primeira pessoa a ver células microbianas sob um microscópio. O microbiologista é um cientista que estuda micróbios. Basicamente, micróbios são encontrados em qualquer lugar na Terra. O solo, a água e o ar são totalmente colonizados por esses organismos minúsculos, mas também os encontramos nos alimentos, nos animais ou mesmo em nossos próprios corpos. A propósito, todo homem, mulher e criança tem mais células microbianas em seu sistema digestivo do que células em seu corpo inteiro!

Claro, também existem alguns micróbios que podem causar doenças graves, incluindo diarreia e gripe, mas a maioria não é prejudicial aos seres humanos. De fato, alguns são usados para produzir iogurte e queijo ou para o tratamento de águas residuais. Alguns micróbios crescem melhor na escuridão, outros gostam de espaços sem oxigênio e outros ainda preferem os açúcares doces das frutas ou os ambientes malcheirosos na superfície e no interior de queijos. 

É compreensível que eles consigam sobreviver no oceano a uma agradável  temperatura equivalente à do corpo de 37ºC, mas existem grupos de micróbios incríveis que colonizam os lugares mais surpreendentes do planeta. Fato curioso: podem prosperar sob diferentes tipos de condições extremas e, provavelmente, são algumas das formas de vida mais antigas da Terra. Foram os primeiros a se adaptar a estilos de vida extremos e hoje colonizam lugares que não acolhem outras formas de vida. Esses organismos são chamados de extremófilos (isto é, “que amam o extremo”). A próxima pergunta que precisa ser respondida é: onde encontramos esses organismos que adoram o calor? 

Onde vivem os micróbios que mais gostam do calor? 

As áreas mais quentes da Terra geralmente estão localizadas perto de vulcões na superfície da Terra e nas profundezas dos oceanos. A Dorsal Mesoatlântica é uma cordilheira submarina que constitui o limite entre enormes placas rochosas ao longo do fundo do oceano Atlântico (Figura 1). Essas placas rochosas, chamadas de placas tectônicas, são tão grandes que a placa norte-americana se estende sob Cuba, Estados Unidos, Canadá e Groelândia, enquanto a placa eurasiana fica sob a Europa e a maior parte da Ásia. Em vários pontos, belas ilhas vulcânicas emergiram do fundo do oceano após um longo período de tempo.

Um grupo dessas ilhas vulcânicas no oceano Atlântico é chamado de Açores. Os Açores estão localizados quase na metade do caminho entre os Estados Unidos e Portugal, enquanto a Islândia está bem ao norte, entre a Groelândia e a Noruega. Essas ilhas são cobertas de fontes termais. Nelas, a água aquecida do subsolo sobe para a superfície da Terra. As fontes termais expelem água quente, é claro, porque faz muito calor lá embaixo e ela circula por essas áreas profundas antes de chegar à superfície. Se você passear pelos Açores, verá que a água está constantemente fumegando e fervendo (Figura 1). 

Figura 1 – Mapa e alguns espaços onde vivem micróbios amantes do calor nos Açores e na Islândia. A cordilheira Dorsal Mesoatlântica está localizada no oceano Atlântico, onde as placas tectônicas americana, eurasiana e africana colidem lentamente, conforme mostrado pela linha roxa da figura. São mostradas as posições das ilhas vulcânicas, nomeadamente os Açores e a Islândia. As fotos de algumas fontes termais na Islândia estão enquadradas em verde e exemplos de São Miguel, Açores, em laranja. 

Muitas fontes termais e gêiseres, que ejetam água quente e vapor, podem ser encontrados no Parque Nacional de Yellowstone, no estado de Wyoming, nos Estados Unidos. Lá foram descobertos pela primeira vez os micróbios amantes do calor há quase cinquenta anos pelo microbiologista Thomas Brock. Até então, os cientistas de todo o mundo acreditavam que esses ambientes quentíssimos deveriam ser estéreis, o que significa que organismos vivos não poderiam sobreviver neles, pois as altas temperaturas matariam qualquer forma de vida. 

Thomas Brock isolou e descreveu o primeiro micróbio amante do calor e deu-lhe o belo nome de Thermus aquaticus [2] (Figura 2). Como em nossa língua não há nomes para a maioria dos micróbios, usaremos nomes científicos neste artigo, que serão explicados em detalhe (box 1). 

Figura 2 – Ilustração do Thermus aquaticus. A. Imagem microscópica de células que foram cultivadas até atingir uma alta densidade. B. Duas células simples. C. Desenho destacando a estrutura celular. Observe que 1μ é igual a um milionésimo de um metro. 

O nome T. aquaticus nos diz que esse micróbio é um organismo amante do calor (thermos significa “quente” em grego) que foi encontrado na água (aqua significa “água” em latim). O T. aquaticus povoa várias fontes termais no Parque Nacional de Yellowstone e outros locais com temperaturas em torno de 70ºC. Curiosamente, ele congela a 40ºC e se recusa a crescer em temperaturas inferiores a esta. Uma temperatura acima de 79ºC é letal para esse micróbio.

Embora Thomas Brock tenha encontrado o primeiro micróbio que gosta do calor, não encontrou nenhum que pudesse suportar água fervente. No entanto, a descoberta do T. aquaticus desencadeou uma busca global por micro-organismos mais resistentes ao calor e parentes do T. aquaticus. Não demorou muito para que outros micróbios amantes do calor não relacionados ao T. aquaticus fossem descobertos em diferentes pontos da Terra. Os cientistas rapidamente perceberam que os extremófilos são muito comuns – tão comuns que é impossível calcular quantas espécies ainda serão descobertas no futuro.

Outro passo importante na descoberta dos extremófilos foi dado quando Karl Stetter, da Alemanha, apresentou outro micróbio interessante à comunidade da microbiologia. Stetter e sua equipe encontraram esse micróbio no fundo do mar, onde a água quente sobe por uma chaminé que vem de baixo das placas tectônicas, e deram-lhe o nome de Pyrolobus fumarii.

Esse micróbio apresenta uma estrutura celular estranha e irregular. A estrutura celular, a preferência pelo calor e o habitat natural estão todos refletidos em seu nome: Pyro é o nome grego para “fogo”, lobus significa “lóbulo” (a estrutura irregular) e fumarii se refere a uma chaminé fumegante. O P. Fumaris gosta mais do calor até do que o T. aquaticus! A descoberta do P. fumarii expandiu os limites superiores de temperatura suportável pela vida a 113ºC – quente o bastante para a água ferver! Temperaturas abaixo de 90ºC já são muito frias para o crescimento do P. fumarii (Figura 3) [3]. 

Figura 3
Termômetro indicando as temperaturas a que diferentes organismos são capazes de crescer. 

Há outros ambientes que seriam desconfortáveis para nós, mas não para os micróbios? 

Os seres humanos não gostam de temperaturas em torno de 100ºC, exceto em uma sauna e por um período muito curto, enquanto os micróbios amantes do calor vivem sem problemas a vida inteira nessas condições. Entretanto, existem outros ambientes naturais extremos que são povoados por micróbios tolerantes e resistentes. Esses micróbios vivem no fundo do mar, em lagos muito salgados ou no gelo glacial. E você já ouviu falar de micróbios que preferem viver em ácidos corrosivos? 

Provavelmente, o micro-organismo extremo mais impressionante foi descoberto pela equipe de Wolfram Zillig (1925-2005). O micróbio Picrophilus torridus prefere temperaturas moderadamente quentes, entre 55ºC e 65ºC, mas em combinação com um ambiente muito ácido. Basicamente, tais condições podem ser comparadas a viver em ácido de bateria quente e diluído. Esse micróbio foi isolado em solo ácido e quente no Japão [4]. Suas preferências e estilo de vida são também refletidos pelo seu nome científico: Picros significa “ácido” em grego, philos significa “amante” e torridus é latim, significando “seco” e “queimado”. 

Além disso, há também alguns micróbios que estão perfeitamente adaptados aos ambientes feitos pelo homem. Eles prosperam em águas residuais industriais tóxicas ou perto de usinas nucleares. Vários desses micróbios foram isolados em Chernobyl, local de um terrível acidente numa usina nuclear em 1986. Esses micróbios ficaram expostos a radiações perigosas letais, mas conseguiram converter a radiação em energia, que usam para crescer [5]. 

Os micróbios extremos poderiam ser usados em benefício dos humanos? 

Devido à sua capacidade de resistir a diferentes condições extremas, esses micróbios e algumas das substâncias químicas dentro deles são de grande interesse para uso em certas áreas da indústria. Um tipo particular de proteína (uma enzima) do T. aquaticus tem sido de grande ajuda para os cientistas no campo da microbiologia. Essa enzima, a Taq-polimerase, é usada em laboratórios para produzir milhões de cópias de moléculas de DNA em um processo chamado reação em cadeia da polimerase (RCP). Como uma das etapas da reação ocorre a 95ºC, as enzimas normais rapidamente se tornam inativas, mas a Taq-polimerase do T. aquaticus resiste a essas condições e continua funcionando. Atualmente, a RCP é usada rotineiramente nas ciências da vida (como a biologia), em investigações criminais e no diagnóstico de doenças. 

Os micróbios extremófilos também são usados em um processo chamado biorremediação, empregado para remover toxinas de ambientes contaminados, decompondo-as. Outros micro-organismos extremos são interessantes para a indústria porque suas enzimas decompõem amido ou resíduos vegetais – e esses processos podem ser usados para a produção de bioenergia ou compostos químicos valiosos. Em contraste com os micróbios que gostam do calor, as enzimas de micróbios que gostam de frio vêm sendo utilizadas como ingredientes de detergentes para nos ajudar a limpar nossas roupas em baixas temperaturas, que economizam energia. É também importante saber que os extremófilos não são ruins! Como preferem habitar ambientes hostis do ponto de vista humano, eles usualmente não são capazes de causar doenças em nós porque a temperatura de nosso corpo, de 37°C, é muito fria para eles. 

Glossário

Micróbios/micro-organismos:  Principalmente organismos unicelulares, incluindo bactérias, algumas algas e fungos. O fermento de padeiro é um exemplo de fungo unicelular. 

Fonte termal:  Nascente cuja água, aquecida no subsolo, sobe à superfície da Terra. A água nessas nascentes pode ter temperaturas de moderadas a altas, chegando muitas vezes a ferver. 

Gêiser:  Fonte que em geral libera água quente e vapor. A maioria dos gêiseres (cerca de 50%) está localizada no Parque Nacional de Yellowstone, em Wyoming, EUA. 

Taq-polimerase:  Enzima capaz de copiar DNA a altas temperaturas. As polimerases, essenciais para a replicação do DNA celular, são comumente usadas em procedimentos de laboratório para produzir milhões de cópias de DNA. 

Financiamento

O projeto OER (Open Educational Resources) “Extremophilic Microorganisms”, dos autores, foi financiado pelo Estado de Hamburgo, Alemanha, dentro do projeto Hamburg Open Online University (http://www.hoou.de/).

Referências

[1]  Kopf, A., Schnetzer, J. e Glöckner, F. O. 2016. “Marine microbes, the driving engines of the ocean.” Front. Young Minds 4:1. DOI: 10.3389/frym.2016.00001.

[2] Brock, T. D. e Freeze, H. 1969. “Thermus aquaticus gen. n. and sp. n., a non-sporulating extreme thermophile.” J. Bacteriol. 98(1): 289–97. DOI: 10.1126/science.230.4722.132.

[3] Blöchl, E., Rachel, R., Burggraf, S., Hafenbradl, D., Jannasch, H. W. e Stetter, K. O. 1997.” Pyrolobus fumarii, gen. and sp. nov., represents a novel group of Archaea, extending the upper temperature limit for life to 113 degrees C.” Extremophiles. 1:14–21. DOI: 10.1007/s007920050010.

[4] Schleper, C., Pühler, G., Klenk, H. P. e Zillig, W. 1996. Picrophilus oshimae and Picrophilus torridus fam. nov., gen. nov., sp. nov., two species of hyperacidophilic, thermophilic, heterotrophic, aerobic Archaea.” Int. J. Syst. Evol. Microbiol. 46:814–6. DOI: 10.1099/00207713-46-3-814.

[5]  Dadachova, E., Bryan, R. A., Huang, X., Moadel, T., Schweitzer, A. D., Aisen, P. et al. 2007.  “Ionizing radiation changes the electronic properties of melanin and enhances the growth of melanized fungi.” PLoS ONE 2(5):e457. DOI: 10.1371/journal.pone.0000457. 

Citação

Elleuche, S., Schröder, C., Stahlberg, N. e Antranikian, G. (2017). “‘Boiling water is not too hot for us!’” – preferred living spaces of heat-loving microbes.” Front. Young Minds. 5:1. DOI: 10.3389/frym.2017.00001.

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