Usando a matemática para entrar em sincronia com o cérebro
Autores
Leonid L. Rubchinsky, Micah Swartz
Jovens revisores
Resumo
Desde jovem, ouvimos que estar “em sincronia” é uma coisa boa! Tanto com a música enquanto dançamos quanto com os companheiros de equipe no campo, a sincronização é celebrada. No entanto, pouca ou muita sincronização pode ser ruim. No cérebro, a sincronização permite que informações importantes sejam enviadas entre os neurônios, para que possamos tomar decisões e agir em nossas vidas diárias. A matemática pode ajudar pesquisadores e médicos a entender padrões de sincronização anormal no cérebro, diagnosticá-los e, potencialmente, tratar os sintomas de distúrbios cerebrais. Neste artigo, examinaremos a fundo como a matemática é usada para explorar e compreender o cérebro, um dos órgãos mais importantes do nosso corpo.
O que é a sincronização no cérebro e por que ela acontece?
Sincronização é o processo pelo qual algumas partes do cérebro enviam informações valiosas a outras. Os neurônios (células nervosas) no cérebro transmitem essas informações tanto para outros neurônios cerebrais quanto para o corpo. Nós, humanos, absorvemos muita informação! Estamos constantemente cheirando, vendo, ouvindo e observando coisas no mundo à nossa volta e, também, criando pensamentos ou ações a partir de todas essas informações. Centenas dessas interações acontecem a cada segundo e isso às vezes pode ser desgastante.
Você já notou que é difícil falar e ouvir em uma festa lotada e barulhenta? Com tanto ruído de fundo, você conclui que precisa gritar para que os outros o ouçam! O cérebro humano luta do mesmo jeito ao se comunicar com outras partes do cérebro ou do corpo. É então que a sincronização de neurônios se mostra importante. Sincronização significa que dois processos exibem uma atividade rítmica coordenada (como dançar e ouvir música ao mesmo tempo). No papel de células mensageiras que se comunicam e transmitem informações, os neurônios podem se sincronizar uns com os outros para se comunicar melhor.
Dê uma olhada na Figura 1. Quando duas crianças estão sincronizadas nos balanços, elas podem facilmente ouvir uma à outra e conversar. Mas, quando não estão sincronizadas, é muito mais difícil se comunicarem. Todo o barulho de fundo e a distância entre elas tornam mais difícil ouvir o que a outra está tentando dizer. A sincronização no cérebro é igualmente importante: permite que os neurônios se comuniquem de forma eficaz, de modo que informações importantes possam ser enviadas para onde precisam ir!
Na sincronização, diferentes neurônios geram surtos de atividade elétrica ao mesmo tempo, o que facilita a troca de informações entre eles. Áreas específicas do cérebro são responsáveis por várias atividades, como fala, movimento, visão e audição. É vital que a sincronização ocorra, para permitir que todas essas áreas do cérebro se comuniquem umas com as outras, e nossas mentes e corpos funcionem corretamente.
Imagine uma terceira criança, não retratada na figura acima, balançando ao lado das duas. Se as duas crianças estiverem constantemente em sincronia e conversando uma com a outra, seria difícil para a terceira, que não está em sincronia, conversar com elas. As duas crianças em sincronia não seriam capazes de ouvir outras vozes muito bem. Cientistas descobriram que, se os neurônios do cérebro estiverem muito em sincronia, isso pode na verdade ser prejudicial, pois uma nova informação não é capaz de ser transmitida por neurônios que estejam demasiadamente ocupados em “conversar” uns com os outros. Isso talvez cause a perda de atividades como fala e movimento. Pessoas com desordens cerebrais (a doença de Parkinson, por exemplo) podem ter sincronização excessiva de neurônios. Parece então que o cérebro precisa estar um pouco sincronizado, mas não muito!
Uma sincronia na quantidade certa permite que os neurônios se comuniquem; entretanto, se eles estiverem sincronizados demais, terão dificuldades em responder a novas informações. Assim, uma parte do cérebro não será capaz de responder adequadamente aos sinais da outra e não conseguirá, por exemplo, fazer executar alguns movimentos corretamente, como acontece em pacientes com doença de Parkinson. Como os pesquisadores e cientistas determinam a quantidade de comunicação necessária?
Cientistas e matemáticos trabalhando juntos
Os cientistas trabalham duro para coletar dados e os matemáticos colaboram dando sentido a todas as informações recolhidas. Os cientistas usam técnicas como a eletroencefalografia (EEG) para gravar e examinar a atividade elétrica do cérebro. Os matemáticos analisam os dados para descobrir se há sincronia ou não.
A quantidade média de sincronia presente no cérebro é importante, mas os padrões de sincronia ao longo do tempo são importantes também [1, 2]. Olhe a Figura 2. Embora as médias para todas as curvas sejam idênticas, os padrões são na verdade muito diferentes.
Eis um exemplo de como dois padrões diferentes de dados, com a mesma média, podem afetar a quantidade de informação que está sendo trocada. Encontre um amigo ou um membro da família para conversar por um minuto. Enquanto você fala, tape os ouvidos por meio segundo e em seguida destape-os pelo mesmo espaço de tempo. Repita esse processo durante um minuto! Agora, converse por mais um minuto, mas dessa vez tapando os ouvidos por trinta segundos e depois destapando-os por outros trinta. Em ambos os minutos, você gastará trinta segundos tapando os ouvidos e trinta conversando com os ouvidos descobertos. Mas em que tempo você entendeu mais? A chances são de que, provavelmente, teve mais facilidade em entender a conversa durante os intervalos de meio segundo com os ouvidos tapados. No outro minuto, você perdeu completamente a primeira parte da conversa.
Vale notar que diferentes padrões temporais de sincronização no cérebro também podem ter as mesmas médias, mas contar histórias muito diferentes [1–3]. Quando duas partes do cérebro estiverem envolvidas em raros, mas longos episódios de sincronia, elas não serão capazes de responder a comandos de outras partes durante esses episódios – e informações importantes se perderão. Se essas mesmas duas partes se envolverem em muitos episódios síncronos curtos, outras partes conseguirão se comunicar durante períodos frequentes sem sincronia.
Matemática em ação
Depois que médicos ou pesquisadores coletam dados de EEG, estes devem ser transformados por matemáticos para que padrões e ciclos possam ser observados. Esse processo ajuda os pesquisadores a entender os dados. Como os dados podem ser decompostos para que os pesquisadores consigam entendê-los? Uma técnica chamada análise de Fourier permite que os matemáticos decomponham sinais complexos em muitas formas de onda simples, separando as rápidas das lentas (Figura 3A).
Ao fazer isso, escolhemos dados de atividade cerebral complicados e ruidosos para focar nas partes em que os pesquisadores estejam interessados. Os dados parecem muito mais fáceis depois que as ondas certas são isoladas dos complicados dados experimentais, o que ajuda os cientistas a tirar conclusões sobre a sincronização no cérebro. É claro que, ao isolar algumas boas ondas de dados experimentais, inevitavelmente deixamos algumas informações de fora, mas a chave é remover principalmente as informações não essenciais a fim de destacar as mais importantes.
Os mapas de fase são outra ferramenta matemática que pode fornecer aos cientistas informações sobre os ciclos de sincronização e dessincronização, e quanto tempo eles duram (figura 3B). Ciclos de dessincronização são os momentos em que os neurônios não estão em sincronia uns com os outros. Os mapas de fase verificam o que acontece com uma oscilação enquanto outra está, por exemplo, em um pico. A sincronização de oscilações ocorre quando elas atingem o pico ao mesmo tempo ou quando uma atinge o pico com um atraso fixo após outro. Os mapas de fase permitem aos pesquisadores visualizarem a sincronização e dessincronização neuronal para responderem a questões científicas importantes.
Outras equações matemáticas são usadas para ajudar os cientistas a entender como uma parte do cérebro se comunica, se comporta e interage com outras. Um tipo de matemática usado para esse propósito são as chamadas equações diferenciais. Equações diferenciais são descrições matemáticas de como alguma coisa muda ao longo do tempo. Matemáticos e físicos trabalham com equações diferenciais há séculos e agora elas são usadas na ciência do cérebro também! Descrevem interações muito complicadas entre os neurônios e podem ajudar os pesquisadores a entender atividades cerebrais complexas.
A análise de dados do cérebro, com emprego de equações diferenciais, nos mostrou que curtos períodos de dessincronização tornam mais fácil para algumas partes do cérebro responderem a sinais provenientes de outras [4, 5] (lembre-se do exemplo de tapar os ouvidos). Sem curtos períodos de dessincronização (ou tempo em que os neurônios não estão sincronizados), os neurônios não podem receber todas as informações valiosas de que precisam!
Conclusão
Diferentes padrões de atividade neuronal podem ter a mesma quantidade média de sincronização. Padrões anormais de sincronização estão associados a vários distúrbios cerebrais como a doença de Parkinson, o vício e o transtorno do espectro autista. É comum o padrão temporal da sincronização neural ser modificado em um cérebro saudável. Diferentes distúrbios cerebrais às vezes interrompem esse padrão de maneiras diferentes, mas estas sempre afetam negativamente a comunicação entre as partes do cérebro, o que resulta em sintomas muito debilitantes. Os distúrbios do cérebro podem causar danos sérios e os pesquisadores precisam entendê-los tanto quanto possível para ajudar as pessoas afetadas.
Há ainda muita pesquisa a ser feita para entendermos a sincronização e o papel que ela desempenha no cérebro saudável ou doente. A matemática é uma ferramenta poderosa que ajuda nessa exploração, permitindo a médicos e cientistas entenderem melhor o funcionamento de nosso órgão mais complexo!
Financiamento
Este estudo contou com o apoio do NSF DMS 1813819.
Glossário
Sincronização: Estado no qual dois ou mais processos (quase sempre duas ou mais oscilações) são coordenadas no tempo, como atingir o pico simultaneamente.
Neurônios: Células nervosas, inclusive as do cérebro, que trocam mensagens elétricas com outras. Usamos os neurônios para sentir, tocar, pensar e controlar nossas ações.
Eletroencefalografia (EEG): Técnica para medir a atividade elétrica no cérebro usando-se eletrodos (discos pequenos) presos à cabeça. Essa técnica não penetra no cérebro e, portanto, não é prejudicial.
Análise de Fourier: Área da matemática e da análise de dados que estuda as propriedades de oscilações. Ela representa formas de ondas complexas decompondo-as em várias formas de ondas simples, que podem simplificar muito a análise dos dados.
Mapas de fases: Técnica matemática que simplifica a análise de sinais oscilatórios. Grosso modo, permite constatar como o tempo do pico das oscilações depende dos picos anteriores.
Ciclos de dessincronização: Intervalos de tempo em que os neurônios não estão em sincronia.
Oscilação: Comportamento semelhante a uma onda de certa quantidade; a quantidade oscilante sobe e desce com frequência mais ou menos regular (em oposição, por exemplo, à saturação ou comportamento totalmente aleatório). A atividade elétrica do cérebro discutida aqui frequentemente mostra oscilações (veja a Figura 3A para os padrões ondulatórios da atividade cerebral).
Equações diferenciais: Equações matemáticas que descrevem como alguma coisa muda ao longo do tempo.
Conflito de interesses
Os autores declaram que a pesquisa foi conduzida na ausência de qualquer relação financeira ou comercial capaz de gerar um conflito de interesses.
Artigo da fonte original
Ahn, S. e Rubchinsky, L. L. 2017. “Potential mechanisms and functions of intermittent neural synchronization.” Front. Comput. Neurosci. 11:44. DOI: 10.3389/fncom.2017.00044.
Referências
[1] Ahn, S., Rubchinsky, L. L. e Lapish, C. C. 2014. “Dynamical reorganization of synchronous activity patterns in prefrontal cortex-hippocampus networks during behavioral sensitization.” Cereb. Cortex 24:2553–61. DOI: 10.1093/cercor/bht110.
[2] Ahn, S., Zauber, S. E., Worth, R. M., T. e Rubchinsky, L. L. 2018. “Neural synchronization: average strength vs. temporal patterning.” Clin. Neurophysiol. 129:842–4. DOI: 10.1016/j.clinph.2018.01.063.
[3] Malaia, E., Ahn, S. e Rubchinsky, L. L. 2020. “Dysregulation of temporal dynamics of synchronous neural activity in adolescents on autism spectrum.” Autism Res. 13:24–31. DOI: 10.1002/aur.2219.
[4] Ahn, S. e Rubchinsky, L. L. 2013. “Short desynchronization episodes prevail in synchronous dynamics of human brain rhythms.” Chaos 23:013138. DOI: 10.1063/1.4794793.[5] ↑ Ahn, S. e Rubchinsky, L. L. 2017. “Potential mechanisms and functions of intermittent neural synchronization.” Front. Comput. Neurosci. 11:44. DOI: 10.3389/fncom.2017.00044.
Citação
Swartz, M. e Rubchinsky, L. (2022) “Using mathematics to become in sync with the brain.” Front. Young Minds. 10:741510. DOI: 10.3389/frym.2022.741510.
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